Trata-se ele de um marxista com amplo conhecimento de macroeconomia que estuda a conjuntura mundial, em particular dos países centrais, numa perspectiva histórica. Ele, diferentemente de outras orientações menos comprometidas com os textos originais, atribui centralidade à lei tendencial da queda da taxa de lucro – e suas contra tendências – na explicação das crises do capitalismo, assim como dos processos de estagnação ou recuperação que a elas se seguem. Nesta nota, em sequência, traduzem-se simplesmente as partes mais importantes desse artigo com o fim de torná-lo disponível para um público mais amplo que se sente mais confortável lendo em português. De qualquer modo, recomenda-se fortemente aos interessados que leiam o artigo original, em inglês, diretamente em seu blog: http://thenextrecession.wordpress.com/.
A globalização e a economia mundial | Michael Roberts
Introdução
O modelo marxiano do capitalismo assume uma economia mundial – eis que foi pensado no plano do capital em geral. É nesse nível de abstração que Marx desenvolveu o seu modelo das leis de movimento do capitalismo e, em particular, aquela que ele considerou como a mais importante de seu processo de produção, a lei da tendência ao declínio da taxa de lucro.
A taxa de lucro é o melhor indicador da “saúde” da economia capitalista. Ela tem valor como variável de predição do investimento futuro e da possibilidade das recessões e dos declínios econômicos. Por isso, o nível e a direção de movimento da taxa de lucro mundial podem ser guias importantes na previsão do desenvolvimento futuro da economia capitalista mundial.
Porém, no mundo real, coexistem muitos capitais particulares; não há, ademais, uma economia mundial única, mas muitas nações capitalistas. Há barreiras vindas do trabalho, do comércio e do capital para o estabelecimento de uma economia mundial integrada e para a formação de uma taxa de lucro mundial. Essas restrições existem para preservar e proteger os mercados regionais e nacionais em relação aos fluxos do capital global.
Diante disso, pode-se realisticamente falar em uma taxa de lucro mundial? E o que ela nos dirá se essa estatística for razoável?
No teste da validade da lei da lucratividade de Marx como explicação do crescimento econômico, das subidas e das quedas da produção capitalista, grande parte da pesquisa empírica se concentrou, compreensivelmente, na economia norteamericana. Esta é a economia capitalista mais importante; ademais, ela tem os melhores dados empíricos. Há também, porém, trabalhos que se voltaram para outras economias nacionais capitalistas.
Já em 1848, Marx previu que o capitalismo se tornaria o modo de produção dominante e que ele iria dominar o mundo. Ele esperava que todos os países e as suas forças de trabalho viessem a ficar sob o controle das forças de mercado e do capitalismo. Isto, para ele, significava duas coisas: a expansão do setor capitalista incorporaria, progressivamente, todos os setores econômicos não capitalistas, por meio da industrialização e da urbanização; conflitos entre o capitalismo global e os interesses capitalistas nacionais surgiriam necessariamente.
O grande movimento rumo à globalização começou no final do século XIX com a expansão dos fluxos de capitais dos países lideres para as suas colônias territoriais. Marx explicou o surgimento dessa nova era – o imperialismo moderno – como algo que decorria da necessidade do capitalismo nos países centrais de contrariar a pressão baixista na taxa de lucro. O comércio e os investimentos exteriores eram importantes fatores que se contrapunham à lei da queda da lucratividade. Eles poderiam baratear o valor do capital constante por meio da redução de custo das matérias primas; eles poderiam elevar a taxa de exploração por meio da subordinação da força de trabalho ao capital nos mercados emergentes e nos territórios coloniais. E esse valor excedente poderia ser transferido para as economias imperialistas como meio de elevar aí a taxa de lucro.
(N.T.: o gráfico acima mostra o efeito dessas políticas comparando o montante global de investimento estrangeiro direto com o PIB mundial. O declínio dessa razão a partir de meados da primeira década do século XX e a aceleração ocorrida a partir da década dos anos 70 são muitos evidentes para exigirem comentários maiores).
O processo de globalização iniciado do fim do século XIX produziu duas grandes guerras mundiais. Elas foram produto da rivalidade capitalista que resultou do ímpeto para sustentar a taxa de lucro nas maiores economias capitalistas no começo – e durante – o século XX. Porém, a partir de 1980, quando as taxas de lucro das grandes economias capitalistas centrais se tornaram novamente baixas, estas procuraram novamente contrariar a lei de Marx retomando a expansão dos fluxos de capitais em direção aos países que tinham uma grande reserva potencial de força de trabalho. Ademais, elas procuraram países em que a força de trabalho fosse capaz de se submeter a duras condições, aceitando salários de super-exploração. As barreiras mundiais ao comércio foram derrubadas, as restrições aos fluxos de capitais além das fronteiras nacionais foram reduzidas e as corporações multinacionais moveram os seus capitais à vontade, de acordo com as suas necessidades corporativas.
Desse modo, pode-se argumentar que no século XXI, pela primeira vez na história do capitalismo, tornou-se possível reconhecer a taxa de lucro mundial como algo significativo[1].
Mensuração da taxa de lucro mundial
É possível medir a taxa de lucro mundial? Grande parte dos trabalhos empíricos feitos até agora se concentraram em medir a taxa de lucro da economia norte-americana, procurando fazê-lo de um modo que fosse consistente (o mais próximo possível) com a categoria marxista. Muitos desses estudos confirmaram que houve uma elevação da taxa de lucro nos Estados Unidos da América do Norte a partir de 1982; entretanto, quanto ao momento em que essa taxa alcançou o seu pico, eles mostraram certas divergências.
Houve também trabalhos que procuraram calcular a taxa de lucro na Grã-Bretanha. As minhas próprias estimativas, seja aquela baseada em custos correntes seja aquela baseada em custos históricos, mostraram que essa taxa se elevou após o vale alcançado na severa recessão de 1974-1975. Durante todo o período de 1950 a 2009, a taxa de lucro britânica mostrou uma tendência declinante; ora, isto ocorreu porque ela se mostrou muito elevada no começo dos anos 50. Depois disso, a taxa de lucro declinou até encontrar um fundo na primeira grande crise período do pós-guerra, em 1974-1975. Este parece ter sido um ponto de reversão. A indústria britânica, desde esse momento, passou a ser dizimada; iniciou-se, então, um processo que veio transformar a economia capitalista deste país numa economia baseada no setor de serviços. Isto propiciou um melhoramento gradual da taxa de lucro, embora o seu valor nunca mais tenha atingido os níveis do começo dos anos 1960 (exceto talvez, segundo certas mensurações, no boom recente do começo dos anos 2000, o qual foi produzido pela expansão do crédito).
Foram feitos alguns esforços para calcular a taxa de lucro para alguns países da zona do Euro, assim como sobre países individuais, tais como o Japão e mesmo algumas economias emergentes, a saber, o México, a Argentina e a China. Dave Zachariah estudou a taxa de lucro de diversos países incluindo algumas economias emergentes, tais como a China e a Índia. Mas ele não tentou integrar os dados dos vários países para obter uma taxa de lucro mundial.
Foram feitos alguns poucos estudos que tentaram integrar as taxas nacionais em uma taxa de lucro mundial. Minqi Li e seus colaboradores calcularam uma taxa de lucro global para o longo período que se iniciou em 1890. (…)
Uma nova medida da taxa de lucro mundial
Neste artigo, tal como o estudo Minqi Li, procuro encontrar uma taxa de lucro mundial que inclua, além das economias do G7, as quatro economias que são conhecidas pelo acrônimo BRIC. Desse modo, ele inclui as 11 maiores economias, as quais, em conjunto, representam uma significativa porção do PIB mundial. Empreguei as estatísticas do World Penn Tables que foram também usadas por Zachariah em seu estudo de vários países individuais. Ponderei as taxas nacionais pelo tamanho do PIB, embora a média simples dessas taxas não pareça divergir significativamente da média ponderada calculada.
Encontrei os seguintes resultados: 1) a partir do ponto inicial, em 1963, ocorreu uma queda significativa da taxa de lucro mundial; nos últimos cinquenta anos, essa taxa nunca mais recuperou o nível alcançado em 1963. A taxa de lucro alcançou um ponto inferior em 1975 e, desde então, cresceu alcançando um pico em meados dos anos 1990. Deste momento em diante, a taxa de lucro mundial permaneceu estável ou decaiu levemente, não alcançado mais o pico de 1990. Isto sugere que o boom do final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 não se baseou em um aumento da lucratividade como muitos argumentaram; diferentemente, ele foi dependente de uma expansão muito expressiva do crédito e do crescimento do capital fictício. Os dados assim analisados parecem confirmar resultados anteriores, baseados no cálculo da taxa de lucro norteamericana, segundo os quais o capitalismo mundial se encontra numa fase de baixa lucratividade.
Outro resultado interessante aparece quando se observa a divergência entre a taxa de lucro do G7 e a taxa de lucro mundial, a partir do começo dos anos 1990. Ele mostra que os países fora do G7 tiveram um papel crescente na sustentação da taxa de lucro. As economias do G7 vieram sofrendo uma crise de lucratividade provavelmente desde o final dos anos 1980 e certamente desde meados dos anos 1990. Os dados vão somente até 2008, de tal modo que não foi possível levar em conta os efeitos perversos na lucratividade da Grande Recessão. As taxas de lucros dos países do G7, assim como do mundo como um todo, caíram provavelmente aos níveis de meados dos anos 1980.
Fatores contrariantes no período neoliberal em escala mundial
Quais são as implicações desses resultados? O comportamento da taxa de lucro mundial mostra o que muitos analistas já haviam concluído olhando somente as taxas nacionais e, em particular, observando aquela referente aos Estados Unidos. A taxa de lucro subiu durante o que vem sendo chamado de “período neoliberal”.
A lei da tendência declinante da taxa de lucro contempla uma série de fatores contrariantes que podem dominar a “lei enquanto tal”, criando assim as condições para o crescimento da taxa de lucratividade, pelo menos durante certos períodos. Marx afirmou que o crescimento da taxa de lucro ocorreria com grande probabilidade quando “sobreviesse um aumento da taxa de exploração em conjunção com uma redução significativa do valor dos elementos do capital constante e do capital fixo em particular”.
Tais foram, precisamente, as condições da acumulação a partir de 1982. As duas profundas quedas de 1974-75 e 1980-02 reduziram suficientemente o valor do capital constante. Ao mesmo tempo, elas elevaram as taxas de desemprego, enfraquecendo a capacidade do movimento dos trabalhadores de proteger os salários (ou seja, aquilo que aparece como custo do ponto de vista do capital variável). A produtividade do trabalho cresceu conforme as novas técnicas (algumas das quais eram bem sofisticadas) iam sendo introduzidas em muitos setores da economia, sem que se permitisse o crescimento dos salários. A parcela salarial na economia norte-americana declinou. A taxa de exploração subiu. Ao mesmo tempo, o capital constante caiu em valor relativamente ao capital variável.
Como Marx argumentou: “na prática, porém, a taxa de lucro deverá cair no longo prazo”. Os fatores contrariantes não podem durar para sempre e, eventualmente, a lei da lucratividade começa a exercer a sua pressão baixista nos lucros. A taxa de lucro alcançou um pico em 1997 com a exaustão dos ganhos das novas tecnologias introduzidas nos setores produtivos. O capitalismo norte-americano somente prosperou a partir de então por meio do crescimento dos lucros no setor financeiro, ou seja, mediante uma grande expansão do “capital fictício” sem a devida contrapartida de acumulação de valor nesses setores produtivos. O colapso do mercado de residências a partir de 2006 expôs a natureza imaginária dos lucros financeiros, o que gerou o colapso possível do setor bancário que depende deles.
Logo, a lei da lucratividade de Marx mostrou-se válida: os fatores contrariantes do aumento da taxa de exploração e do barateamento do valor do capital constante conseguiram superar a “lei enquanto tal”, mas somente durante certo tempo. Os desenvolvimentos tecnológicos sofisticados em combinação com os aumentos da taxa de exploração nas economias do G7 foram corroborados pela superexploração nas economias chamadas de emergentes [2]. Porém, nos anos 1990, tal como mostram os dados acima, parece que o impacto desses fatores contrariantes enfraqueceu-se nas economias do G7. Este não foi o caso, porém, da economia mundial como um todo.
Os dados parecem mostrar que a globalização foi muito importante como força que veio permitir aos fatores contrariantes atuarem nos anos 1990. As conexões entre a globalização e a taxa de lucro podem assumir muitas formas. A primeira delas diz que as economias capitalistas nacionais podem obter uma taxa de lucro maior nos investimentos feitos no exterior, como forma de compensar a queda da taxa de lucro doméstica. Andrew Kliman argumentou que este fator não se mostrou significante no movimento da taxa de lucro nos Estados Unidos. Outros analistas, entretanto, como Callinicos e Choonara, chegaram a uma conclusão diferente. Ora, essa divergência pode explicar porque o investimento norte-americano como parcela do excedente corporativo disponível estacionou durante a última década, diferentemente do que ocorreu fora dos Estados Unidos.
Porém, de modo mais importante, a globalização proporcionou um grande crescimento dos fluxos de comércio e de capitais. Ora, como isto se mostrou muito importante nos anos 1990, vem explicar a divergência anteriormente mencionada nas taxas de lucro do G7 e do mundo como um todo.
O capitalismo se tornou verdadeiramente global no final do século XX, num período que é bem similar, mas muito mais intenso, em relação aquele do final do século XIX. Isto ocorreu por causa do enorme aumento dos investimentos capitalistas nos assim chamados países de economia capitalista emergente. Esse processo incorporou ao modo de produção capitalista, pela primeira vez, uma enorme oferta de mão-de-obra camponesa e não assalariada. Esse contingente, ademais, pode ser contratado a salários que não cobriam o valor da força de trabalho, isto é, num regime de superexploração.
Além disso, a população cresceu mais rapidamente nas economias emergentes do que nas economias de capitalismo maduro. Ao mesmo tempo, essa força de trabalho mundial tornou-se superexplorada[3]. Sabe-se também que o exercito industrial de reserva, o qual é formado por desempregados, subempregados e inativos, é cerca de 80 por cento maior do que o contingente de trabalhadores ativos.
Como há ainda uma fonte significativa de oferta de força de trabalho para ser empregada e superexplorada no modo de produção agora plenamente dominante, isto sugere que o capitalismo ainda não chegou aos seus limites absolutos. A força de trabalho chinesa ainda está crescendo embora vá atingir o seu pico no fim desta década. A força de trabalho indiana ainda pode crescer muito. Há ainda, ademais, áreas do mundo que não foram totalmente exploradas pelo capital.
O estudo de Dave Zachariah sobre a taxa de lucro em diversas economias nacionais confirmou a lei da lucratividade de Marx, a saber, que a taxa de lucro se move em linha com a composição orgânica do capital e a taxa de exploração da força de trabalho. Zachariah argumentou que “os fatores demográficos iriam provavelmente fazer com que o crescimento da força de trabalho declinasse ou mesmo se tornasse negativo. O reinvestimento dos lucros, que é a fonte de dinamismo do capitalismo, não poderia então se manter em níveis elevados”. Este é um tema para pesquisa futura.
O que a minha pesquisa indicou é que os fatores contrariantes por enquanto não foram suficientes para elevar a taxa de lucro. Isto sugere que uma destruição de capital adicional se faz necessária para aumentar a lucratividade, o que requererá a continuidade da crise capitalista global. Somente então quando isto vier a ocorrer, o valor potencial remanescente de força de trabalho global poderia ser utilizado para restaurar a saúde do capitalismo mundial.
Referências
Callinicos, Alex – Imperialism and the global economy. Londres: Polity Press, 2009.
Carchedi, Guglielmo – Behind the crisis – Marx’s dialectics of value and knowledge. Londres: Brill, 2011.
Choonara, Joseph – Unraveling capitalism – A guide to Marxist Political Economy. Londres: Turnaround, 2009.
Kliman, Andrew – The failure of capitalist production – Underlines causes of great recession. Londres: Pluto Press, 2012.
Minqi Li, Feng Xiao, Andong Zhu – Long waves, institutional changes and historical trends: a study of the long-term movement of the profit rate in the capitalist world economy. In: Journal of World System Research, nº 1, 2007.
Roberts, Michael – The great recession – Profit cycles, economic crisis – a Marxist view. USA: Michael Roberts, 2009.
Smith, John – Imperialism and the law of value. In: Global Discourse, 2, nr 1, 2011.
Zachariah, Dave – Determinants of the average profit rate and the trajectory of capitalist economies. In: Bulletin of Political Economy, Vol. 3 (1), 2009.
Notas:
* Tradução publicada originalmente na página de Eleutério Prado: https://eleuterioprado.wordpress.com/
[1] Em meu livro, The great recession, argumentei que uma taxa de lucro mundial teria pouco sentido, dada a existência das barreiras nacionais. Porém, a profunda extensão do processo de globalização nos últimos 25 anos, fez-me revisar aquela opinião.
[2] A crescente desigualdade e do crescimento da taxa de exploração nas economias do G7, depois de 1982, é uma evidência bem conhecida.
[3] A superexploração tem dois significados: 1) a força de trabalho recebe menos do que o seu custo de reprodução; 2) prevalece troca desigual de valor trabalho entre as economias capitalistas emergentes e as economias imperialistas (Ver Smith, 2011).
Tradução* e introdução de Eleutério F. S. Prado