O primeiro ministro turco, Recep Tayyip Ergodan, visitou, recentemente, a Rússia com o objetivo de retomar as relações. Há grandes projetos econômicos envolvidos. O principal problema se relaciona com a guerra civil na Síria.
Para o eixo que envolve a Rússia, o Irã, o governo sírio de al-Assad e a China, nos bastidores, trata-se de uma oportunidade muito importante para debilitar os “rebeldes” apoiados pela reação encabeçada pelos sauditas, os sionistas israelenses, o imperialismo, o Catar e os Emirados Árabes Unidos, principalmente.
A Turquia tem a possibilidade de bloquear o grosso da ajuda aos “rebeldes” sírios, mas em contrapartida precisa do bloqueio da ajuda aos curdos pela Rússia e os próprios Estados Unidos. As relações com o Irã também estão no eixo do desenvolvimento da situação política. Desde o levantamento das sanções contra o regime dos aiatolás, o comércio entre os dois países tem aumentado em 30%. Tanto a Turquia, a Rússia e o Irã buscam desesperadamente uma saída negociada para a crise na Síria. Nos bastidores, evolui o “Novo Caminho da Seda” chinês que evolui
As contraditórias relações da Turquia no Oriente Médio
A Turquia, apesar de ser um membro da OTAN, tem mantido uma relação ambivalente com os Estados Unidos e a Europa. A Rússia tem buscado influenciar essas relações desenvolvendo as relações comerciais energéticas, que representam o principal componente da política econômica turca após a crise da indústria têxtil que estourou a partir de 2008. O gasoduto SouthStream foi desviado, no Mar Negro, da Bulgária para a Turquia. O objetivo é driblar as regulamentações da União Europeia relacionadas com o monopólio da Gazprom, o gigante do gás russo, no fornecimento de gás.
A saída da Frota russa do Mar Negro depende do Estreito de Bósforo, que é controlado pela Turquia.
As relações entre a Rússia e a Turquia começaram a entrar em rota de colisão com a escalada da intervenção russa na Síria. A Turquia depende do controle da região para viabilizar a própria política. O lucrativo e disputado fornecimento de gás à Europa, com a perspectiva da Turquia se converter num nó (hub) depende dessa política. Está em jogo não somente o transporte do gás russo, mas também do gás do Catar, Irã, Azerbaijão, Turcomenistão e até do Líbano e Israel.
A Rússia também tem pretensões de potência regional e depende do sucesso da intervenção na Síria para aumentar o mercado de armas no Oriente Médio e no mundo, reduzir as sanções relacionadas à Ucrânia, e disputar o mercado de fornecimento de gás e de energia nuclear na região. Além disso, há a questão dos grupos guerrilheiros financiados pelas monarquias do Oriente Médio que podem começar a atuar no Cáucaso, nas repúblicas da Ásia Central e no sul da Rússia (Tchetchênia e Daguestão).
O governo turco, encabeçado pelo primeiro ministro Erdogan, tem impulsionado os próprios “rebeldes” com o objetivo de conter o avanço dos curdos e de aumentar a própria influência na região. O Estado Islâmico tem sido um dos principais favorecidos por meio da facilitação de rotas logísticas e para a comercialização do petróleo que eles controlam. A mesma política tem sido aplicada pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, e, em alguma medida, pelo Catar e o imperialismo.
A Rússia é responsável por 10% das importações turcas. As exportações turcas representam 4% das importações russas. A Rússia fornece 55% do gás que os turcos consomem, que representa 13% das exportações de gás russo. Os gasodutos estão próximo ao limite de uso (Blue Stream e Gas-West) e por eles também trafega o gás que tem como destino a Ucrânia, a România e a Bulgária. Os 45% restantes são fornecidos pelo Irã e o Azerbaijão e por gás natural liquidefeito.
A Turquia é um país membro da OTAN e com relações próximas com a Arábia Saudita. Mas o governo Erdogan tem aplicado várias políticas de cunho nacionalista o que tem gerado contradições com o imperialismo, que tem tentado derruba-lo impulsionado a extrema direita. A Rússia tem tentado explorar essas contradições. Vários acordos comerciais tem sido assinados após das sanções aplicadas em relação à crise da Ucrânia. Mas também as contradições são seculares.
A Turquia foi contrária à invasão da Geórgia, em 2008, pela Rússia, mas não tomou nenhuma ação. As relações também são tensas em relação a todos os países onde há minorias ou maiorias turcomenas, que a Turquia considera sob sua zona de influência.
A aproximação da Rússia com o Azerbaijão, por meio da redução do conflito em Nagorno-Karabakh, com o a Armênia, é um dos pontos de conflito. A Rússia tenta desestimular o gasoduto BTC (Baku, Tbilisi, Ceylan) que beneficiaria a Turquia, já que a partir do porto turco de Ceylan o gás seguiria para a Europa pagando pelos direitos de transporte.
A Turquia tenta conter a Rússia na Síria, onde tem atuado por meio de grupos “rebeldes”, inclusive o Estado Islâmico. Com esse objetivo busca utilizar a ameaça da OTAN. Mas a disposição do governo turco de submeter-se à política da OTAN, de maneira mais aberta, tem diminuído após o golpe militar fracassado.
A União Europeia desviou para o governo de Erdogan, há quatro meses, três bilhões de euros que supostamente teriam como destino evitar que os refugiados do Oriente Médio chegassem à Europa. Obviamente, esse dinheiro tiveram um papel importante nas eleições de novembro. O quanto os Estados Unidos estão dispostos a injetar na Turquia? E a Rússia, quanto representa? E quais os riscos?
É a política do “salve-se quem puder” em ação, cada vez mais intensa, conforme a crise capitalista se aprofunda.
O governo turco contra o estado Curdo
O estouro dos protestos de massas na Síria foram impulsionados pelo contágio das revoluções árabes. O elo mais fraco do capitalismo se quebrou sobre a base do colapso econômico de 2008. As mobilizações de massas foram rapidamente infiltradas por grupos muçulmanos, que tinham vários graus de aproximação com o imperialismo, que buscavam derrubar o governo de al-Assad um aliado de primeira ordem da Rússia no Oriente Médio.
No mês de julho de 2012, al-Assad fechou um acordo com os curdos sírios e retirou as tropas do nordeste do país com o objetivo de concentra-las na defesa das principais cidades e na contenção dos ataques do então Estado Islâmico do Iraque que avançava a partir da província iraquiana de Anbar.
Os curdos se organizaram rapidamente e estabeleceram uma região autônoma, autoproclamada como “Rojava”, dirigida por uma frente política denominada PYD (Partido da União Democrática), que tinha sido fundada em 2004, quando estouraram revoltas na cidade síria de Qamishli, de maioria curda. O braço armado do PYD, o YPG (Unidades Populares de Defesa) não somente tem sido capaz de proteger o território curdo na Síria, mas, também, o expandiu.
O governo turco busca bloquear a expansão dos curdos na Síria com o objetivo de evitar o fortalecimento dos curdos na Turquia. Para isso, o exército turco buscou se envolver ativamente na guerra, o que obviamente ameaçava arrastar o país à guerra.
O grosso desses territórios se encontra localizados na Alta Mesopotâmia, na chamada “Jazira”. Se trata de uma planície, muito fértil e favorável para a agricultura, onde também há petróleo. A área é muito difícil de ser defendida ao mesmo tempo que tende a ser palco de conflitos sangrentos, uma nova onda de “siriação”, dentro da já ultra caótica Síria.
O governo turco declarou que tem como objetivo estabelecer uma zona de “buffer” na fronteira com a Síria, que deveria ser controlada pelo exército, com a participação dos norte-americanos e os “próprios” guerrilheiros. Essa política pode levar a uma guerra total contra os curdos sírios e até a liquidar com o controle da região pelo YPD, conforme outros grupos guerrilheiros sunitas se envolvessem, de olho nas riquezas naturais. Uma parte dos guerrilheiros do YPG poderiam começar a atuar na própria Turquia, onde existe a proteção natural das montanhas e o PKK.
A política do governo turco é impulsionada pelo aprofundamento da crise, que ficou evidente nas recentes eleições. É uma política claramente de crise que ameaça levar a “siriação”, ou “libiação”, ou “somalização” em direção à Turquia, abrindo caminho para o Cáucaso e o sul da Rússia.
O fortalecimento dos curdos na Turquia e na Síria, tanto nos aspectos militar e político, fortalece as movimentações para a formação de um estado Curdo. Os curdos turcos habitam majoritariamente na Província da Anatólia Oriental que é o centro do nó (hub) por onde passarão os gasodutos que transportam gás do Azerbaijão e do Irã para a Europa. Perante a crise da tradicional indústria têxtil, a Turquia busca se transformar num fornecedor intermediário de energia, onde essa província desempenha um papel central.
A política da Turquia é contraditória, da mesma maneira que acontece em todo o Oriente Médio e em escala mundial, conforme a crise capitalista se aprofunda. O governo turco mantém relações com o Curdistão Iraquiano, cujo governo é muito próximo ao imperialismo norte-americano. Ao mesmo tempo que se posiciona como inimigo aberto de al-Assad, tenta conter o fortalecimento do Curdistão Sírio, cuja principal força, o PYD (as forças de autodefesa) mantém relações próximas com o PKK. Com o Irã, além das contradições na disputa pelo papel de potência regional, compartilha a oposição à criação de um estado Curdo. Com a Arábia Saudita, a outra grande potência regional, apoia os mesmos grupos guerrilheiros, a maior parte deles ligados a al-Qaeda e, durante um certo período, o próprio Estado Islâmico. Mas, ao mesmo tempo, a Arábia Saudita tenta conter o papel da Turquia na região.
A crise no Oriente Médio tem transformado a região na ponta do iceberg das contradições regionais em escala mundial. A Síria representa um dos grandes centros do contágio da crise que avança a passos largos na direção do coração da região, a Arábia Saudita.