Digo do “véu” porque as atletas procedentes dos países de Oriente Próximo, sem exibirem a sua crença religiosa, levam participando nas competiçons desportivas internacionais desde o princípio do século passado. A denominaçom “países mussulmanos” como etiqueta política para referir essa regiom do planeta (a única assinalada por sua “fé”) nasce no fim de 1970, quando, graças à Guerra Fria, a extrema direita islámica avançava nas fronteiras da URSS, e no avanço impunha o véu às mulheres -mussulmanas ou nom-, declarando o seu novo status: o de subgénero. O uso desta etiqueta que aumenta o peso da religiom na vida pública só consolida o poder das elites que a instrumentalizam -como o ópio do povo-. Antes desta data, é difícil (impossível?) encontrar imagens de desportistas “mussulmanas” com o véu. Por exemplo, as quatro atletas iranianas -três “mussulmanas” e umha arménia-, que estivérom em Tóquio (1964) e competírom em ginástica rítmica, salto em altura e arremesso de disco, levavam o fato regulamentar, sem que o mundo “mussulmano” afundisse pola exibiçom das suas curvas.
As normas estabelecidas sobre o atuendo dos esportistas nos grandes eventos -que estám dirigidos principalmente ao público masculino-, mudárom graças à luita do movimento feminista contra os estritos códigos de vestimenta desenhados para as atletas. Sabiam que nengumha desportista de EUA pudo assistir aos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912) porque o seu governo nom lhes permitiu competirem sem saias longas. Nos torneios de 1870 nos EUA, as nadadoras tivérom que levar calças, saias e blusas com mangas compridas. Imaginem o peso que tinham que arrastar e as manobras que deviam realizar para nom afogarem!
Neste mesmo país, a esgrimista norte-americana Ibtihaj Muhammad ganhou, com a cabeça coberta, o título de “desportista mussulmana de 2012-. É outra curiosa modalidade de dividir os cidadaos, além de pola sua cor de pele, pola sua classe social. Noutra terra, Irám, as promotoras do “feminismo religioso” organizárom entre os anos 1993 e 2005 Os Jogos de Mulheres mussulmanas, com a participaçom de 24 países, nos estádios e sem assistência masculina. Foi um fracasso, obviamente.
Sem dúvida, há um nexo direto entre a vestimenta da mulher, os seus direitos como cidadá e a sua relaçom com o poder, como bem descreve a expressom espanhola de “Quem leva as calças em tua casa” Ignorar esta realidade só atrasa as reformas imprescindíveis ao respeito.
Dados para refletir
Os primeiros países a enviarem mulheres às Olimpíadas fôrom França e Suíça. Foi em 1900. Os últimos, Arábia Saudita, Qatar, em 2012, e isso sob a ameaça do COI de os excluir das competiçons se nom o faziam.
Dos 10.500 atletas assistentes nos jogos do Rio, 4.800 eram mulheres, todo um recorde histórico, número que nom reflete a desigualdade na sua distribuiçom entre os países representados. 14 delas destacárom polo seu véu, ao mesmo tempo em que poucos analistas questionárom a responsabilidade dos governos da meia centena de “países mussulmanos”, nesta profunda fenda de género no desporto. As cámaras procuravam o apelativo atuendo: o cabelo solto de Marwa Amri, a primeira mulher tunesina a ganhar umha medalha de bronze, em luita livre, nom vendia.
EUA foi o país, nom só com maior número de mulheres atletas, como também com mais mulheres na sua equipa que homens: 292 dos 555, e com muitas afros em suas fileiras, embora às ordens de poderes branco-masculinos.
A China levava 289 mulheres ao Rio e as suas mulheres (desconhecemos o seu credo) levárom muitíssimas medalhas. Entretanto, a Índia, o país com que poderia ser comparado, só ganhava dous prémios, e isso graças às suas mulheres Sakshi Malik, bronze em luta livre, Last Sunday, Dipa Karmakar e Sindhu, prata em bádminton.
120 países regressárom a casa sem uma só medalha, entre eles Áustria e Marrocos. Este país obtivo um ouro nos jogos de Los Angeles 1984, polo mérito de Nawal El Moutawakel, a primeira marroquina (desconhece-se sua religiom, já que é um assunto privado, como deve ser) e também a primeira africana a ganhar um ouro.
A Síria, em guerra, nom participou. A lembrança de Ghada Shouaa, a campeá do mundo em heptatlo em Gotemburgo, 1995, continua viva.
Que as atletas cobrissem a sua cabeça “mas participem” nom resolve o problema da profunda e grave discriminaçom que as desportistas sofrem como género. Inclusive com umha medalha pendurada ao pescoço, elas carecerám de qualquer direito sobre o seu corpo ou sobre o filho que trazem ao mundo, sendo objeto de leis redigidas há milhares de anos. A Arábia Saudita enviou duas mulheres em 2012 a Londres só para silenciar as críticas internacionais. Desde entom nom tivo qualquer mudança na sua política para o desporto feminino.
Barreiras ao desenvolvimento do desporto feminino
Sentenças religiosas, como: “O movimento do corpo da mulher provoca o homem”, e portanto peca ela e o fai pecar a ele.
Considerar que o desporto é umha atividade indecorosa para a mulher, igual que o baile.
Que o lugar da mulher está na casa, e nom a se exibir, lá fora, diante de estranhos.
A indiferença das autoridades para a saúde física, e portanto, a saúde mental das cidadás.
O alto preço dos clubes para as classes trabalhadoras.
A falta de instalaçons adaptadas a elas. Na Arábia Saudita nom há nengum espaço esportivo para as mulheres, nem um dos 150 clubes esportivos as deixa entrar, obrigando-as a mexerem o seu corpo em andares ocultos de forma subterránea. Nos colégios, as crianças nom realizam educaçom física. A inatividade da mulher neste país provocou um grave problema de sobrepeso na populaçom feminina.
Se o ingente dinheiro e tempo que esses países dedicam ao debate sobre o véu da mulher se tivesse investido na saúde, educaçom ou paz na regiom (cousas que nom dam lucro às elites dirigentes), o mundo seria outro.
Tanto o burquini como os diminutos bikinis das jogadoras de voleibol de praia som representaçons sexualizadas das desportistas. Umhas e outras, submetidas às mesmas normas sociais sexistas, som retradadas nos meios por motivos alheios a sua habilidade, técnica ou lucros, e sem nengum respeito para sua pessoa.
Porque é tam difícil de entender que as diferenças biológicas nom podem ser um pretexto para que o homem desfrute de um ilimitado número de prazeres mundanos dos quais elas som privadas, para “salvaguardar a honra da religiom e a família”? O véu é só um símbolo do estado de Apartheid da mulher como género.
A mulher nom poderá emancipar-se sem que a sua vestimenta se livre da missom moral atribuída polos patriarcas das tribos, os quais temiam perder o controlo sobre a mulher e com isso o poder. Há que devolver aos tecidos seu sentido original: proteger o corpo humano das inclemências do habitat.