Na nossa conjuntura política atual, com todo o rechaço à casta política, sabemos que milhões de trabalhadores e suas famílias votam, escolhem candidatos, ouvem as propostas eleitorais e que estaremos diante de um espaço visto por milhões e milhões de jovens Brasil afora. E, participando – mesmo com todas as restrições que os ricos impõem – várias questões se abrem. Uma delas: ao participarmos, em uma perspectiva proletária, como fazer diferente uma vez que nossa aposta não é a do parlamento dos ricos, mas sim a construção do proletariado como força política independente da patronal, dos seus políticos e do parlamento?
Lembrando que o projeto dos que mandam na economia e vivem do nosso trabalho é o de que as massas se submetam para todo o sempre ao voto [manipulado], à lei, à propriedade privada, à igreja, à tradição, enfim a tudo aqui aquilo que a Câmara dos Deputados jurou naquele dia do impeachment, quando puseram abaixo um governo eleito pelo voto [Dilma].
Tudo permanecendo como está, na base das regras em vigor, eles ficarão em paz como agentes da grande patronal e da banca. Por isso, aposentar os trabalhadores mais tarde e ganhando menos é apenas uma das novas violências contra a classe trabalhadora que está sendo armada dentro desse mesmo parlamento. Portanto, volta a questão: o que vai a classe trabalhadora fazer naquele “hospício” [como disse Renan, o Calheiros] se conquista um mandato?
É o que Lenin antecipa na sua argumentação; procurando situar a questão de como uma corrente política pode ser qualitativamente distinta daqueles políticos que vão ser eleitos por que são ricos, aliados dos ricos ou defendem interesses dos de cima ou mesmo da esquerda oportunista que acredita em eleições como saída possível [o chamado possibilismo]? Vejamos aqui em que perspectiva Lenin, dirigente, lado a lado com Trotski, da primeira revolução proletária do século XX] coloca a questão (voltaremos ao tema em outras notas):
“A social-democracia [assim se chamava a esquerda revolucionária naquele momento, NT] considera o parlamentarismo [a participação nas assembleias representativas] como um dos meios para ensinar, educar e organizar o proletariado em um partido de classe independente; como um dos métodos de luta política pela libertação da classe operária. Esta posição marxista diferencia fundamentalmente a social-democracia da democracia burguesa por um lado e do anarquismo pelo outro. Os liberais e radicais burgueses veem no parlamentarismo o método “natural”, o único método normal e legitimo para manejar os assuntos do Estado em geral, negam a luta de classes e o caráter de classe do moderno parlamentarismo.
A burguesia, com todas suas forças e por todos os meios possíveis, aproveita quantas ocasiões apareçam para colocar uma venda sobre os olhos dos operários, a fim que de que não vejam que o parlamentarismo é um instrumento da opressão burguesa, a fim de que não compreendam a importância historicamente limitada do parlamentarismo. Os anarquistas, por sua vez, também não acertam na sua avaliação da importância histórica do parlamento ao rechaçarem por inteiro este método de luta.
Por isso os social-democratas russos combatem com toda firmeza tanto o anarquismo como a tendência da burguesia a deter a revolução o quanto antes por meio de um arranjo com o velho regime sobre a base do parlamentarismo. Os social-democratas subordinam toda sua atividade parlamentar, de forma absoluta e total, aos interesses gerais do movimento operário e às tarefas especiais do proletariado na atual revolução democrático-burguesa.
Daqui se desprende, antes de mais nada, que a participação dos social-democratas na campanha eleitoral para a Duma [Parlamento] é de um caráter completamente diferente em relação ao dos demais partidos. Diferentemente deles, nós não consideramos esta campanha eleitoral como um fim em si mesma, e sequer lhe atribuímos uma importância primordial.
Diferentemente deles, subordinamos esta campanha aos interesses da luta de classes. Diferentemente deles a palavra de ordem que lançamos não é a do parlamentarismo como meio para proceder a reformas parlamentares, mas sim a luta revolucionária pela Assembleia Constituinte”.
Observem que Lenin chama a atenção para o fato de que os liberais fazem doutrinação permanente de que o parlamento é a saída, que “nós sempre temos a saída pelo voto”, trocando de casta política por casta política a cada quatro anos. É como se dissessem o tempo todo: quem acha ruim a política como ela é, que vote em outro político. Portanto, a culpa das mazelas nacionais fica com o eleitor. Ou seja, fazem ideologia 24 horas para que a classe trabalhadora não perceba o verdadeiro papel, nefasto, das assembleias de deputados, vereadores e do Senado, instituição que lutamos para abolir.
Trabalham o tempo todo para que os trabalhadores aprendam a confiar nos políticos da ordem, na “casa do povo”, nos ninhos de privilégios e falcatruas onde se encastela a casta política depois que é votada. Jamais aceitam que se debata que o político ganhe o salário de um professor, que seus mandatos sejam revogáveis a qualquer momento, e que isso tenha que valer para políticos e juízes. Querem que as massas sempre se submetam à “Constituição” elaborada pela democracia dos ricos, se submeta aos acordos nas alturas e aos golpes como esse agora, do Temer, articulado entre políticos burgueses, juízes e a grande mídia.
Lutemos contra. A classe trabalhadora deve ir ao parlamento para desde ali apoiar, divulgar suas lutas, se lançar no ombro a ombro com as lutas sociais, para usar aquele espaço de grande visibilidade midiática e que recebe votos das grandes parcelas de trabalhadores [que se iludem com o parlamento], para reforçar a luta por outra sociedade não-capitalista, democrático-operária, e não para se encastelar e usar a política para enriquecer.
Eis porque Lenin é atual e eis porque o conservadorismo acadêmico não o acolhe: ele implode a ideia de eleições como método para outra coisa que não seja enganar as maiorias e perpetuar o poder de classe dos ricos... e, dialeticamente, nem por isso deixa de entrar naquele espaço inimigo para ampliar o alcance da política revolucionária dos trabalhadores, desenvolvendo sua independência.
Referência
Lenin, Obras completas, Tomo XI, Akal, Madrid, 1976