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Diário Liberdade
Terça, 25 Outubro 2016 18:00 Última modificação em Terça, 25 Outubro 2016 18:25

Ataques sauditas destroem escassos recursos agrícolas do Iémen

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País: Iémen / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Esquerda

A guerra do Iémen junta de forma singular tragédia, hipocrisia e farsa. Primeiro, as vítimas: cerca de 10 mil, das quais 4 mil são civis. Em seguida vêm aqueles conselheiros anónimos britânicos e norte-americanos que parecem felizes em ir “ajudar” as matanças sauditas em funerais, mercados e outros alvos militares óbvios (para britânicos).

 

Depois vêm as despesas sauditas: mais de 250 milhões de dólares por mês, de acordo com o Standard Chartered Bank – e isto para um país que não consegue pagar as suas dívidas às empresas de construção. Mas agora vem a parte de humor negro: os sauditas incluíram nos seus alvos de bombardeamentos vacas, quintas e sorgo – que pode ser usado para fazer pão ou para forragem animal – bem como muitas instalações agrícolas.

Na verdade, começam a surgir provas substanciais de que os sauditas e seus aliados da “coligação” – e, suponho, esses horrendos “conselheiros” britânicos – estão a escolher deliberadamente o pequeno setor agrícola do Iémen numa incursão que, se bem sucedida, conduziria a nação iemenita do pós-guerra não apenas à fome mas à total dependência de importação de alimentos para sobreviver. Muitos destes produtos viriam sem dúvida dos estados do Golfo que hoje estão a despedaçar à bomba este pobre país.

O facto de que o Iémen integra há muito tempo a guerra por procuração da Arábia Saudita contra os xiitas e o Irão em particular – que foi acusado, sem provas, de fornecer armas aos xiitas huti no Iémen – é agora aceite docilmente como integrando a atual “narrativa” sectária do Médio Oriente (como a dos “bons rebeldes” do leste de Aleppo e os “maus” rebeldes em Mossul). Tal como, infelizmente, os escandalosos bombardeamentos de civis. Mas os alvos na agricultura são algo totalmente diferente.

Os académicos têm acumulado dados do Iémen com fortes indícios de que a campanha dos sauditas no Iémen inclui um programa de destruição do modo de vida rural.

Martha Mundy, professora emérita da London School of Economics, a trabalhar no Líbano com a sua colega Cynthia Gharios, tem investigado as estatísticas do ministério da agricultura iemenita e diz que os dados “começam a mostrar que nalgumas regiões, os sauditas estão a atacar deliberadamente a infraestrutura agrícola, de forma a destruir a sociedade civil”:

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Mundy sublinha que uma estimativa conservadora do ministério da agricultura e irrigação na capital iemenita Sana, recolhido junto de responsáveis em todo o país, aponta 357 bombardeamentos nas 20 províncias do país, incluindo quintas, animais, infraestrutura de água, lojas alimentares, bancos agrícolas, mercados e camiões com alimentos.

Isto inclui a destruição de quintas em Yasnim, no distrito de Baqim na província de Saadah e em Marran. Mundy comparou estes ataques com dados do Yemen Data Project, publicado há algumas semanas. a sua conclusão é a mais infeliz.

“De acordo com a FAO, 2.8% da terra do Iémen está cultivada”, diz Mundy. “Para atingir essa pequena parcela de terreno agrícola, tem de atacá-la”. A Arábia Saudita já foi acusada de crimes de guerra, mas atacar campos agrícolas e produtos alimentares do Iémen de forma tão grosseira só acrescenta mais uma sinistra promessa quebrada pelos sauditas.

O reino subscreveu o protocolo adicional às Convenções de Geneva de agosto de 1949 que afirma expressamente que “é proibido atacar, destruir, retirar ou tornar inúteis os  meios indispensáveis à sobrevivência da população civil, como alimentos, áreas agrícolas para a produção de alimentos, colheitas, gado… com o objetivo específico de os privar do seu valor para a subsistência da população civil… seja qual for a razão…”

Numa conferência em Beirute, Mundy apresentou as consequências dolorosas das anteriores políticas económicas no Iémen – o trigo americano barato dos anos 1970 e a chegada de comida de outros países desencorajaram os agricultores de manter a vida rural  – e o efeito da guerra da Arábia Saudita à sua terra. “Os exércitos e sobretudo as forças aéreas do “oil-dollar”, disse, vieram “destruir fisicamente aqueles produtos do trabalho iemenita com a terra e animais que sobreviveu à anterior devastação económica”.

Há imensas fotografias de quintas destruídas, instalações e animais mortos em campos cobertos por munições – impedindo assim os agricultores de regressarem por muitos meses ou anos. As explorações apícolas e avícolas foram destruídas.

Ainda hoje, mais de metade da população do Iémen depende em parte – ou totalmente – da agricultura e pecuária. A investigação de Mundy através dos ficheiros de outros ministérios indica que os edifícios dos gabinetes de apoio técnico à agricultura também foram atacados. A importante Autoridade para o Desenvolvimento de Thiama, na planície costeira do Mar Vermelho, criada nos anos 1970 – que aloja, como lembra Mundy, “a memória viva de anos de intervenções de ‘desenvolvimento’” – é responsável por uma série de estruturas de irrigação.  Foi fortemente bombardeada duas vezes.

Mas parece que uma guerra – ou duas – no Médio Oriente é o máximo que o mundo pode aguentar. Ou que os media estão preparados para mostrar. Aleppo e Mosul chegam bem. O Iémen é demais. E a Líbia. E a “Palestina”…


Artigo de Robert Fisk, publicado no diário britânico Independent. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net

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