Na manhã dessa 4ª-feira de ressaca globalizada, Lady Gaga recomendou que os norte-americanos rezem.
Ninguém riu. Talvez Kim Kardashian anuncie que se recolhe aposentada a um monastério, amparada pela irrestrita solidariedade das/dos feministas à moda La Clinton. E elas não se fizeram esperar : Eva Longoria, America Ferrera, Beyoncé, Christina Aguilera, Katy Perry, Jamie Lee Curtis, Jennifer Lopez, Snoop Dogg, Bon Jovi et, bien sûr, Meryl Streep, Magic Johnson e muitos outros e muitas outras... O show-biz e Hollywood, os freaks e os chapados, e sem esquecer a mídia-empresa comercial, essa, praticamente na totalidade. E a família Obama, que correu o país, nos últimos dias, urrando sua fé inquebrantável na candidata dos Democratas, o que, desse lado francês do Atlântico, foi visto como incongruente. Ok. Essa gente já não tem qualquer importância.
Ridículo monumental. Desprezo e arrogância colossais, dessas elites e desses 'especialistas', os quais, de tal modo persuadidos de que sempre estarão 'naturalmente' do lado do bem, permanecem de olhos firmemente fechados, sem nada ver.
Verdade é que por aqui não deixamos de rir deles, e rimos insistentemente, já há meses. Claro que houve gente de bem, inteligentes, cultos, bem informados. Alguns bem que tentaram gritar "Lobo!" Mas praticamente ninguém lhes deu ouvidos.
[Na França] Dominique de Villepin, por exemplo, convidado do programa "28 minutes" (Arte) na 2ª-feira à noite, tentou meter um semitom nas caricaturas. Em vão. Por todos os lados, o mesmo concerto de lições de moral estupefacientes. Alain Minc disse em Échos: "Não se pode excluir a possibilidade de uma vitória de Donald Trump, apesar de suas chances mínimas." E, como se lesse na sua bola de cristal: "Mas será preciso que 40% dos norte-americanos votem nesse homem, quer dizer, a favor de uma América incrivelmente populista, incrivelmente isolacionista, extraordinariamente perigosa para o mundo exterior."
Sempre atento, apesar dos pesares, Sarkozy dizia na primavera passada: "Esse Sr. Trump, que é lastimável, tem sucesso porque não se peja de dizer todos e quaisquer absurdos." Quer dizer: sujeitinho inspirador. Mesmo assim, em setembro, Sarkozy fazia campanha a favor da Clinton.
Idem, na corte dos Republicanos franceses:
Juppé: "Quando ouço o Sr. Trump, quando vejo aquela ignorância quanto ao estado do mundo, quando vejo a opinião dele sobre a Europa e a França, convoco meus amigos norte-americanos a pensar bem sobre o que farão."
Bruno Lemaire : "Donald Trump é homem perigoso, que divide. Prefiro assistir à vitória de Hillary Clinton."
Laurent Wauquiez, mais prudente : " [Trump] é prova de que os cidadãos não querem mais saber de gente que lhes diga o que estão autorizados a pensar ou dizer."
Quanto a Mélenchon, que faz pose de bombeiro da esquerda, não faltou ao debate, com a delicadeza que lhe é habitual. No início de 2016, Mélenchon tuitava: "Trump é um idiota, disso não há dúvida." Ultimamente o apresentava como "esse cão selvagem fascista".
Em resumo, estavam todos de acordo: no pior dos casos, haveria onda de agitação e incômodos, como se viu na Inglaterra, nossa vizinha. Em seguida, tudo voltaria à boa velha ordem: camponeses nos campos, sem dentes nas barracas, desempregados nas estatísticas... Hillary bebericaria champanhe em Wall Street com seus amigos doadores, e tudo recomeçaria para não ir a lugar algum, como antes. E Hollywood já tirava o pó dos cenários daquela "campanha de ódio".
O presidente da França, que não falha nesses momentos, já havia, desde o mês passado, prognosticado que "Haverá eleições nos EUA. Uma presidenta será eleita." Satisfeito com a própria capacidade para antever o futuro oculto nas urnas, Hollande nem se deu ao trabalho de rascunhar duas cartas de felicitações. Na 3ª-feira à noite, só havia uma carta de felicitações pronta a ser despachada do Eliseu: endereçada a Hillary Clinton, claro.
Na mesma noite, um pouco mais tarde, Gérard Araud, embaixador da França em Washington, tuitava: "Um mundo naufraga diante de nossos olhos. Cataclismo." A mensagem foi apagada, tarde demais.
Sabe-se que nosso governo Hollande é campeão das retropedaladas. Mas nesse caso, vai precisar de muita perna...