Quando, o herdeiro do trono austro-húngaro Francisco Ferdinando foi assassinado por um extremista sérvio em Sarajevo, em 1914, demorou um mês para que o fato fosse retroativamente convertido em “o estopim oficial da Primeira Guerra Mundial”. Esse delay provavelmente se deu pela lentidão da circulação da informação naquele início de século.
Já hoje, ao contrário, tempos nos quais estamos imediatamente conectados e superinformados, o caso do embaixador russo, assistido praticamente ao vivo, aos olhos mais pessimistas, ou simplesmente realistas – difícil diferenciar estes dois atualmente -, desde já “será” o estopim do terceiro grande conflito.
A Terceira Guerra Mundial, entretanto, acontecendo imediatamente ao assassinato do embaixador russo, ou dentro de alguns meses ou anos por conta de qualquer outro fato com publicidade para tal, levanta desde já uma pergunta que cedo ou tarde nos acossará: como nós, a opinião pública mundial, conseguirá assistir, mesmo na segurança internética com que estamos acostumados, o horror dos horrores de um mundo destruindo a si mesmo?
Bem, por um lado, estamos assistindo à bela Aleppo e aos seus habitantes serem exterminados, e, convenhamos, afora milhões de visualizações e um punhado de hashtags engajadas, os shopping centers e as mesas de bar continuam cheios. Por outro lado, contudo, é difícil imaginar, por exemplo, que se o povo alemão e o restante do mundo tivessem acompanhado o extermínio judeu, pelo menos como nós atualmente acompanhamos os males mundo, aquele mal teria sido levado tão adiante.
Uma boa dose de alienação é fundamental para o mal. Como, então, o maior mal que a humanidade pode produzir, uma guerra mundial, poderá se dar se a internet praticamente furta a possibilidade de alienação mediante uma incessante enxurrada de notícias, fotos e vídeos que pop-up-pulam diante dos nossos olhos?
Lenin dizia que “os fatos são teimosos”. Mas acredito que o mal é mais teimoso ainda. Por isso, é bastante provável que, em vez de horrorizar-se insuportavelmente com uma guerra mundial ao alcance de um clique, a humanidade, ao contrário, expandirá a sua capacidade de suportar, de se habituar com o horror. Aleppo, novamente, é a mais candente prova dessa nossa vil e elástica capacidade.
Como diz o filósofo Slavoj Žižek, “atualmente, a única maneira de manter a cabeça fria é sendo absolutamente apocalíptico”. E para sermos habitués à l’apocalypse, nada melhor que a internet, cuja especialidade é apresentar o fim do mundo de modo suportável, ainda que ele se dê logo ali, atrás dos nossos vívidos displays digitais.
A internet é o portal excelente através do qual a hecatombe vira espetáculo. Somos o apogeu momentâneo da Sociedade do Espetáculo devidamente criticada por Guy Bebord pouco antes do Maio de 68 francês!
E a Terceira Guerra Mundial, quando ocorrer, será apenas mais um, embora o mair espetáculo escatológico até então. No entanto, de forma alguma será o último, e isso porque a lógica do fim do mundo, em um mundo cuja essência é a produção e o consumo incessantes, não pode levar a si mesma totalmente a sério. Infinitos fins de mundo são necessários para se sustentar o espetáculo!
A Terceira Guerra Mundial será youtubizada, sem dúvida, desde o seu making-of, até o seu gran finale. Esse filme, porém, depois de consumido viralmente, será sucedido e soterrado por outros, ainda mais espetaculares e armagedônicos, bem ao gosto da clientela. E isso porque as piores guerras, e até mesmo a humanidade, já são apenas capítulos de uma outra história, a história da própria internet.