Há palavras que estávamos melhor sem nunca as ter ouvido. Lomustina é uma delas. Não vos diz nada? Provavelmente é bom sinal. Grosso modo, só há no mundo três tipos de pessoas que sabem o que «lomustina» quer dizer: os doentes com tumores cerebrais, os trabalhadores que prescrevem, vendem e administram o medicamento aos doentes com tumores cerebrais e os empreendedores que, espertos, lêem «oportunidade de negócio» onde se lê «tumores cerebrais».
Desde a compra à Bristol-Myers Squib pela startup NextSource, em 2013, o preço da lomustina aumentou 1500 por cento, de 50 dólares por comprimido para os actuais 780 dólares por cápsula individual. Questionado pelo Wall Street Journal sobre a vertiginosa subida do preço de um medicamento que existe há mais de 40 anos, o CEO da Nextsource, Robert DiCrisci, deu esta resposta: «ajustamos o preço à utilidade do medicamento. [Este] nicho de mercado tem a vantagem de contar consumidores dispostos a reconhecer financeiramente essa utilidade». Traduzindo, no nicho de mercado dos tumores cerebrais é fácil extorquir 780 dólares por comprimido a alguém que dele precise para sobreviver. É isto o capitalismo no ano 2018.
Psicopatas da caridade
A NextSource é a fachada que comercializa a droga fabricada pela CordenPharma, o braço farmacêutico da International Chemical Investors, uma offshore campeã em evasão fiscal que, por sua vez, pertence a Achim Riemann, um especulador profissional que recentemente se juntou ao clube dos multimilionários que se comprometeram em doar metade de toda a fortuna à caridade. Também é isto o capitalismo em 2018.
Doações à parte, as desigualdades sociais no mundo atingiram o maior nível dos últimos cem anos. Só em 2017, os 500 milionários mais ricos aumentaram a sua fortuna em 23 por cento. Estas 500 pessoas, 0,7 por cento da população, detêm agora tanta riqueza como 46 por cento da humanidade. Inversamente, 70 por cento da população mundial controla apenas 2,7 por cento da riqueza global e, pelo segundo ano consecutivo, a fome no mundo voltou a aumentar, tendo alastrado em 2017 a mais 14 milhões de pessoas.
Insisto: estamos em 2018 e o capitalismo é isto e não aquilo que alguns gostariam que ele fosse. O caso da lomustina e tudo o que a rodeia não é excesso, nem erro nem excepção: é o capitalismo a funcionar.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2302, 11.01.2018