Os últimos anos da vida de Marx costumam ser vistos como um período em que ele já teria saciado a própria curiosidade intelectual e parado de trabalhar. O novo livro de Marcello Musto que a Boitempo lança agora no bicentenário do barbudo chega para desfazer de uma vez por todas essa lenda e abrir novos caminhos para impulsionar o pensamento crítico e a transformação social hoje! A partir do estudo de manuscritos que vieram a público recentemente e ainda não foram traduzidos do alemão nem publicados em livro, O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-1893) demonstra como Marx passa a se interessar por antropologia, pelas sociedades não ocidentais e pela crítica ao colonialismo europeu. Ele defende que por trás disso, não havia, como se tem dito, mera curiosidade intelectual, mas o propósito teórico-político de alargar e refinar a compreensão do capitalismo. Confira, abaixo, o que Michael Löwy tem a dizer sobre o livro.Marcello Musto vem ao Brasil para uma série de debates de lançamento da obra em três diferentes estados. Saiba mais ao final deste post!
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Karl Marx não era dos que se aposentam da revolução: continuou pensando, escrevendo, lutando, até seu último suspiro. Muitos pesquisadores – inclusive quem vos escreve – se interessaram pelo jovem Marx; outros preferiram estudar a grande obra “da maturidade”, O capital. Marcello Musto, no formidável livro O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos, é o primeiro a analisar com profundidade o “último Marx” (1881-1883), descobrindo as fascinantes pistas que abriu, em seus derradeiros anos, o grande adversário do capitalismo. Conhecido por seus excelentes trabalhos sobre a história da Primeira Internacional, Musto explora o novo material publicado pela MEGA (a nova edição das obras completas de Marx e Engels), assim como documentos e cadernos de notas ainda inéditos, para examinar estas pistas: a antropologia, nos famosos mas pouco estudados Cadernos etnográficos; as formas pré-capitalistas de propriedade comunal; o colonialismo; os desenvolvimentos econômicos e sociais em países não ocidentais, tais como a Rússia, a Argélia e a Índia.
O quadro que esses escritos – certo, inacabados e não sistemáticos – vão desenhando é de um Marx extraordinariamente “heterodoxo”, isto é, pouco conforme com o marxismo pseudo-ortodoxo que tanto estrago fez no curso do século XX. Um Marx que critica impiedosamente o economicismo, a ideologia do progresso linear, o evolucionismo, o fatalismo histórico, o determinismo mecânico. A morte interrompeu um extraordinário processo de reelaboração, de reformulação, de reinvenção do materialismo histórico e da teoria da revolução.
Um dos exemplos mais impressionantes da “heresia” do velho Mouro são seus últimos escritos sobre a Rússia, em particular a carta, com seus rascunhos, a Vera Zasulitch. Em 1881, essa jovem revolucionária russa havia consultado o autor de O capital sobre o futuro da tradicional comuna rural no país dela. Na resposta, Marx manifesta sua simpatia pelos integrantes do movimento Narodnaia Volia (A Vontade do Povo) e avança a hipótese de um caminho russo ao socialismo, que pudesse evitar a esse povo todos os horrores do capitalismo. Um caminho que se apoiaria nas tradições coletivistas “arcaicas” da comuna rural russa para desenvolver um processo revolucionário ao mesmo tempo antitsarista e anticapitalista – em associação com a revolução social nos países industrializados da Europa.
Este belo livro de Marcello Musto confirma, mais uma vez, que a obra de Marx é um arsenal inesgotável de armas não só para entender mas também, e sobretudo, para transformar a realidade. Na verdade, mais que uma “obra” acabada, é um imenso canteiro de obras, que segue aberto e em expansão…
Fonte: Blog da Boitempo