Não se trata apenas de alguém que perfilha todos os pontos de vista mais reaccionários sobre a sociedade. É um homem que no tribunal da relação de Washington DC, tendo-lhe passado pelas mãos centenas de conflitos laborais de todas as espécies e feitios, conseguiu a proeza de ter proferido cem por cento das sentenças a favor das entidades patronais. Os trabalhadores americanos têm mais um inimigo num dos mais altos lugares do Estado.
A nomeação, na passada segunda-feira, de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal dos EUA é a última arma de Trump para se assenhorear do sistema de justiça. Trump já nomeara, em 2017, Neil Gorsuch para o Supremo, tomando o lugar de Antonin Scalia, que falecera nesse ano, mas tratou-se então de substituir um magistrado conservador por outro mais conservador ainda.
Já a reforma do juiz Anthony Kennedy, próximo do Partido Democrata, ofereceu a Trump uma segunda nomeação num curtíssimo espaço de tempo e a possibilidade de garantir definitivamente o controlo político e ideológico do Supremo Tribunal. Falta apenas a confirmação do Senado, onde Trump depende de uma frágil e fraccionada maioria republicana para fazer valer a sua vontade.
Com mais de uma década de tribunal de segunda instância na bagagem e um currículo com passagens pela administração de Bush filho e pelos grandes casos contra a família Clinton, da destituição de Bill ao caso dos e-mails de Hillary, Kavanaugh é o nome de que Trump precisa. «Acredito que os presidentes devem ser dispensados de alguns dos fardos da cidadania comum enquanto estão em exercício. Não devemos sobrecarregar um presidente em exercício com processos civis, investigações criminais ou acusações criminais», escreveu Brett Kavanaugh num artigo dado à estampa em 2009 na publicação Minnesota Law Review. Com efeito, é conhecida a sua rejeição taxativa à possibilidade de se admitir uma queixa-crime contra o presidente, pedra-basilar da frenética estratégia democrata para destituir Trump.
O significado da nomeação de Kavanaugh, contudo, ultrapassa bastante a investigação de Robert Mueller à alegada «interferência russa» nas eleições de 2016. O vice-presidente Mike Pence, por exemplo, já fez saber que espera que o novo juiz do Supremo revogue rapidamente a famosa decisão «Roe contra Wade» de 1973 e, com ela, o direito à interrupção voluntária da gravidez a nível federal. Mas é nas sentenças proferidas por Kavanaugh no tribunal da relação de Washington DC que se baseiam as maiores expectativas do capital: em doze anos, passaram-lhe pelas mãos centenas de conflitos laborais de todas as espécies e feitios, mas Kavanaugh conseguiu a proeza de ter proferido cem por cento das sentenças a favor das entidades patronais.
Alguns casos saltam à vista: em 2014, dez talhantes de um hipermercado Walmart de Jacksonville, no Texas, decidiram sindicalizar-se para exigir melhores condições de trabalho. Em resposta, a Walmart mandou fechar todos os talhos, passando a vender carne pré-embalada em 180 hipermercados de todo o Estado e despedindo centenas de trabalhadores. Kavanaugh considerou que o patrão estava no direito de ripostar «à tentativa de sindicalização»; em 2015, os trabalhadores da Venetian Casino, em Las Vegas, organizaram um piquete de greve à porta da empresa. O patronato mandou a polícia expulsar violentamente os trabalhadores do seu próprio local de trabalho, decisão que Kavanaugh então justificou com «o respeito pela propriedade privada».
Este interminável historial de sentenças favoráveis ao patronato e hostis aos trabalhadores fazem crer que a escolha de Kavanaugh se destina a amparar no Supremo a crescente ofensiva contra os direitos da classe que produz toda a riqueza, atropelando, se necessário, a própria Constituição.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2328, 12.07.2018