O Partido
Democrata não é alternativa ao Partido Republicano, do mesmo modo que Hillary Clinton não era alternativa a Trump. Todavia, as fracturas sociais agravam-se, e ganham expressão na opinião pública sentimentos de rejeição do sistema vigente.
Não estavam apenas em causa todos os 435 assentos da Câmara dos Representantes, um terço do Senado e a governação de 36 Estados: as eleições legislativas de ontem foram um plebiscito à presidência de Donald Trump. Os democratas reconquistaram a maioria na câmara baixa, mas os republicanos reforçam o controlo da câmara alta e dos governos estaduais, um resultado que promete tornar ainda mais volátil a vida política estado-unidense, sem alterar o rumo fascizante em curso.
O controlo da Câmara dos Representantes permite, por exemplo, ao Partido Democrata (PD) iniciar procedimentos para a destituição de Trump, mas o domínio republicano no Senado reduz a probabilidade do impeachment se concretizar. Na própria noite eleitoral, o PD prometeu dar renovada perseguição a Trump, usando a Câmara dos Representantes para exigir documentos do presidente que alegadamente provam evasão fiscal. Está lançado o mote democrata até às presidenciais: atacar a figura Trump e poupar a política de Trump. Durante a campanha, a maioria dos candidatos democratas ao Congresso procurou colar-se às propostas mais reaccionárias de Trump: Joe Manchin (da Virgínia Ocidental) disse concordar com a construção do muro; Joe Donnelly (do Indiana) aplaudiu a proposta da Casa Branca de pôr fim ao princípio jus soli, que prevê o reconhecimento da cidadania estado-unidense a todos os bebés que nasçam nos EUA, independentemente da situação legal dos pais; Claire McCaskill (do Missouri) disse «concordar a 100 por cento» com a mobilização ilegal de 15 mil soldados, com autorização para abrir fogo, para cortar o passo a uma caravana de imigrantes que se aproximam da fronteira com o México; Bernie Sanders (o autodenominado «socialista democrático») prometeu tréguas em política externa e absolveu Trump de responsabilidades políticas no recente ataque terrorista anti-semita perpetrado por um republicano fanático e a recém-eleita Ocasio-Cortez, (também autodenominada «socialista democrática», também eleita nas listas do PD) deixou de defender a abolição do ICE (o corpo policial militarizado anti-imigração).
Eppur si muove
Ainda assim, em vésperas das eleições, a Casa Branca publicou um relatório intitulado «O custo de oportunidade do socialismo». O documento de 70 páginas começa de forma reveladora: «Coincidindo com o 200.º aniversário do nascimento de Karl Marx, o socialismo está a regressar ao discurso político americano. Propostas políticas de autoproclamados socialistas estão a ganhar apoio no Congresso e junto dos eleitores mais jovens». O documento restante é propaganda de duvidosa qualidade, preenchida com injúrias à Venezuela bolivariana, garantias de que só o capitalismo é democrático e a embaraçosa repetição da definição de socialismo como a existência de sistemas públicos e universais de saúde e educação.
O facto de a Casa Branca sentir necessidade de, duzentos anos depois do seu nascimento, vir a terreiro atacar Marx valida vários estudos recentes que apontam para a crescente popularidade do socialismo nos EUA: em Novembro, um estudo da YouGov revelou que 51 por cento dos estado-unidenses entre os 21 e os 29 anos preferiam viver numa sociedade «socialista ou comunista» e, em Agosto, outra sondagem da Gallup concluiu que a percentagem de jovens com boa opinião sobre o capitalismo caiu de 68 por cento em 2010 para 45 por cento este ano. Já o número de greves no país de Trump triplicou desde o ano passado. Os republicanos usam o seu nome para assustar eleitores, os democratas usam-no para ganhar votos e, no entanto o socialismo, como um dia terá murmurado Galileu, move-se.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2345, 8.11.2018