Residindo na Alemanha há cerca de 20 anos, Moniz Bandeira, aos 80 anos de idade, produziu mais um relevante trabalho para a compreensão do nosso tempo. Trata-se de uma fecunda demonstração do seu conhecimento sobre as estruturas de poder em escala internacional.
Talvez não seja exagero afirmar que Moniz Bandeira representa uma espécie de Nicolau Maquiavel brasileiro. Nenhum estudioso no país melhor conhece as formas do exercício de poder mundial e a força de ingerência que manifesta nas vidas dos povos. O poder, em estado bruto ou dissimulado, é o foco da sua investigação.
Ademais, o autor não deixou de experimentar os sabores e as vicissitudes da atuação prática na seara política. Jovem, foi assessor parlamentar de um deputado federal de esquerda, Sergio Magalhães (PTB) – uma liderança proeminente da antiga Frente Parlamentar Nacionalista (1956-1964), também presidente da mesma entre 1963 e 1964.
Com o deputado e demais e dilatadas forças sociais e políticas nacionalistas e anti-imperialistas do pré-1964, Moniz Bandeira contribuiu para a repercussão pública do projeto legislativo que limitava as remessas de lucros do capital estrangeiro para o exterior. Projeto regulamentado pelo presidente Jango, em janeiro de 1964.
A lei correspondeu a uma das mais significativas variáveis que motivou o golpe civil-militar de 1964, por afetar os interesses das multinacionais. Produziu enorme descontentamento, especialmente, do governo dos Estados Unidos.
Desse modo, a veia anti-imperialista do jovem Moniz Bandeira não deixa de ainda nortear as suas reflexões sobre o nosso tempo, iluminando e descortinando diferentes fenômenos políticos, históricos e econômicos. Essa veia é visível em “A desordem mundial”.
_____________________
Informações sobre o livro:
Luiz Alberto Moniz Bandeira. “A desordem mundial: o espectro da total dominação – guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias”. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2016, 643 páginas.
_____________________
Há décadas, o autor tem sido habitualmente classificado em frações significativas da historiografia brasileira como um tipo de “teórico da conspiração”. Precisamente por assinalar o papel dos Estados Unidos em golpes contra o voto popular, como ocorrido em 1964 no país.
Décadas de ditadura, de oligopolização empresarial dos meios de comunicação, de agências de financiamento e fomento, provenientes do exterior, à pesquisa nos círculos acadêmicos, criaram ambiente favorável para ser disseminada uma cosmovisão que atenua a força de incidência externa na vida nacional.
Um certo progressismo nas hostes universitárias, anos a fio, estimulou aquela visão, em elevada medida inocente. Como sublinha o sociólogo Immanuel Wallerstein, o progressismo apoia-se na subjetividade liberal de avanços e aperfeiçoamentos contínuos, em múltiplas áreas da vida humana: política, sistema internacional, economia, direitos humanos etc.
Na contramão, a obra “A desordem mundial” põe em evidência os crescentes riscos à humanidade oriundos de uma perspectiva missionária, totalitária e imperialista dos Estados Unidos, elevada à máxima potência após a dissolução da União Soviética.
Os interesses mais egoísticos do bloco de poder estadunidense – as finanças, o petróleo e a indústria bélica – orientam as ações do governo dos EUA, convertendo a própria União Europeia em “vassalo” da política externa do gigante do Norte.
Conforme o autor, “guerras por procuração” têm sido a praxe da “diplomacia” norte-americana. Isso por meio do treinamento e financiamento a Estados e agentes terroristas não estatais, como o Estado Islâmico, na África e no Oriente Médio, e os fascistas na Ucrânia.
Catástrofes humanitárias seguidas, com a única finalidade de desmontar qualquer obstáculo aos intentos de poder mundial dos Estados Unidos. O próprio princípio da autodeterminação dos povos, da soberania nacional, violado sistematicamente sob mal dissimuladas alegações estadunidenses de “ajuda humanitária” e “defesa da liberdade e da democracia”.
Não é apenas de um retrocesso internacional dos direitos sociais que Moniz Bandeira chama a atenção em seu livro. Na presente configuração do capitalismo global, é a própria possibilidade de (in)existência enquanto Estado nacional, sobretudo na periferia capitalista, a ameaça que paira sobre os povos.
Como o poder, dialeticamente, não deixa de propiciar a formação dos seus agentes antagonistas, Moniz Bandeira ressalta a alvissareira recuperação da Rússia, com Vladimir Putin, por intermédio da adoção de medidas domésticas que escanteiam o liberalismo econômico e que se projeta, internacionalmente, de maneira mais ativa, buscando aliados diplomáticos, comerciais e militares importantes como a China.
Trata-se, pois, de uma fenda que se tem aberto nas assimétricas relações interestatais, amplamente dominadas pelos EUA, potencialmente capaz de contrapor o bloco de poder mundial “ultraimperialista” que tipifica o eixo EUA/União Europeia.
Operando com inúmeras e diversificadas fontes documentais, a obra “A desordem mundial” precisa ser lida e submetida a atenciosa reflexão pelo público-leitor brasileiro. Inclusive para pensar o que se passa hoje no país e os seus eventuais desafios e dilemas.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.