No momento em que o tema da exploração de petróleo em Portugal volta a estar na agenda política e mediática e em que os trabalhadores continuam mergulhados numa profunda crise, marcada pelo desemprego, precariedade, salários baixos e serviços públicos caros e insuficientes, é importante colocarmo-nos a seguinte questão: a exploração de petróleo em Portugal vai alterar esta situação, trazendo mais emprego, melhores salários e transportes e serviços públicos mais baratos, eficientes e abrangentes?
Olhando para a realidade dos principais países produtores de petróleo, facilmente percebemos que a resposta é negativa. Desde logo porque a mão de obra local não possui o nível de especialização exigido pela indústria, pelo que a maioria dos postos de trabalho criados são ocupados por trabalhadores estrangeiros altamente especializados. Para além disso, os lucros astronómicos gerados pela indústria vão na íntegra para acionistas e gestores das empresas petrolíferas, sejam elas multinacionais privadas ou empresas (semi)estatais, e não se traduzem em melhores salários ou nível de vida para a população local. Os EUA, por exemplo, o principal exportador de petróleo e a maior economia do mundo, estavam, em 2015, na cauda dos países da OCDE em termos de acesso à educação e à saúde, sendo a taxa de mortalidade infantil em agregados familiares pobres uma das mais elevadas. Na Arábia Saudita, a semana de trabalho oscila entre as 40 e as 48 horas e as condições de trabalho roçam a escravatura. Angola, onde o petróleo representa 95% das exportações e 45% do PIB, ocupa o 5º lugar na lista de países com desenvolvimento humano mais baixo, ou seja, a 149ª posição no ranking mundial, sendo sobejamente conhecidas as condições miseráveis em que vive a esmagadora maioria da população.
Por isso, a imprensa e decisores políticos bem podem tentar vender-nos a ideia de que a exploração de petróleo é benéfica para todos, ou seja, que os interesses do país e os interesses da indústria petrolífera são coincidentes, mas a realidade da vida quotidiana dos trabalhadores dos principais países exportadores de petróleo mostra claramente que não são.
Apostar no petróleo é apostar num modelo energético destruidor e insustentável
A manutenção de economias assentes na queima de combustíveis fósseis em detrimento de fontes de energia renováveis não é sustentável para a Humanidade, não só porque a muito breve trecho deixará de ser viável a sua extração, mas acima de tudo porque a sua queima tem impactos ambientais nocivos e é hoje responsável pela degradação das condições de vida de milhões de pessoas no planeta. Para compreendermos a dimensão da catástrofe decorrente deste modelo energético e o seu impacto na nossa vida quotidiana, olhemos, por exemplo, para a segunda maior economia do mundo – a chinesa –, cuja população urbana é obrigada a usar diariamente máscaras antipoluição ou a não sair de casa durante vários dias devido à falta de visibilidade e perigo para a saúde pública resultantes da poluição gerada por fábricas e transportes. Estima-se que a poluição atmosférica seja responsável por 1 milhão e 600 mil mortes por ano na China, ou seja, 4,400 mortes por dia.
Neste contexto, importa fazer uma outra pergunta: É este o modelo energético e de desenvolvimento que queremos para o nosso país ou, pelo contrário, defendemos a aposta no sol, vento e mar de que dispomos em abundância como alternativas energéticas? Considerando que, entre janeiro e outubro de 2015, as renováveis garantiram 47% do consumo de energia elétrica e que, no mesmo período em 2014, esse valor ascendia a 62%, fica claro que a opção política pelo petróleo nada tem que ver com a falta de viabilidade das alternativas disponíveis ou com a defesa dos interesses do país, mas sim com a indisponibilidade do Governo para pôr os interesses do país acima dos interesses da indústria petrolífera.
A indústria petrolífera põe em causa as fontes de subsistência das populações
A maioria das regiões do país abrangidas pelos contratos de prospecção e exploração de petróleo têm em comum o facto de as suas fontes de subsistência provirem essencialmente do mar, por via das pescas e indústria conserveira, e do turismo. A implantação da indústria petrolífera nestas regiões longe de ser uma oportunidade de mais empregos e melhores salários, dado o elevado nível de especialização da mão de obra – que a maioria da população não possui – e de automatização dos processos extrativos, significaria, acima de tudo, pôr em risco as atuais fontes de subsistência da população, quer por via do impacto na fauna aquática, lençóis freáticos e solos quer por via do impacto no turismo. O Algarve é um caso paradigmático. Tendo sido responsável por opções desastrosas de ordenamento do território e pelo abandono massivo de atividades económicas tradicionais, como a agricultura, o artesanato e, em certa medida, as pescas, a indústria do turismo é hoje responsável por 60% dos empregos na região, começando a despontar formas de turismo sustentáveis, quase todas ligadas à gastronomia e à natureza. Para além disso, 40% do território está classificado como zona protegida, sendo que a natureza é já o principal motivo de escolha da região para 69% dos turistas que a visitam.
As populações, em particular as do Algarve, têm manifestado estas preocupações ao Governo através de protestos com centenas de pessoas e da participação em processos de consulta pública e sessões de esclarecimento, mas têm sido olimpicamente ignoradas pelo “seu” interlocutor. Assim, e contrariamente ao que a imprensa e decisores políticos nos tentam impingir, o que interessa de facto aos trabalhadores não é saber se existe ou não petróleo em Portugal e se a sua exploração tem ou não viabilidade económica. Isso é algo que interessa às petrolíferas, para quem o lucro está acima de quaisquer preocupações ambientais ou humanas. O que interessa verdadeiramente aos trabalhadores é saber porque é que, perante factos científicos indesmentíveis e a oposição das populações locais, um Governo PS, apoiado no Parlamento pelo Bloco, PCP e Verdes (!), ainda não cancelou todos os contratos de concessão de direitos de prospecção e exploração de petróleo atualmente em vigor e, pelo contrário, acaba de autorizar a sua exploração ao largo de Aljezur.
A responsabilidade dos governos do PS e do PSD na questão do petróleo
Em Portugal, existe prospecção de petróleo em terra (onshore) desde a década de 1940, embora só nas décadas de 70 e 80 tenha sido alargada ao mar (offshore e deepshore) e encontrados indícios fortes, mas inconclusivos, da existência de petróleo e gás natural. A prospecção foi sempre realizada por concessão do Estado a operadoras privadas, quase todas multinacionais estrangeiras. À data, a única forma de acesso a uma concessão era através de concurso público internacional, sendo que a legislação distinguia quatro tipos distintos de concessão, respetivamente, prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo, esta última dependente de efetiva descoberta comercial, o que nunca se verificou. Mal ou bem, neste quadro legislativo, cabia ao Estado a última palavra sobre a coincidência ou não dos interesses das concessionárias com o interesse nacional.
Contudo, em 1994, Cavaco Silva propõe, a Assembleia da República aprova e Mário Soares ratifica o Decreto-Lei 109/94, de 26 de abril, em vigor atualmente. Em nome de “condições de acesso mais favoráveis” e maior simplificação de processos “de acordo com a prática na indústria”, o diploma introduz a modalidade de negociação direta para obtenção da concessão, prevê um contrato administrativo único (ou seja, simultaneamente de prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção), garante às concessionárias disporem livremente do petróleo produzido, exceto em caso de guerra ou emergência, e introduz um imposto sobre o petróleo, ainda que devido apenas “a partir de determinados níveis de produção anual”.
Os 18 contratos de concessão atualmente em vigor – 5 em terra (onshore) e 13 no mar (offshore e deep-offshore) – não só resultam desta legislação conjunta de PSD e PS como foram adjudicados por governos de ambos os partidos, uns por concurso (PS) – lançado em 1999-2002 pelo atual Secretário-Geral das Nações Unidas e então Primeiro-Ministro, António Guterres – e outros, a maioria, por negociação direta (PSD). No primeiro grupo, temos as concessões Repsol/Kosmos/Galp/Partex (no mar de Peniche) e ENI/GALP (no mar do Alentejo), inicialmente adjudicadas pelo PS durante o governo de José Sócrates (2007), e posteriormente ratificadas pelo governo PSD-CDS de Passos/Portas (2013 e 2014, respetivamente). Por negociação direta, foram adjudicadas as concessões Repsol/Partex (no mar do Algarve), Australis Oil & Gas (na Batalha e Pombal), Kosmos Energy LLC (no mar do Alentejo) e Repsol/Partex (no mar do Algarve), todas pelo governo de coligação PSD-CDS.
Autarcas locais do PS servem de almofada ao Governo e de travão à luta das populações
Os autarcas do PS e estruturas políticas locais por eles controladas, ao mesmo tempo que se declaram contra a exploração de petróleo e a favor das populações, mantêm a confiança no Governo para rescindir os contratos de concessão ainda em vigor, esquecendo, convenientemente, que a Lei que os torna possíveis mereceu a aprovação do PS. A atuação destes responsáveis parece assim visar única e exclusivamente três propósitos: assegurar votos nas Autárquicas de 2017 face à crescente contestação popular, alimentar a esperança da população num eventual recuo do Governo sem necessidade de formas de protesto mais radicais e manter a contestação no âmbito local. Por isso não têm uma palavra a dizer sobre as concessões de prospecção e exploração noutras regiões do país nem retiraram consequências políticas das decisões do Governo, como seriam, por exemplo, a exigência de demissão imediata do Ministro do Ambiente e de um posicionamento final do Governo sobre o modelo energético que defende para o país.
Os partidos à esquerda do PS, e que sustentam o Governo no Parlamento – BE, PCP e Verdes – também não estão isentos de crítica, tendo inclusivamente votado contra (PCP) ou optado pela abstenção (BE e Verdes) na votação de uma iniciativa parlamentar do PAN que pretendia revogar, precisamente, o famigerado Decreto-Lei 109/94. O argumento? A votação favorável da iniciativa criaria um vazio legal e não impediria a exploração de petróleo em Portugal no futuro. O que propuseram em alternativa? O PCP não propôs nada, o Bloco propôs a obrigatoriedade de avaliação de impacto ambiental para as operações de prospecção de extração de hidrocarbonetos e os Verdes propuseram a suspensão dos contratos no Algarve e na Costa Alentejana (curiosamente, as zonas onde os protestos têm sido mais mediáticos). Nenhuma proposta, portanto, que, por princípio, se opusesse à exploração de petróleo ou que a inviabilizasse no futuro, demonstrando assim que estes partidos, embora se reclamem a favor da luta contra as alterações climáticas e as suas consequências, não estão dispostos a levar até ao final essa luta, pois isso implicaria questionar a fundo o Governo e o modelo energético capitalista vigente. Assim, fica cada vez mais claro que apenas com um Governo de e para os trabalhadores, que rompa com os interesses capitalistas, será possível um novo modelo energético e ambiental sustentável.
Só a mobilização pode impedir a exploração de petróleo e garantir uma política energética sustentável
A atuação dos partidos que suportam o Governo no Parlamento constitui, acima de tudo, a demonstração cabal de que, naquilo que são as questões estratégicas para o país, quem vive do trabalho continua a depender apenas da sua capacidade de mobilização, organização e luta para defender os seus interesses.
Neste momento, apenas as concessões na costa do Algarve e vizinho Alentejo têm sido objeto de contestação popular com alguma dimensão e impacto mediático, reunindo centenas de pessoas. É necessário que mais se mobilizem e se juntem a essas ações de protesto. Contudo, é necessário também que os protestos contra a exploração de petróleo se estendam a todo o país, em particular às outras regiões nas quais foram adjudicados contratos de prospecção e exploração de hidrocarbonetos. O que está em causa não afeta apenas o Algarve, mas sim o país no seu todo. A regionalização dos protestos diminui a sua eficácia, isola quem os promove e, acima de tudo, dispensa o Governo e os partidos com assento parlamentar de assumirem claramente, de uma vez por todas, que modelo energético defendem para o país e de responderem pelas opção políticas que têm feito.