Recentemente procedemos a uma explanação sintética das desigualdades presentes na UE, resultantes de um processo que se desenvolveu nos últimos 45 anos. E utilizámos a palavra sintética porque privilegiámos um indicador – a evolução demográfica – que constitui um espelho claro da evolução do posicionamento de cada região europeia na hierarquia construída pelo actual capitalismo neoliberal[1].
No texto presente, vamos observar essas desigualdades, entre os países, através da capitação do PIB, dos rendimentos familiares e dos custos empresariais com a mão-de- obra, com alguns detalhes relativos ao que se vem passando em Portugal.
1 – Evolução da capitação do PIB
A evolução da capitação do PIB para o conjunto UE-28, medida em euros, para o período 1970-2014, revela um crescimento muito rápido até 1990, com abrandamento no lustro seguinte, uma retoma na década 1995-2005, terminando o período posterior com um crescimento muito débil, na sequência da crise sistémica política, económica e financeira, que vai prosseguindo o seu aprofundamento.
Mais detalhadamente, pode observar-se a taxa anual média de crescimento das capitações para cada um dos períodos quinquenais, revelando-se assim as flutuações mais curtas que compõem o ciclo longo inaugurado com o neoliberalismo, em torno do início dos anos 70 do século passado.
Na segunda metade da década de 90 várias inovações tecnológicas ou a sua massificação (internet, telemóveis) deram um forte impulso na globalização, nos negócios mas, o neoliberalismo, com a financiarização, as deslocalizações, a desindustrialização, a desregulação social, originaram a crise chamada dos “dot.com” na mudança de século. Como o processo se foi acentuando, com bolhas imobiliárias, os empréstimos subprime, tudo alicerçado num crédito sem a contrapartida de rendimentos efetivos para o seu pagamento, a crise acentuou-se, com falências bancárias, estados endividados, ineficazes programas de austeridade e o crescimento anémico a que se vem assistindo, sem um fim à vista, como é bem visível no gráfico seguinte.
Passamos a observar seguidamente a variação das capitações de rendimento relativas a cada país, entre 1970 e 2014 tendo como referência, para cada um deles, o valor agregado de UE-28 = 100.
Este longo período corresponde ao tempo de afirmação e consolidação do neoliberalismo que entretanto estará numa fase de esgotamento do seu modelo económico, social e político. Mostra, numa primeira abordagem, que no conjunto dos países considerados como desenvolvidos a capitação do rendimento cresceu pouco acima (3.9%) face à UE-28, enquanto para o mundo na sua globalidade, essa capitação se reduz 12.7%, nos mesmos termos comparativos. Como é óbvio, por exclusão de partes, para o conjunto dos países menos desenvolvidos (benevolamente designados por países em desenvolvimento pelas instituições internacionais, onde se incluem todos os outros países que não pertençam à OCDE) a situação é muito pouco lisonjeira; como pouco lisonjeira é a situação dos povos considerados desenvolvidos pela OCDE – Hungria, Polónia, Turquia, México… - só pelo facto de pertencerem àquele clube. Uma classificação no campeonato obtida na secretaria…
Nos países não desenvolvidos, a capitação terá regredido, em termos comparativos com a UE-28 mais do que a média mundial, revelando manterem-se bem ativas as sequelas de uma ordem económica mundial historicamente geradora de desigualdades.
Poderá pensar-se que, entretanto, a população dos países não desenvolvidos cresceu substancialmente, mais do que o PIB; porém, isso não poderá consubstanciar a defesa de políticas malthusianas mas antes, alterações políticas e económicas que eliminem a aliança entre as classes políticas desses países, autocráticas e corruptas e as predatórias multinacionais que saqueiam as riquezas e promovem desastres ambientais devastadores, para além da tenaz com que o sistema financeiro global domina os países pobres e periféricos, através da dívida.
Em relação aos níveis médios da UE, alguns países de topo no quadro da riqueza perderam posição. São os casos, particularmente, da Suíça (-28.5%), da Suécia, da Itália, da França, da Holanda e da Dinamarca. Com uma grande quebra face à média comunitária sobressai a Grécia que, não sendo um país rico, regrediu substancialmente nos últimos anos, por razões bem conhecidas.
Os casos em que houve grande aproximação face aos níveis da UE-28 registam-se entre os países de recente inclusão, maioritariamente a Leste (saídos do desmembramento do bloco soviético e objeto de profunda intervenção dos capitais estrangeiros, com a manutenção de salários baixos face à média comunitária, ou a Sul (Malta e Chipre), para além da Irlanda.
Regista-se ainda um grupo geograficamente heterogéneo de países que apresentando variações positivas de capitação face à media comunitária, elas são, contudo, relativamente modestas. Destacamos, neste grupo, os casos da Alemanha (4.1%), a Bélgica (1.5%), Grã-Bretanha (6.2%), a Espanha (0.6%) e mesmo Portugal (11.4%), nos dois últimos casos, por razões também evidentes.
Como seria de esperar, nada há aqui que se possa relacionar especificamente com a moeda única, mas antes com o caráter antidemocrático das instituições europeias que fomentam ou interagem com as desigualdades de desenvolvimento capitalista, que calam fundo na História, geradoras de regiões pobres, menos pobres e ricas, como documentámos recentemente[2].
Há países ricos, com moedas próprias, que perderam posição face à média comunitária (Suécia e Dinamarca, por exemplo, para além da Suíça, não integrada na UE mas, apenas no Espaço Económico Europeu); outros, igualmente ricos e usando o euro, elevaram-se mais para cima da média comunitária (Áustria, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo); um conjunto de países subscritores do euro, considerados ricos, mostra-se em regressão face à referida capitação média (França, Holanda, Itália); vários países pobres ou remediados evidenciam ganhos relativamente à média da UE-28, com ou sem a adopção do euro como moeda. Finalmente, sublinhe-se o caso da Alemanha, o motor exportador da UE, o grande angariador de excedentes financeiros, o inspirador da moeda única e o país politicamente dominante e que mais não consegue do que melhorar 4.1%, a sua posição face à media comunitária, no capítulo da capitação do PIB, num espaço de 44 anos.
O gráfico que se segue identifica, entre os momentos selecionados, aqueles em que cada país te
ve a melhor ou a pior relação do seu rendimento per capita no período 1970-2014, face à média UE-28, nos mesmos momentos.
Em 1970, aparecem onze situações de maior afastamento face à média comunitária, incluindo um dos fundadores – Bélgica – e alguns dos países mais ricos, como a Áustria ou a Noruega, esta última que então ainda não explorava petróleo no Mar do Norte. Entre os outros países destacamos o Portugal dos últimos anos de guerra colonial e de regime fascista. Também naquele distanciado ano, países ricos como a Dinamarca, Holanda, Suécia, Suíça e o “Mundo” surgem como o momento de maior vantagem face à média comunitária.
O ano de 1995 surge como o pior ano para grande parte dos países do Leste, ex-membros do bloco soviético recentemente desmembrado e ainda para dois países da ex-Jugoslávia bem como a Suécia que teve uma crise profunda nessa época. Esse ano, em contrapartida, foi o que se apresentou mais favorável face à média UE-28, para países como a Alemanha, a Bélgica, a Itália e o conjunto dos “países desenvolvidos”.
Curiosamente, o ano 2000 é o melhor ano apenas para Portugal e S. Marino. O ano de 2005 e o de 2014 são aqueles que repartem o maior número de melhores anos e onde se incluem os países que viriam a ser intervencionados (Chipre, Espanha e Irlanda) ou com graves problemas financeiros (Islândia e Grã-Bretanha), na sequência da crise iniciada em finais de 2007.
Finalmente, 2014 mostra-se como o mais favorável face à média UE-28 de vários países do Leste europeu e ainda a Áustria e Malta; mas, em contrapartida, revela-se o pior para a Dinamarca, a França e a Itália, para além da Grécia, como não surpreenderá ninguém.
Num tão longo espaço de tempo a hierarquia dos países no cenário europeu sofreu algumas transformações que se prendem com alterações políticas, geoestratégicas e, acima de tudo, da forma como cada um desses países se enquadra num espaço globalizado e dinâmico. As relações entre centro e periferias reequacionam-se todos os dias mas, a um nível muito agregado, normalmente não oferecem mutações muito acentuadas. Vejamos essas mutações no capítulo das capitações do PIB.
Em 1970, aparecem onze situações de maior afastamento face à média comunitária, incluindo um dos fundadores – Bélgica – e alguns dos países mais ricos, como a Áustria ou a Noruega, esta última que então ainda não explorava petróleo no Mar do Norte. Entre os outros países destacamos o Portugal dos últimos anos de guerra colonial e de regime fascista. Também naquele distanciado ano, países ricos como a Dinamarca, Holanda, Suécia, Suíça e o “Mundo” surgem como o momento de maior vantagem face à média comunitária.
|
1970
|
1980
|
1990
|
1995
|
2000
|
2005
|
2010
|
2014
|
Nº países considerados
|
28
|
28
|
28
|
34
|
34
|
34
|
34
|
34
|
Chipre
|
21
|
20
|
19
|
19
|
19
|
19
|
19
|
19
|
Eslovénia
|
-
|
-
|
-
|
22
|
22
|
22
|
21
|
20
|
Espanha
|
18
|
19
|
18
|
18
|
18
|
18
|
18
|
18
|
Grécia
|
19
|
18
|
20
|
20
|
20
|
20
|
20
|
21
|
Irlanda
|
17
|
16
|
16
|
13
|
6
|
5
|
6
|
5
|
Itália
|
16
|
16
|
16
|
16
|
17
|
17
|
17
|
17
|
Malta
|
26
|
24
|
22
|
23
|
23
|
23
|
23
|
22
|
Portugal
|
20
|
21
|
21
|
21
|
21
|
21
|
22
|
23
|
|
2003
|
2008
|
2014
|
Alemanha
|
152,8
|
146,7
|
163,0
|
Áustria
|
155,8
|
148,8
|
155,0
|
Bélgica
|
147,3
|
134,6
|
143,4
|
Bulgária**
|
38,9
|
45,8
|
54,4
|
Chipre
|
109,1
|
130,2
|
97,4
|
Croácia
|
69,6
|
70,0
|
74,4
|
Dinamarca
|
125,3
|
118,8
|
133,3
|
Eslováquia
|
65,3
|
79,6
|
93,8
|
Eslovénia
|
99,4
|
101,0
|
96,8
|
Espanha
|
124,9
|
115,2
|
109,9
|
Estónia
|
57,0
|
73,5
|
78,4
|
Finlândia
|
120,5
|
127,9
|
138,2
|
França
|
147,2
|
137,6
|
145,6
|
Grécia
|
122,0
|
121,6
|
90,3
|
Holanda**
|
150,9
|
145,0
|
136,8
|
Hungria
|
75,5
|
69,4
|
78,5
|
Irlanda
|
126,9
|
124,3
|
113,0
|
Islândia**
|
124,7
|
130,7
|
119,7
|
Itália
|
141,4
|
133,2
|
123,4
|
Letónia
|
54,5
|
73,8
|
70,8
|
Lituânia *
|
69,6
|
78,1
|
90,4
|
Noruega
|
151,8
|
146,7
|
166,1
|
Polónia
|
64,5
|
67,5
|
85,4
|
Portugal
|
100,0
|
100,0
|
100,0
|
Reino Unido
|
155,1
|
139,6
|
132,1
|
Rep. Checa
|
88,8
|
84,1
|
93,3
|
Roménia
|
33,8
|
53,1
|
56,5
|
Suécia
|
134,4
|
132,0
|
138,4
|
Suiça**
|
159,4
|
157,2
|
171,6
|
* 2004 ** 2013 Fonte Primária: Eurostat
|