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Diário Liberdade
Quinta, 20 Julho 2017 15:20 Última modificação em Terça, 01 Agosto 2017 13:22

Venezuela: choque de realidade contra a “pós-verdade”

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País: Venezuela / Resenhas / Fonte: Diário Liberdade

[Anisio Pires*] O bombardeio midiático construído sobre as dificuldades reais, embora induzidas, que se vivem na Venezuela (violência, escassez de produtos e inflação) tornou o nosso país o laboratório mundial da “pós-verdade”. 

Tudo o que aqui acontece é distorcido pelo espelho da grande mídia de tal maneira que nós, que andamos pelas ruas da Venezuela, temos às vezes dificuldades para informar corretamente. O cerco midiático, sobretudo o das redes, atropela tanto que pareceria que já não há uma realidade, mas sim versões sobre ela. Como diz o sociólogo brasileiro Laymert Garcia: “Só as versões se tornam realidade, ao ponto de as pessoas não saberem mais o que é real e o que não é.” (1)

O exemplo mais absurdo sobre esta versão “verdadeira” é a acusação de que o governo bolivariano é uma “ditadura” e o Presidente Nicolás Maduro, seu “ditador”. Que tenham sido realizadas 21 eleições nos 18 anos que tem a Revolução Bolivariana, ganhando 19 delas e reconhecendo imediatamente as duas vitórias que teve a oposição não significa nada nem tampouco importa.

Descrever aqui a realidade das ditaduras que governaram nosso continente nos anos 60 e 70 seria já suficiente para rebater a insustentável versão da “ditadura” venezuelana. No entanto, isto já deixou de ser uma questão de verdades históricas para se tornar na versão que convém e que interessa. Ouvir o uruguaio secretário da OEA, Luís Almagro, nos acusar de ditadura depois dos mortos e desaparecidos que padeceu seu povo entre 1973 e 1985 confirma claramente que o objetivo não é defender a democracia nem proteger o povo venezuelano, mas sim destruir a Revolução Bolivariana.

Almagro e seus sequazes se valem da “mentira verdadeira”, a nova arma do arsenal da estratégia do golpe suave. Programam a um setor da população para aceitar sua versão da realidade e tornam o apoio a essa falsa versão na prova da verdade. É como se fosse outra realidade construída virtualmente e apoiada na programação mental implantada nas pessoas à força de repetição.

Como é virtual e se retroalimenta virtualmente, a argumentação racional tem dificuldades para desmontá-la. É um desafio para os revolucionários decifrar como superar esse fascismo das versões que está sendo imposto internacionalmente pela mídia capitalista. Por agora nos cabe seguir apostando na capacidade de choque que tem a verdade contra a mentira.

Um exemplo disso foi a coletiva de imprensa protagonizada na Arábia Saudita por Stuart Jones, secretário-adjunto para assuntos do Oriente Próximo da Secretaria de Estado dos EUA. Este alto funcionário decidiu questionar a histórica ou o histórico democrático da República Islâmica do Irã enquanto defendia o governo da Arábia Saudita, que tem sido catalogado em termos de democracia e direitos humanos como “o pior do pior” pela ONG Freedom House, financiada em 80% pelo próprio governo estadunidense. Basta lembrar que as mulheres desse país estão impedidas de exercer o direito cidadão ao trabalho. Representam somente 5 % da força de trabalho no seu país, o mais baixo do mundo. É por isso que essa condição “livre” e “democrática”, que vivem as mulheres sauditas, tem sido catalogada como segregação sexual e apartheid de gênero.

Por nenhum lugar se escuta a “imprensa livre” falar de ditadura na Arábia Saudita, mas sempre aparece algum jornalista com ética profissional. Foi assim que na referida roda de imprensa um jornalista da AFP, Dave Clark, teve a ocorrência de perguntar ao alto secretário Stuart Jones: “Como qualifica o compromisso da Arábia Saudita com a democracia? Esta Administração estima que a democracia é um para-choque ou uma barreira contra o extremismo?”

O que veio a seguir, para surpresa de todos, tornou-se, segundo os analistas, na pausa mais longa e incômoda na história das coletivas de imprensa. Foi tal a surpresa ou o aturdimento pela pergunta que o secretário ficou paralisado por exatos 19 segundos. Quando revisamos o vídeo, que se viralizou pelo YouTube (2), pensamos num primeiro momento que a paralisia de Jones fosse falha do vídeo que ficou parado, mas chegando no segundo 20 o secretário ressuscita, toma ar e consegue, por fim, falar. Mas sem responder à pergunta. Limita-se a comentar "o progresso significativo" alcançado com a Arábia Saudita e o Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo na luta contra o extremismo e a “ameaça terrorista”. Ameaça que evidentemente ele atribui ao governo Iraniano.

Depois da entrevista o jornalista de AFP publicou um tweet onde expressou: “Foi muito embaraçoso estar ali, sobretudo levando em conta que não tive a intenção de envergonhar o próprio Jones”.

Deixando atrás o choque de vergonha democrática vivido pelo secretário imperialista, voltemos ao importante, ao que nos interessa, a Venezuela. Dado o apoio histórico dos EUA a governos ditatoriais (Pinochet e Videla entre outros) a matriz de “ditadura” contra a Venezuela, além de falsa, é insuficiente para construir um roteiro que permita justificar uma intervenção armada em nome da “liberdade”.

Tem que se acrescentar algo mais, tem que se adoçar o componente social e humano que lhe dê legitimidade. Por isso, tal e como acontece no imaginário dos super-heróis, é preciso que Lois Lane se encontre em perigo e peça a gritos socorro para que Super-homem e seus marines venham socorrê-la. Surge assim a tão propagandeada “crise humanitária”, necessária para que a intervenção militar não pareça algo violento e sim algo justo e defensável. São as famosas “intervenções de caráter humanitário” que o mundo já conhece, mas desta vez invocadas para resgatar ao “oprimido povo da Venezuela” das garras do “infame regime chavista”.

Feito o roteiro, vem logo as imagens reais das pessoas fazendo fila como resultado da guerra econômica, habilmente manipuladas pelo repórter de plantão e reforçadas com fotos falsas de supermercados vazios de outros países, tal e como foi demonstrado e denunciado. Isto depois vai sendo difundido massivamente pelos meios e pelas redes junto a declarações de pessoas fanatizadas e fora de si que falam com desespero como se estivessem no meio de um conflito armado real.

Parecem atores dramáticos, mas a triste realidade dessa psicopatia induzida é que de verdade se sentem desesperados. Embora seja algo virtual que lhes foi introduzido a força de repetição e propaganda, essas pessoas sofrem de “verdade” por incrível que pareça. Logo, juntando ditadura, crise humanitária e desespero, surge a conseqüência lógica. Alguém tem que “intervir” para deter essa “terrível” situação.

O que podemos fazer então os que defendemos a Revolução Bolivariana sabendo que tudo isso é uma grande mentira? Nos encher de paciência e insistir com doses adequadas usando choques de verdade.

Se é verdade como eles dizem que a Revolução Bolivariana tornou-se um verdadeiro fracasso (algo possível dentro das possibilidades), então o que eles tem que fazer é prová-lo. Se os dados socioeconômicos da Venezuela de hoje são indiscutivelmente piores dos que tinha o país em 1999, teriam razão e seríamos obrigados a aceitar com honestidade que, apesar de suas boas intenções, a Revolução Bolivariana teria fracassado na sua promessa de fazer justiça social.

O informe da CEPAL “Uma década de desenvolvimento social na América Latina, 1990-1999” afirma que para o ano 1999 quando Chávez chegou ao poder “(…) na Venezuela, a porcentagem de lares pobres passou de 22% em 1981 a 34% em 1990, e atualmente alcança o 44%.” (3)

Temos que contrastar esses números com a realidade e as versões que se fazem sobre a Venezuela de hoje para tirar conclusões, mas antes vamos revelar um fato curioso. Nos últimos tempos recebemos notícias de jovens que morreram queimados numa prisão da Guatemala; tivemos notícias do processo de Paz e das inundações na Colômbia; Soubemos do golpe e da corrupção no Brasil; dos Panamá Papers no Panamá e do assassinato de jornalistas e da desaparição de 43 estudantes no México. No entanto, não conseguimos encontrar nenhuma notícia que falasse da existência de algum tipo de crise humanitária em qualquer desses países. Ainda mais, tudo parece indicar, apesar dos terríveis problemas que enfrentam esses países, que a situação não chegaria a esse extremo.

Por que mencionamos esses cinco países e não outros? A resposta é simples. No último informe da CEPAL de 2016 sobre o Panorama Social na América Latina (4) verificamos que esses cinco países são os que possuem a maior desigualdade da nossa região. Quer dizer, são os campeões em desigualdade social na América Latina.

Queremos destacar aqui que, embora o Brasil se encontre ainda neste grupo da desigualdade, jamais poderemos esquecer os avanços na redução das desigualdades obtidos nos governos Lula e Dilma. Imaginem qual seria a situação do Brasil hoje se esses avanços não tivessem acontecido.

Feito esse esclarecimento, o que queremos assinalar é que apesar dos dados negativos desses países ninguém tem sido capaz de afirmar que neles se vive uma crise de tipo humanitária. Admitem que esses países têm problemas muito graves, mas que não chegam ao ponto de caracterizá-los dessa maneira.

O que diz esse mesmo informe de 2016 sobre a Venezuela? Será que ao comparar seus resultados com o informe de 1999, se confirmará o rotundo fracasso da Revolução Bolivariana apresentado pela direita nacional e internacional? Surpresa!!! 

Citando textualmente o mesmo artigo que resenhou o informe onde a Guatemala, Colômbia, Brasil, Panamá e México aparecem como os campeões da desigualdade; encontramos o seguinte: “Do mesmo modo que em 2012, os países com o maior nível de igualdade na região continuam sendo Uruguai, Venezuela e Argentina”.

Mas como? Isto não é possível. Por que não está o Chile nessa lista se o mundo tem falado tanto do milagre chileno que foi produzido pelo golpe militar de Pinochet? O que faz a Venezuela colocada aí? O que aconteceu com a “crise humanitária” que os meios nacionais e internacionais vinham denunciando há mais de um ano? Consultando alguns especialistas obtivemos algumas das possíveis respostas: a) Os chavistas pagaram para adulterar o informe da CEPAL; b) O “regime” fez que a crise sumisse de repente invocando aos espíritos do mato; c) A crise humanitária nunca existiu. E você, o que pensa?

Outros especialistas de menor capacidade lançaram ao debate uma pergunta adicional bastante trivial, mas com certa lógica. Se não existe crise humanitária nos países mais desiguais de nosso continente, alguém poderia explicar, por favor, como é possível que misteriosamente exista uma crise humanitária na Venezuela?

Para esclarecer este mistério e evitar que seja usado como rumor pelo publicitário das campanhas sujas J.J. Rendón, recomendamos que o Governo Nacional organize uma conferência internacional sobre “A crise humanitária na Venezuela”. Os convidados seriam a secretária executiva da CEPAL, os líderes da oposição venezuelana, Luis Almagro e os representantes perante a OEA daqueles países que têm pretendido violentar a  soberania venezuelana com a mencionada crise. O mundo inteiro terá enorme curiosidade para ver a cara de todos estes personagens ao conhecerem os dados da CEPAL sobre a Venezuela.

Se o secretário dos EUA, Stuart Jones, ficou paralisado por 19 segundos quando lhe perguntaram sobre a democracia na Arábia Saudita, será muito interessante cronometrar quantos segundos permanecerão emudecidos todos os representantes do intervencionismo nacional e internacional ao ser revelado publicamente e por todos meios de comunicação que eles têm estado por mais de um ano semeando um falso positivo contra o povo da Venezuela. Quer dizer, que todos eles vêm se comportando como paramilitares. “O pior do pior”, como dissera uma ONG americana sobre a Arábia Saudita. 

Embora mintam um milhão de vezes, na Pátria de Bolívar e de Chávez vai se impor a verdade, vai se impor a justiça e agora, com muito mais motivo, vai se impor a Constituinte da Paz.

*Anisio Pires é Cientista Social pela UFRGS.

(Publicado originalmente em https://foroinsular.wordpress.com/2017/06/03/venezuela-shock-de-realidad-contra-la-postverdadpor-anisio-pires/)

Tradução: Anisio Pires

Revisão Técnica: Eliane Silveira

 ____

(1) http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2015/11/para-sociologo-sociedade-esta-enfeiticada-pela-midia-so-as-versoes-sao-realidade-1431.html

(2) https://actualidad.rt.com/actualidad/239955-alto-cargo-eeuu-pregunta-democracia-arabia-saudita

(3)http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/2382/S2004000_es.pdf?sequence=1

(4) http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/41598/1/S1700178_es.pdf

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