Para compreender qual classe de reconstrução necessitamos, faz falta esclarecermos o que está destruído.
Até agora, a melhor formulação que escutei a respeito diz mais ou menos assim: “O que foi destruído não são edifícios, mas a vida social das comunidades”.
E é exato: existem milhares de casas derrubadas ou danificadas de modo grave ou moderado, porém as centenas de mortos (e suas centenas de dívidas. Quanto órfãos, por exemplo?) e as e os milhares de prejudicados ficam não apenas sem um refúgio material para viver, sem um lugar onde cozinhar, comer, banhar-se, descansar, onde guardar seus pertences, muitos deles perderam quase tudo, alguns sem o quase, e o que está quebrado é o mundo da vida. Quebra a economia, a vida familiar e comunitária, o tecido social, a ordem diária no qual nos orientamos para viver, para produzir e reproduzir nosso mundo humano.
No entanto, os furacões e as tormentas, os tremores e fissuras geológicas na Cidade do México (delegações Iztapalapa e Tláhuac) e os abalos sísmicos de 7 e 19 de setembro, com suas milhares de consequências, são apenas o golpe mais recente a uma sociedade mexicana devastada por quase 40 anos de neoliberalismo, ou seja, de destruição da produção social anterior, a qual teve seu momento menos ingrato para alguns no “Estado de bem-estar”, nos anos setenta.
O que as políticas neoliberais impostas pela ordem mundial reaganiana-thatcheriana fizeram no México foi destruir a economia nacional: destruir e devastar o campo mexicano e sua incipiente indústria (hoje é preciso importar quase tudo); expulsar população despojada, proletarizada do campo às cidades e do sul ao norte, inclusive aos Estados Unidos, sob formas de controle criminoso da migração de mão de obra; iniciaram uma guerra contra a população mexicana refletida na violência extrema contra as mulheres (feminicídios, violência estrutural e sistemática de gênero), contra as e os jovens (destruiu o “bônus demográfico” e agora a tendência é inversa: existe um futuro México de população anciã sem aposentadoria, pensões nem direitos sociais e uma menor população economicamente ativa); destruíram todos os direitos sociais, trabalhistas e, praticamente, também os direitos humanos elementares: direito à vida e à segurança pessoal, negando também a eficácia de nossos direitos políticos. Trata-se de uma implacável guerra violenta, armada e psicológica contra a população, violência que deixou milhares de mortos e centenas de desaparecidos, o empoderamento de poderes de fato criminosos sumamente agressivos e impunes. Além das mulheres e dos jovens, foram dizimados os povos indígenas e campesinos, as e os lutadores sociais e defensores e defensoras de direitos humanos, as e os comunicadores. Ou seja, parte do melhor das e dos nossos foi assassinado, removido ou forçado a ir para outros países buscar um horizonte de sobrevivência; e junto com o Estado e suas instituições, ao mesmo tempo em que este processo atacou severamente a população civil, devastaram o meio ambiente, colapsaram praticamente o sistema hídrico nacional e não é possível encontrar corpo de água doce não contaminado. Também entregaram parte do território nacional ao extrativismo criminoso de mineradoras canadenses e de outras capitais extrativistas.
Agora, as e os prejudicados todos, tanto os prejudicados pelos recentes eventos naturais (na realidade socioambientais) como as e os prejudicados de quase 40 anos de guerra do capital contra os povos e comunidades mexicanos (como conceituou acertadamente o zapatismo atual: guerra do capital contra a humanidade), têm que enfrentar a reconstrução não meramente de umas milhares de casas e patrimônio edificado que produziram gerações de trabalhadores e trabalhadoras, mas reconstruir nosso organismo social (e seu metabolismo povos-natureza): trata-se de reconstruir a economia-ecologia, o tecido social, as relações entre comunidades, grupos famílias, pessoas, gerações, e todo o mundo da vida: cultura, arte, ciências, práxis, ética, política (outra forma de fazer política que seja controlada democraticamente pelos governados e não pelos senhores do dinheiro e da guerra).
E além do esforço titânico que essa reconstrução de nosso mundo cultural-social-econômico-político exigirá, teremos que fazê-la contra o trabalho sistematicamente sabotador e colonizador do Estado mexicano que está totalmente entregue aos capitais. Teremos que conseguir sobrepondo-nos à força repressora de governos, forças armadas de diversos tipos (legais e não), corporações e megaempresas capitalistas.
Trata-se de voltar à lógica da produção social, aquela que possui como finalidade a vida humana e a vida em geral, a cultura humana, a civilização, frente à lógica da produção-destruição capitalista que em sua decadência se tornou uma espiral de destruição dos seres humanos e do planeta para explorar a lógica aterradora da “doutrina do choque”.
Da alvenaria até a poesia, da agricultura e da indústria até a educação, a ciência, a arte e o pensamento crítico, é preciso que tudo levante a partir de baixo e em aberta confrontação contra os megaprojetos de norte do poder.
O desafio é enorme, porém não podemos evita-lo, porque do contrário o futuro é de devastação socioambiental e, uma sociedade de escravidão e consumo de chucherías (consumo substituto).
O capitalismo só pode continuar sendo atrativo se renunciarmos à mais elementar consciência e consentirmos que permaneça serrando o caminho em que estamos parados.
Por agora, uma opção clara é somar-se à iniciativa dos povos indígenas autônomos organizados no Congresso Nacional Indígena: que o governo seja um governo autônomo, um autogoverno, mediante o Conselho Indígena de Governo. Superar a heteronímia de continuar subordinados à elite político-empresarial seria de grande ajuda para nos reconstruirmos como povos a partir de baixo, a partir da raiz.
*Resumen Latinoamericano.
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/10/11/mexico-la-reconstruccion-que-reconstruccion-cig-cni-ezln/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)