“A arte de nossos inimigos é desmoralizar, entristecer os povos. Os povos deprimidos não vencem. Por isso a gente vem combater pelo país alegremente. Nada grande se pode fazer com a tristeza.” Arturo Jauretche
A todos os que não somos Mendoza, Lovera, Machado, Zuloaga (sobrenomes da oligarquia venezuelana), nos golpeia esta guerra. Todos somos o seu objetivo, nenhum de nós pode evitar sê-lo. Não tem jeito: Venezuela está na mira dos donos e os venezuelanos, todos, salvo os Amos do Vale (Vale de Caracas), somos fichas descartáveis neste tabuleiro de guerra.
Depois de anos de loucas e violentas tentativas, onde alguém tinha que dar a cara, no final de 2012 os donos afinaram uma estratégia que vinham incubando há vários anos. Lembro a terça-feira 9 de outubro, lembro bem claramente porque voltava a minha casa depois de um mês de ausência, e tive que fazer supermercado para por minha cozinha em dia. Lembro meu assombro quando vi que em cada corredor do super tinha um trabalhador remarcando os preços das mercadorias. De domingo para terça tudo subiu quase o dobro. “E vai ficar pior!“ - disse-me com um sorriso sádico, achando-se parte da “grande família do dono”, o coitado assalariado que estava ajoelhado remarcando latas de atum, descaradamente.
E ficou pior... Nós já sabemos.
Vamos asfixiar a Venezuela, disseram os porta-vozes do Departamento de Estado, e bom, a Venezuela se asfixia asfixiando os venezuelanos. Isso não é difícil de entender, e menos agora, quando a todos nós está faltando o ar. É uma guerra cruel. Já sabemos como funciona, por outras histórias de outros países. Já conhecíamos de longe os efeitos que começamos a sentir de pertinho, na própria carne. É fodido saber o que vem e seguir acordando cada manhã com um sorriso e com esperança, mas não tem jeito: os povos tristes não vencem e os chavistas não têm outra opção que não seja vencer. Os chavistas sabem disso.
É fodido ver alguns companheiros caírem no caminho, é fodido vê-los nos apontando por nossa insistência de seguir andando pelo mesmo caminho onde uma vez nos encontramos. É fodido ver como alguns pretendem que sintamos vergonha por não cair derrotados, por não nos entregarmos, por sermos capazes de seguir lutando com toda a alma e seguir sorrindo... É fodido, mas faz parte do relatório de guerra.
Parece que a alegria é uma injúria, coisa que satisfaz os donos que nos tiram tudo para nos tirar a alegria. Porque é disso que se trata, de nos desmoralizar até o ponto de nos submergir na tristeza mais profunda: a desesperança. Os povos tristes não vencem e o chavismo é alegria. Essa é, e tem sido, nossa maior fortaleza.
Defender a alegria é vital nesta guerra e isto passa por inventar e celebrar cada invento, por pequeno que seja, como uma grande vitória, porque é. Porque na medida em que a gente se reinventa, a gente se aproxima do nosso objetivo. A alegria passa pelo descobrimento de novas capacidades, de novas possibilidades, de novas formas de fazer as coisas. Passa por comemorar cada subida de encosta. A alegria passa em cada gesto de solidariedade que nos aproxima, que nos fortalece. Passa pelo visível florescimento da inevitável organização efetiva das pessoas para resolver problemas comuns. Passa pela reflexão, pelo rearranjo e pelo desprendimento. Passa inclusive pelo menor, o mais insignificante, pelo cotidiano, o bonito, o inocente que persiste apesar das dores, inconsciente delas, por preservar essa pureza. Passa pela dignidade de ter coragem, de não te mostrar ferido frente a quem te quer destroçado em pedacinhos. Não cambalear frente a quem quer te ver derrubado. Passa, no individual, por ajudar a todos que puder, não como um ato de caridade masturbatória, mas sim como um ato de militância. Nesta guerra, não ajudar o outro é um crime de traição à Pátria.
Defender a alegria e expressá-la a todo gargalo, como canhonaços. Defender a alegria contra a vergonha que querem nos impor por sorrir em tempos de guerra. Defender a alegria impudicamente, amorosamente, às gargalhadas, sem pedir licença nem perdão. Porque os povos tristes não vencem e nós venceremos.
*Jornalista e escritora venezuelana
(Traduzido por Anisio Pires, com muito entusiasmo para ser lido pelo povo brasileiro que quer voltar a ser feliz)