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Diário Liberdade
Segunda, 02 Janeiro 2017 09:38 Última modificação em Terça, 10 Janeiro 2017 18:12

“Os princípios do povo cubano não são negociáveis” Destaque

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País: Cuba / Reportagens / Fonte: Diário Liberdade

[João Guilherme Alvares de Farias] Vladimir Lênin, importante dirigente revolucionário soviético, disse certa vez que a vitória da revolução socialista estaria assegurada unicamente quando os trabalhadores atingissem um grau suficiente de consciência, firmeza ideológica, abnegação e tenacidade [1], características estas que, ao que tudo indica, permanecem incorporadas pelo povo cubano e que nem mesmo a fatídica e desoladora morte do camarada Fidel Castro em novembro passado será capaz de extinguir. A entrevista a seguir, concedida por Michelle Dias, é uma tentativa de dimensionar o impacto da morte de Fidel para Cuba e para a América Latina.

Michelle Dias é assistente social e atuou no Centro de Defesa da Mulher Viviane dos Santos. Além de militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), compõe o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e o Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba.

DL: Em suas visitas a Cuba, quais foram as principais impressões a respeito da Revolução de 1959 e às alternativas criadas por aquele processo na sociedade cubana?

MD: Fui para Cuba duas vezes, todas como brigadista de solidariedade com a Ilha. Da primeira vez, minha percepção estava voltada para as diferenças entre Brasil e Cuba. Como fiquei em uma região rural, uma das primeiras coisas que pude perceber foi a ausência de cercas, não havia nada que demarcasse as terras, a não ser nos locais onde havia animais, mas isso foi esclarecido pelos cubanos residentes em Caimito (local onde está localizado o acampamento em que me alojei), as cercas existem em alguns lugares para que os animais não fujam para estrada, correndo o risco de serem atropelados e por ai vai.

Visitei o Museu da Alfabetização, um dos momentos mais emocionantes na primeira viagem a Cuba, ali foi o contato inicial com toda política educacional cubana que teve início ainda nos primeiros anos da revolução, e hoje de fato o analfabetismo foi erradicado. Existe em Cuba um grande número de pessoas com ensino superior, médicas/os, engenheiras/os, Agrônomas/os etc, todavia o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos à Cuba precariza muito a vida do povo cubano e muitos precisam trabalhar em outras áreas, pois não existe absorção de todos esses profissionais pela ilha.

Outra impressão que tive e pude constatar mais a fundo na segunda vez que estive em Cuba diz respeito ao espírito revolucionário do povo, que memora seus heróis e se orgulham do seu país, de viver em um lugar onde tem acesso gratuito à educação, saúde, arte, musica, cultura de modo geral. Cuba respira arte, respira cultura afrocubana e isso é fruto de um processo revolucionário que não teve medo de preservar suas raízes, muito pelo contrário, mantém viva a memórias dos grandes heróis nacionais como José Martí.

DL: Qual o peso da figura do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, e da sua influência para a América Latina?

 

MD: Fidel Castro tem um peso imensurável no cenário politico latino-americano e principalmente no cenário norte-americano, por representar a real resistência aos avanços imperialistas sob toda a América Latina.

Suas lutas ao longo da vida figuram bem esse lugar de líder. Um líder que sabe potencializar todos que o ouvem e o seguem. Assim foi durante o período das guerrilhas para derrubar Fulgencio Batista, assim se seguiu até os dias de hoje.

Sua fala acerca da solidariedade com os países mais pobres do mundo, foi umas das coisas mais lindas que pude ouvir, quando ele apontava que “Cuba não dá o que sobra, mas sim reparte o que tem”, esse é o espirito de luta e solidariedade do povo cubano, que sai das suas casas e vão para outros países, sem saber o que vão encontrar, mas vão, por acreditar de fato que devemos ser solidários.

DL: Na sua avaliação, qual o impacto da morte de Fidel para Cuba e como ela repercute no atual processo de “abertura” política e econômica do país?

MD: Ainda não consigo fazer nenhuma avaliação neste sentido. No entanto, Fidel demarcou seu posicionamento sobre a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos da América. Neste sentido, não acredito que sua morte represente uma “abertura” de Cuba para os EUA, porque os princípios do povo Cubano não são negociáveis, nunca vão aceitar perder sua soberania.

DL: A experiência revolucionária cubana representou um exemplo de oposição ao colonialismo e ao imperialismo norte-americano. Você acredita que a morte de Fidel e as atuais mudanças em Cuba podem vir acompanhadas de um retrocesso em relação a quase meio século de resistência?

MD: Como apontei acima, não acredito que a morte do Fidel represente um retrocesso na luta por soberania e concretização de um processo revolucionário socialista, claro que agora as investidas imperialistas norte-americanas vão aumentar. Creio, porém, que as manifestações que vimos na Praça da Revolução na despedida do camarada Fidel nos demonstra a força que a memória viva de Fidel tem, e por isso não acredito neste momento em retrocessos nas conquistas dos cubanos.

DL: Por fim, poderia nos dizer o que são as brigadas de solidariedade a Cuba e como elas funcionam aqui no Brasil?

DL: As brigadas, na verdade, surgem logo após o processo revolucionário cubano de 1959. Idealizadas por Ernesto Che Guevara, a princípio, funcionaram internamente. Eram brigadas compostas por engenheiros e médicos, por exemplo, que objetivavam reconstruir a Ilha. Quando a Revolução triunfa em solo cubano, muitos aristocratas, burgueses, fogem para Miami, destruindo grande parte dos seus patrimônios, os quais hoje, ao caminharmos em Cuba, percebemos que viraram moradia popular, moradia estudantil, mas que demandaram uma reconstrução, além, é claro, da construção de novos locais, na medida em que a Revolução de 1959 cuidou para que nenhum cubano ficasse desabrigado e sem perspectivas para viver na ilha, a despeito das dificuldades, sobretudo  decorrentes do bloqueio econômico que recaiu sobre o país anos após a vitória da guerrilha. Com o tempo, essas brigadas ganharam outra conotação no que diz respeito à solidariedade com a Ilha. Surgem, após o bloqueio econômico, brigadas de solidariedade a Cuba por todo o mundo. Nesse sentido, pessoas de diferentes países, regiões, viajavam para Cuba e lá trabalhavam voluntariamente, um trabalho voluntário não no sentido banal, voluntarista que conhecemos hoje, mas de forma solidária, a fim de reconstruir a Ilha dentro do sentimento criado pelo processo revolucionário. O bloqueio foi, assim, um os grandes motivadores para que aparecessem as brigadas. O Brasil, então, vê surgir suas brigadas de solidariedade. Num primeiro momento, a Brigada Sulamericana, na qual apenas os países ao sul da América Latina participavam, indo até Cuba. Lá na brigada, a gente fica num acampamento chamado Antonio Julio Meyer, que foi um nome importante no processo revolucionário, anterior a José Martí. Nesse acampamento, são desenvolvidos os trabalhos por nós, brigadistas, inicialmente no campo. Em seguida, são realizadas atividades culturais de intercâmbio, palestras e afins. Tudo isso acontece também na Brigada 1º de Maio. O que diferencia uma da outra é que a Brigada Sulamericana tem como primordial momento a Marcha das Tochas, ato que comemora o nascimento de José Martí, enquanto que a Brigada 1º de Maio dedica-se precipuamente ao desfile de 1º de maio. Entretanto, o programa realizado e idealizado pelo Instituto Cubano de Amizade com os Povo – ICAP costuma ser semelhante para todas as brigadas. Então, as brigada proporcionam, para além desse espaço de trabalho nos campos, na zona rural cubana, que se conheça os principais locais que marcaram a Revolução Cubana, como por exemplo o Museu da Revolução, a Casa de José Martí. Todas as brigadas costumam ir até o mausoléu  do Che, que fica em Santa Clara e abriga os restos mortais tanto de Guevara como de Tânia, além de outros guerrilheiros que caíram na Bolívia. Também em Santa Clara, há um trem blindado que se tornou um museu e foi o ponto crucial do processo revolucionário de 1959. Nesses locais, portanto, ocorre o intercâmbio entre brigadistas de diversos países. Outro ponto refere-se ao fato de que a Brigada 1º de Maio, por ser uma brigada internacional e abrigar pessoas de diferentes partes do mundo, acaba por ser mais ampla que a Brigada Sulamericana, já que esta conta apenas com pessoas de países do Sul da América Latina. O objetivo das Brigadas é que conheçamos a realidade do povo cubano, por isso também é que nos acompanham camaradas da UJC e da Federação dos Estudantes Universitários – FEU, Federação de Mulheres Cubanas, e a Central Sindical Cubana, além dos CDRs (comitês de defesa da revolução), todas frentes são importantíssimas para o processo revolucionário. A partir dessa interação, passamos a entender melhor a realidade do povo cubano e como o processo revolucionário permanece firme ao longo desses anos, por intermédio dessas frentes e pelo Comitê Central do Partido Comunista Cubano, que é o responsável por interligar essas frentes.

É importante enfatizar que as brigadas ocorrem nos meses de janeiro a fevereiro e de abril a maio. Nós, do Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba, temos o cuidado de conversar anteriormente com as pessoas que querem ir, já que, por exemplo, a Brigada Sulamericana tem um número limitado de vagas. Esse ano, em São Paulo, tivemos apenas 9 vagas, o que demandou fosse feita uma seleção prévia. Todo ano essa seleção ocorre no mês de agosto e aqui no Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba foi estabelecida uma formação para os brigadistas para que as pessoas tivessem um contato antecipado com a história cubana, as atividades lá realizadas, as regras do acampamento e do Instituto Cubano de Amizades com os Povos – ICAP. A ideia da formação é tentar levar nossa vivência, de quem já esteve em Cuba, antecipadamente à viagem que farão. Até porque, no que diz respeito aos custos, de fato, a viagem pelas brigadas acabam custando menos, pois o valor repassado ao ICAP já contém gastos com alimentação e transporte.

*João é estudante (ProUni) de Direito da PUC-SP, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD).

Notas:

[1] V. I. Lenin: Acerca de la Grand Revolución Socialista de Octubre, 1976, p. 99.

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