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Diário Liberdade
Quarta, 03 Agosto 2016 17:35 Última modificação em Segunda, 15 Agosto 2016 01:20

Isabel Rei Samartim, guitarrista galega: "A música não escapa à narração dos dominadores" Destaque

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País: Galiza / Cultura/Música / Fonte: Diário Liberdade

Isabel Rei Samartim (1973) nasce na Estrada (Galiza). Titula-se no Conservatório Superior de Música da Crunha, na especialidade de Guitarra, instrumento do qual é destacada intérprete. Como reintegracionista e ativista social integrou a Sociedade Cultural Marcial Valadares da Estrada, a Sociedade Astronómica da Estrada (SADE) e o coletivo Assembleia da Língua (AL).

Isabel Rei Samartim (1973) nasce na Estrada (Galiza). Titula-se no Conservatório Superior de Música da Crunha, na especialidade de Guitarra. Estuda com os maestros David Russell, Thomas Müller-Pering (Hochschule für Musik «Franz Listz» Weimar, Alemanha) e com outr@s grandes intérpretes. É premiada em diversos concursos da Espanha e da Itália e convidada a festivais na Itália, Galiza e Portugal. Estreou obras de vários compositores e realizou concertos em diversos países europeus e o Brasil. Trabalha como professora no Conservatório Profissional de Música de Santiago de Compostela, atividade que trata de combinar com os recitais e as pesquisas sobre a música galega para guitarra. Publicou o Cancioneiro de Marcial Valladares "Ayes de mi país" junto com José Luís do Pico Orjais (Dos Acordes, 2010); Suite Rianjeira (Barbantia, 2010); Suite Céltica (Atas do Congresso Os Celtas da Europa Atlântica, Narão 2011); Proel e o Galo. Poesia e Prosa Galega Completa de Luís G. Amado Carvalho (Edições da Galiza, 2012). Em 2014 lança o disco A Viola no Século XIX: Música de Salão na Madeira, patrocinado pelo Governo Regional da Madeira. Participa regularmente em encontros portugueses de relacionamento com Galiza como o Congresso da Cidadania Lusófona (Lisboa), o Festival da Cultura Lusófona (Portalegre) ou o Munda Lusófono (Montemor-o-Velho). Recentemente visitou Sever do Vouga (Aveiro) para participar na sessão de encerramento do Festival Guitarras Mágicas.

Como reintegracionista e ativista social integrou a Sociedade Cultural Marcial Valadares da Estrada, a Sociedade Astronómica da Estrada (SADE) e o coletivo Assembleia da Língua (AL). Em 2007 ajudou a constituir a Associação Cultural Pró Academia Galega da Língua Portuguesa, entidade encarregada da fundação e organização da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) em 2008, da que é académica fundadora, e desde 2011, sócia do seu patronato. Trabalhou na candidatura da academia para integrar, na modalidade de Observador Consultivo, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). É sócia da Associação Internacional 'Colóquios da Lusofonia' (AICL) que promove encontros anuais com participação galega. Colaborou no processo de recolha de assinaturas da Iniciativa Legislativa Popular Valentim Paz-Andrade, aprovada em marzo de 2014 no Parlamento Galego e publicada em abril desse ano como Lei para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia. Entre 2012 e 2016 coordenou a Equipa de Dinamização da Língua Galega (EDLG) do conservatório compostelano. Escreve regularmente no Portal Galego da Língua (PGL). Tem colaborado no blogue português A Viagem dos Argonautas, na revista brasileira Identidades e em jornais em papel como o Novas da Galiza.

O Diário Liberdade entrevistou Isabel:

isabel reiDiário Liberdade - A música clássica é percebida como elitista, mesmo frequentemente em contraposição à música popular. Por que?

Isabel Rei Samartim - Porque a construção de sentido até agora tem sido obra das elites. A música não escapa à narração da sua história por parte dos dominadores. O que entendemos por "música clássica" é, na maior parte, música de outras épocas e quase sempre doutros países diferentes ao nosso. Temos de decidir se assumimos o discurso da elite, se nos é suficiente com essa explicação macdonalizada da música, ou se decidimos encontrar-nos com ela de uma maneira mais autêntica. @s chamados grandes da música clássica costumaram ser pessoas humildes: Bach era um escravo que foi preso até cumprir um contrato, Mozart e Beethoven eram gente pobre que passou fome na sua vida. Isso sem esquecer o machismo da narração elitista. Desde Cristina de Pisano até às irmãs Boulanger, passando pelas Bárbara Strozzi e Clara Schumann, as mulheres tiveram de fazer-se a si mesmas, lutando contra tudo e contra todos para construir um espaço como mulheres e músicas. Elas também fazem parte disso que conhecemos como música clássica.

DL - Como podemos colocar a Galiza no mundo e uni-la com os seus pares através da música clássica?

IRS - A Galiza ocupa o seu lugar quando dialoga com aquelas partes do mundo que nos interpelam diretamente e por isso a língua é um espaço fundamental e um mapa orientativo. No âmbito da música popular nunca houve cisões quanto à consciência galego-portuguesa e sua extensão à música brasileira e africana. Mas a música erudita, refém das elites, cortou o cordão umbilical com tudo o que não fosse espanhol. Agora essa ligação na música clássica deve retomar-se com iniciativas e intercâmbios. Tenho amigos galegos a darem aulas em conservatórios portugueses. Eu sou sócia do Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa (MPMP) e tenho gravado um disco com música da Madeira (A viola no século XIX: Música de salão na Madeira) graças às pessoas e instituições que se interessaram em fazer essa gravação em parceria com entidades galegas.

DL - Qual é o panorama atual da música clássica galega?

IRS - Tem melhorado a respeito dos últimos anos, o que não significa que a música clássica galega tenha uma vida saudável. Intérpretes somos muit@s, mas somos pouc@s as que nos dedicamos à interpretação aprofundada da nossa música. Compositores temos, mas pouc@s realizam um trabalho de criação baseado fundamentalmente na nossa música. A pesquisa musical desenvolve-se no voluntarismo mais comovedor, com todas as despesas por conta d@s pesquisadores. É certo que isto não é exclusivo da música clássica, toda investigação musical sai-lhe grátis ao governo do nosso país.

Nas aulas a música galega ainda é uma anedota que o professorado leva para adornar o agora chamado Dia das Letras, ou para "completar" um programa, mas não como parte fundamental da formação do músico. A música não escapa ao seu contexto, se na Galiza falta pôr em valor quase tudo, na música galega acontece o mesmo.

Por desgraça, o facto de termos duas magníficas orquestras sinfónicas não tem incentivado como devera o interesse pela música sinfónica galega. No âmbito dos grupos de câmara as programações integrais de autoras galegas são quase inexistentes. Sofremos as consequências de não termos formado uma escola adequada às características da nossa música. Algo se tentou com a criação da jovem orquestra de Galiza nos '90, mas costuma acontecer que as cousas interessantes na nossa terra não acham continuidade.

DL - Entre outros, tens trabalhado em países lusófonos. Qual a recepção do teu trabalho?

IRS - Nos últimos anos toco em Portugal e Brasil a música galega para guitarra que vou descobrindo nas minhas pesquisas que são quase sempre trabalhos coletivos a envolverem muitas pessoas. A música dos Valladares, do morracense Santos Sequeiros, do ourensano Gutierrez Parada, arranjos de música popular, a nossa música patrimonial e histórica para guitarra tem soado do Alentejo a Florianópolis. A música galega é muito bem recebida nos cenários lusófonos porque lhes diz respeito, de alguma maneira dialoga com eles, será pela nossa forma de tocar ou pela própria música, que tem algo que @s inspira.

DL - A música é a tua atividade profissional, mas também participas na Academia Galega da Língua Portuguesa. Qual é o espírito que suporta essa iniciativa?

IRS - Fundamos a AGLP em 2008 com a ideia inicial de ocupar o espaço académico que as instituições ditas democráticas desde a chamada Transição negaram ao reintegracionismo galego. A saída da RAG de Carvalho e de Marinhas em 1990 era um sintoma do apartheid que avançava e se consolidava nos âmbitos académicos oficiais. O movimento reintegracionista tinha sido sistematicamente afastado dos centros de poder, reprimido desde as instituições, e mantinha-se na reivindicação de rua, no associativismo, nos centros sociais. Cientes de que toda transformação tem de abranger todos os espaços sociais sem excluir nenhum deles, a criação da AGLP, a nossa tão arrogante quanto rebelde autonomeação como académic@s significava um passo à frente no campo de batalha da construção de sentido académico que estava nas exclusivas mãos dos isoladores. O projeto era organizar uma candidatura acreditada para integrar como entidade galega a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). E a isso, entre outras cousas, nos dedicamos entre 2008 e 2011. Por desgraça a política conservadora portuguesa não nos ajudou e após quatro anos de duro trabalho diplomático a candidatura passou à lista de espera, sendo superada por países como a ditadura da Guiné Equatorial em que não se fala nenhuma modalidade da nossa língua.

DL - Como leitora do Diário Liberdade, recentemente recebemos o teu apoio na campanha de financiamento 2016. Quais os motivos que te encorajaram a apoiar?

IRS - O Diário Liberdade é um meio popular, feito por galeg@s, que introduz na Galiza notícias e colaborações com outros países lusófonos. Acho estremamente importante acompanharmos os assuntos de Portugal, entender o conflito no Brasil, saber das opiniões em Angola e Moçambique, ler artigos sobre Timor Leste, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. É fundamental para situarmo-nos no mundo desde as nossas coordenadas próprias e para sairmos do mormaço isolacionista a que nos condena tanto o centralismo espanhol quanto o ultranacionalismo galego. As notícias e colaborações em português de outros países introduzem um modelo de língua interessante para nos familiarizar com ele, por isso a vocação internacionalista do Diário Liberdade ajuda muito à normalização da língua. E ainda mais, a abordagem das notícias costuma ser inteligente, contribui à formação de pensamento ativo e crítico. Acho imprescindível manter alternativas num momento em que os meios de comunicação convencionais são desconfiáveis quase ao 100%, pois estão nas mãos de grandes empresas com interesses muitas vezes contrários ao jornalismo, as quais não têm reparos em perturbar a fidelidade nas informações ou impedir as perspetivas dissidentes se prejudicam os seus interesses financeiros e políticos. Perante o jornalismo de baixa qualidade, gosto das iniciativas autênticas e livres como o Diário Liberdade.

nu com guitarra isabel rei

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