empregadores que tenham submetidos pessoas à condição análoga à de escravo – conhecido como a ”lista suja do trabalho escravo”. A decisão, de caráter liminar, atendeu a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que denunciou a omissão do poder público.
A divulgação da ”lista suja” foi suspensa em dezembro de 2014, quando o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido de liminar de uma associação de incorporadoras imobiliárias que questionava a constitucionalidade da lista. Contudo, após a publicação de uma nova portaria interministerial (número 4, de 11 de maio de 2016), com mudanças em critérios de entrada e saída do cadastro, a ministra Cármen Lúcia levantou a proibição.
Desde então, o ministério poderia divulgar uma nova atualização da lista, mas não o fez.
Criada em 2003 pelo governo federal, a ”lista suja” é considerada pelas Nações Unidas um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil e apresentada como um exemplo global por garantir transparência à sociedade e um mecanismo para que empresas coloquem em prática políticas de responsabilidade social.
Rubens Curado Silveira, juiz da 11a Vara do Trabalho de Brasília, afirmou em sua decisão que ”há mais de uma década, esse cadastro vem se destacando entre as medidas relevantes no enfrentamento do tema, em perfeito alinhamento aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência”. O não cumprimento impõe multa diária de R$ 10 mil, entre outras medidas cabíveis.
Também citou no embasamento da liminar concedida a recente condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter agido para prevenir a submissão de trabalhadores à escravidão pela fazenda Brasil Verde, localizada no Pará, nem na garantia de Justiça às vítimas (ler mais sobre isso aqui).
”Esse foi o primeiro caso decidido pela CIDH [Corte Interamericana] sobre escravidão e tráfico de pessoas, o que acabou por colocar a República Federativa do Brasil no ”banco dos réus” do plano internacional. Nesse cenário, revela-se ainda mais preocupante a omissão atacada, pois sinaliza um retrocesso injustificado no trato do tema em uma quadra da história em que o Estado brasileiro deveria, em resposta à condenação que lhe foi imposta, redobrar os esforços em busca da extinção definitiva do trabalho escravo em seu território, o que pressupõe a adoção de todas as medidas de ‘caráter jurídico, político, administrativo e cultural’ necessárias, a abarcar a publicação, tal como previsto na referida Portaria, do Cadastro de Empregadores”, afirmou o juiz na liminar.
De acordo com o procurador do Trabalho Tiago Cavalcanti, que está à frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho e foi responsável pela ação civil pública que levou à liminar, ela foi o último recurso possível. ”A obrigação do Ministério do Trabalho em divulgar os nomes dos empregadores que exploram o trabalho escravo decorre de compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil em âmbito internacional, os quais impedem retrocessos nos passos já trilhados em prol da erradicação da escravidão contemporânea”, afirma.
”É uma política de Estado que independe de valores ideológicos e partidários, não podendo haver solução de continuidade. Além do mais, a Lei de Acesso à Informação determina expressamente que a Administração dê ampla divulgação ao resultado de inspeções e auditorias, de modo que a negligência do Ministério do Trabalho representa uma ilegalidade em si.” O número da ação civil pública é 0001704-55.2016.5.10.0011.
Coincidentemente, também foi publicada, nesta segunda (19), no Diário Oficial da União, a portaria 1429, de 16 de dezembro, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, instituindo um grupo de trabalho para discutir novas regras sobre o cadastro de empregados responsabilizados por trabalho escravo. O grupo contará com órgãos do próprio ministério, com outras áreas do governo federal, como a Casa Civil e a Advocacia Geral da União, entre outros, e com o Ministério Público do Trabalho, representações patronais e sindicais.
O blog não conseguiu uma posição do Ministério do Trabalho. Tão logo consiga, atualizará este post.
Em meio ao plantão do recesso de final de ano de 2014, o Supremo Tribunal Federal garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a ”lista suja” do trabalho escravo – o cadastro de empregadores flagrados com esse tipo de mão de obra. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que a inclusão na lista suja era realizada sem o direito de defesa dos autuados.
Os nomes permaneciam na ”lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público. O cadastro, criado em 2003, era um dos principais instrumentos no combate a esse crime, e citado como referência mundial pelas Nações Unidas.
Em sua decisão, Cármen Lúcia afirmou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 5.209, proposta pela Abrainc, perdeu o objeto após a publicação de portaria interministerial que resolveu – segundo ela – questionamentos feitos sobre a lista.
”Não se há de desconhecer que os pontos questionados na peça inicial da ação foram sanados na Portaria superveniente e revogadora daquela outra pelo que também por isso não se sustentaria eventual argumento quanto ao indevido seguimento da presente ação”, avaliou a ministra, hoje presidente do STF.
A portaria interministerial número 4, de 11 de maio de 2016, que recriou o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo, foi assinada no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff. Nela, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de empregadores. A inclusão na ”lista suja” passará a depender da aplicação de um auto de infração específico para condições análogas às de escravo. Até agora, a caracterização poderia ocorrer também através de um conjunto de autos de infração, demonstrando a existência de trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva – o que deve facilitar a defesa dos empregadores.
Ao mesmo tempo, foi criada a possibilidade de uma ”porta de saída”. Até agora, o empregador inserido no cadastro permanecia por, pelo menos, dois anos, e sua saída – após esse prazo – dependia da regularização de sua situação junto ao Ministério do Trabalho e da melhoria das condições no seu estabelecimento.
A partir da nova portaria, o empregador que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo judicial com o governo federal, adotando uma série de condicionantes, permanecerá em uma espécie de ”área de observação” do cadastro, com as empresas flagradas, mas que estão atuando na melhoria de seu negócio. Essa área também será divulgada. Cumprindo as exigências, poderão pedir sua exclusão dela partir de um ano. E, se descumprirem o acordo, serão retiradas da observação e remetidas à lista principal.
Na sua decisão, Rubens Curado Silveira determinou que o governo federal ofereça a possibilidade de acordo a todos os empregadores que forem ser relacionados na nova lista. O juiz marcou audiência para tentativa de conciliação entre as partes para o dia 24 de janeiro de 2017.
Durante a suspensão da lista, este blog solicitou e divulgou, em parceria com a Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne empresas para combater esse crime, um conteúdo muito próximo da ”lista suja” caso ela estivesse em vigor.
Considerando que a ”lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, foi demandado – com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) – que obriga quaisquer órgãos do governo a fornecer informações públicas – e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 – que o governo brasileiro enviasse um conteúdo próximo do que seria divulgado pela lista. Novas solicitações foram feitas a cada seis meses, prazo de atualização da ”lista suja” original, e o resultado por amplamente divulgado.
Tanto a portaria antiga quanto a nova portaria que regulamentam a ”lista suja” não obrigam o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
A sociedade brasileira depende de informações oficiais e seguras sobre as atividades do Ministério do Trabalho na fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa.
Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.