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Sábado, 07 Janeiro 2017 09:22 Última modificação em Segunda, 09 Janeiro 2017 19:04

Presídios privatizados da Umanizzare mantêm o caos no sistema prisional

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País: Brasil / Repressom e direitos humanos / Fonte: Pastoral Carcerária

Como a maioria das unidades prisionais brasileiras, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), encerrou 2016 superlotado, com 1.224 presos, 170% acima da capacidade de 454 vagas, e começou 2017 como notícia em todo país, com uma rebelião que culminou na morte de ao menos 56 pessoas, em cenário indescritivelmente terrível.

Inaugurado em 1982 como colônia agrícola para receber pessoas em regime semiaberto, com o tempo o Compaj se tornou um presídio comum e na primeira década dos anos 2000 se tornou um presídio privatizado, no modelo de cogestão. Até meados de 2014 era gerido pela empresa Auxílio Agenciamento de Recursos Humanos e Serviços Ltda.

Em março 2013, o Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, visitou a unidade prisional e constatou que as “maravilhas” prometidas pelo modelo privatizado não aconteciam na realidade. “A população carcerária no presídio ultrapassa a capacidade: há 936 presos, mas a estrutura foi projetada para comportar 432 pessoas. A alimentação dos presos é ‘quarteirizada’ à empresa DPT Alimentos. Promotores e juízes realizam visitas trimestrais ao local, mas não têm contato com os presos. Há quatro salas de educação, mas a Secretaria de Educação ainda não deu início às aulas”, consta em reportagem publicada no Site da PCr à época, quando também foi relata a falta de colchões nas celas, carências no atendimento médico e ausência de kits de higiene e roupas de banho para os encarcerados.

A partir de junho de 2014, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim passou aos “cuidados” da Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda, que à época prometia “empregar diversas práticas e ações já desenvolvidas em outras unidades prisionais geridas por ela e que amenizam a condição de cárcere do detento”, como descreveu a empresa em seu site.

No entanto, o que se viu ao longo do tempo, foi o aumento do encarceramento, precariedades na assistência jurídica aos presos e mais denúncias de maus tratos a que os presos estavam sendo submetidos, comprovando a falácia de que os presídios privatizados são capazes de “humanizar” o tratamento dado às pessoas presas: ou seja, o custo do preso para o estado é ainda mais caro que em uma unidade prisional com administração estatal e não há “ressocialização”. Aliás, “ressocialização” é inviável em qualquer modelo de prisão.

Mas como trabalha a Umanizzare?

Conforme dados levantados pela Pastoral Carcerária em 2015, a Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda era responsável por oito unidades privatizadas nas regiões Norte e Nordeste do país.

Nas eleições de 2014, a empresa doou R$ 750 mil para candidaturas ligadas à bancada da bala, bancada esta que tem impulsionado diversos projetos de lei cuja consequência imediata é o aumento da população prisional, e o consequente aumento do potencial de lucro das empresas que gerenciam presídios.

Em 2014, a Pastoral Carcerária lançou o documento “Prisões privatizadas no Brasil em debate”, no qual fez um mapeamento da atuação das empresas que administram as prisões no país. A Umanizzare não respondeu ao questionário enviado pela Pastoral para que descrevesse sua forma de atuação.

No entanto, foi possível entender a forma de trabalho da Umanizzare a partir da conversa feita no estudo com os gestores da Unidade de Tratamento Penal de Barra da Grota (TO), gerida pela empresa na época do estudo.

O estudo mostrou que a Umanizzare não preza pelo mínimo de capacitação de seus funcionários. “A contratação do Agente da Empresa Umanizzare se dá pelo interesse da pessoa, que envia o currículo para a Empresa, a psicóloga da empresa analisa, uma vez que é aprovado o currículo, a pessoa é chamada para uma entrevista. Aprovada na entrevista, é contrata e dá inicio à formação. A formação é feita pelo Estado, um curso de 30 dias”, diferentemente do que acontece com os agentes penitenciários do Estado de Tocantins, que são concursados, têm plano de carreira e passam por um treinamento inicial com a duração de cem dias, além de outros cursos de atualização. A formação exigida pela Empresa Umanizzare para ser agente penitenciário é do segundo grau completo.

Na época do estudo, a Unidade de Tratamento Penal de Barra da Grota contava com dois agentes penitenciários concursados, 33 policiais civis, 24 policiais militares e 154 funcionários da Umanizzare – um advogado (para uma população de 460 presos à época), 118 agentes penitenciários, 3 assistentes sociais, 6 auxiliares de serviço geral, 1 dentista (20h/semanais); 1 enfermeiro, 1 médico clínico geral, 3 motoristas, 1 gerente operacional, 1 pedreiro; 1 professor; 1 pedagogo, 2 psciólogos, entre outros.

Um dado preocupante é que de 2012 a 2014, 40% dos funcionários da empresa na unidade prisional haviam sido substituídos. No mesmo período, 18 foram afastados por suspeita de corrupção, por suposta facilitação para a entrada de materiais proibidos para os presos.

Com relação ao direito das pessoas presas de terem atendimento jurídico, o relato que segue consta no relatório de visita da equipe da Pastoral Carcerária em 8 de janeiro de 2014 na Unidade de Tratamento Penal de Barra da Grota.

“Encontramos presos que estão há mais de nove meses na unidade sem contato com advogado. O procedimento para ser atendido é escrever um bilhete, entregar para o agente penitenciário e este entrega para a Defensora Pública. A Defensoria Pública tem uma escala e vai chamando pela ordem de solicitação. A reclamação é a dúvida se realmente os agentes penitenciários entregam o bilhete à Defensora Pública e sobre o fato de eles somente conversarem com a Defensoria no dia do julgamento, no fórum, minutos antes de entrarem na audiência. Os advogados da empresa só podem realizar os trabalhos da própria empresa. Houve reclamações dos advogados particulares em relação aos advogados da empresa, por estes estarem dentro da unidade e os particulares terem de enfrentarem toda a burocracia da unidade para terem acesso aos seus clientes”.

Chamou a atenção, também, o fato de todos os presos preferirem estar em um presídio do Estado e não naquele privatizado. E por quê? “A resposta foi a mesma: ‘Aqui a repressão é maior. Não temos nenhuma liberdade. A nossa família passa por uma revista muito mais rigorosa que nas unidades do Estado. Aqui o que a família pode trazer para nós é muito limitado, tanto em quantidade quanto em variedade. Aqui até a visita íntima é mais rara e curta. O kit higiene é de material de baixa qualidade, gostaríamos de ter outro tipo de sabonete, de pasta de dente, a família não pode trazer. Gostaria de ter outra comida, a família só pode trazer bolacha e torradas. A assistência à saúde é muito ruim. No mês passado morreu um preso por falta de atendimento. Ele estava passando mal, pedindo para levarem ao hospital, só levaram quando ele não aguentava mais e morreu’. Esta informação sobre a morte de um preso doente foi confirmada pelo diretor. ‘Não podemos enviar cartas e nem receber. A empresa nos dá duas folhas de papel e uma caneta, aí, se queremos escrever, temos que pedir para os nossos familiares levarem, eles não nos dão envelope para pôr a carta no correio. Aqui o preso não pode receber sedex e nem carta. O preso que não tem família na cidade, não tem como receber qualquer ajuda da família’”.

Contra a privatização do Sistema Prisional

Toda a prisão é local de dor, sofrimento e torturas, portanto não há modelo ideal nem modelo humanizado. Seja estatal, PPP ou cogestão, prisão é prisão, e a realidade segue mostrando o que ela promove: mais violência.

Assim, a Pastoral Carcerária não defende nenhum modelo de sistema prisional, e denuncia a transformação da liberdade e da violência em objetos de lucro por meio da privatização do sistema carcerário. A privatização das cadeias significa a expansão de um sistema torturador, o aumento do encarceramento, maiores gastos dos cofres públicos, maior precarização das condições trabalhistas para as/os funcionárias/os e a manutenção das violações de direitos das pessoas presas e suas famílias. "Juntamente com outras organizações da sociedade civil e com a CNBB, nos opomos a qualquer medida privatizadora das prisões. A Pastoral Carcerária reforça seu posicionamento de contrariedade a qualquer modelo de encarceramento e anseia e luta por um mundo sem prisões".

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