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Diário Liberdade
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Sábado, 23 Dezembro 2017 17:10 Última modificação em Sábado, 06 Janeiro 2018 21:42

Antropólogo lança documentário seriado 'No Presídio', sobre as condições das pessoas nas cadeias brasileiras

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País: Brasil / Resenhas / Fonte: Diário Liberdade

Thales Santos ficou uma semana em Bangu infiltrado há dois anos, e há dois meses repetiu a experiência, agora não como infiltrado mas sim como antropólogo, em outra prisão de Roraima. Fruto dessa experiência, chega este seriado documentário e o artigo a seguir:

[Thales Santos] Já passou da hora de entendermos melhor o que acontece dentro dos presídios. O que a maior parte da sociedade sabe sobre as pessoas que vivem lá é que: “Cadeia não ressocializa ninguém” “Cadeia é universidade do crime” “Bandido bom é bandido morto” “Preso mata e rouba e agente ainda tem que sustentar aqueles vagabundos” “tá com dó, leva pra casa”. Essas informações não nos ajudam a avançar e o Brasil só tem subido o ranking dos países com o maior número de presos, atualmente em 3º, atrás dos Estados Unidos (1º) e da China (2º).

Não há estratégia melhor do que a empatia para conhecer a realidade de outras pessoas e buscar caminhos para entender os vários mundos. Se colocar no lugar dx outrx significa saber ouvir e respeitar cada palavra que essa nova realidade te apresenta, aceitar e não questionar. Eu sempre quis conhecer mais a fundo sobre os caminhos de uma pessoa que cometeu um crime na sociedade e sobre a forma como o Estado a trata. Tive a oportunidade de ficar 7 dias preso em Rondônia, para poder mostrar pra todo mundo que nossa luta pelo respeito ao ser humano e sua dignidade não pode excluir ninguém. Se não for por todes, não será por nenhum. 

É impossível dizer que não senti medo. Desde o momento em que disse que topava participar eu já imaginei milhares de situações de perigo que poderiam ocorrer comigo. Cada vez que se aproximava do dia do encarceramento a ansiedade e o frio na barriga aumentavam. Eu não tinha ideia do que aconteceria comigo e de como seria toda a experiência, o meu maior medo era no momento em que eu estivesse com os presos no banho de sol. Dentro da cela ou com os agentes eu esperava que a presença das câmeras e da equipe de produção seria uma proteção, isso me deixava mais tranquilo. Outra coisa que nos ajudava era o fato de estarmos lá pela AfroReggae Audiovisual, um nome que carrega um histórico forte de apoio a egressos do sistema prisional. Contudo, ao entrar no sistema percebi que essa proteção não era necessariamente verdade, se os presos precisassem, eles poderiam sim nos usar como reféns. 

Os presos me receberam muito bem. Em diversos momentos eu fiquei com vergonha do medo que senti deles. Eu me lembro especificamente de um momento em que me colocaram trancado com um preso dentro de um camburão e fecharam todas as grades e portas, era só eu e o preso ali dentro. O preso estava doente e reclamando com o agente que queria sair dali rápido, sua voz era bem agressiva. Eu senti minha respiração mudar e não conseguia me mexer, com medo de alguma reação negativa. Sempre buscava ter um contato visual e uma fala de aproximação, nesse momento eu pedi desculpas por estar deixando o espaço ainda menor e disse que rapidinho sairíamos dali. Eu me lembro que ele disse que estava “de boa” e já mudou o semblante me perguntando o meu artigo (crime) que me colocou ali. Naquele instante eu fiquei muito tranquilo percebendo que o preso tinha me identificado como alguém que estava ali como aliado e não contra ele. Essa foi a chave que me possibilitou ter coragem e estar em todos os lugares em que eu estive. Em todos os momentos em que eu estava sem a “proteção das câmeras” e da equipe, eu buscava esse contato de empatia. 

A principal dica que me deram para não ter problemas dentro do sistema era sempre ser sincero. E fiz questão de ser, inclusive em dizer que eu não havia cometido crime, mas que estava ali enquanto preso para passar tudo o que um preso passava. Eu não sei se todos entendiam muito bem o que estava acontecendo, inclusive os agentes. Muitos achavam que eu era um criminoso sendo acompanhando por uma equipe de reportagem, e isso foi fundamental para que eu de fato tivesse a experiência de\ um preso. Eu me lembro que em vários momentos em que tínhamos que sair do presídio, por algum motivo, eu sempre era um dos últimos a sair e em algumas vezes os seguranças da portaria me questionavam quem era o agente que estava me acompanhando e não me deixavam sair do presídio. 

O pior momento de todos e que nunca vou me esquecer foi quando eu tive que assumir minha sexualidade para os presos que estavam me acompanhando. Aqui, do lado de fora, isso não é mais problema pra mim. Mas ali dentro, infelizmente é um espaço com regras extremamente machistas e homofóbicas, muitos homossexuais precisam ir para o “seguro”, uma cela especial para onde vão os presos ameaçados de morte pelos outros presos: homossexuais, pessoas que denunciaram outros criminosos, pessoas que cometeram crimes sexuais, pessoas de facções rivais e parentes de policiais. Quando contei que era gay foi perceptível como o clima na cela mudou e os presos começaram a justificar porque eu deveria ser tratado diferente, não poderia compartilhar mais os utensílios com eles, por exemplo. Foi o pior momento.

Já o momento de maior descontração e de maior alegria foi quando eu acompanhei o Caio entregando as marmitas dentro do presídio. Ele me mostrou com toda sua humildade sua visão sobre o sistema prisional, ele queria pagar aquilo que devia a sociedade e sair dali pra seguir sua vida. Ele não estava no crime, por questões que não conseguiu fugir ele cometeu um ato que o colocou ali dentro. Mas isso não fazia dele um monstro ou de nenhuma pessoa que estava ali. Lembro muito bem quando ele me explicou que o que assistíamos na TV sobre presos arrancando corações e cortando a cabeça de outros presos não era uma questão de escolha, mas de sobrevivência. Qualquer pessoa que estivesse ali estaria submetida a fazer o mesmo. Não era uma questão de ser ruim ou ser bom.  

Para quem assistir a série, será uma experiência de muito aprendizado, muitas reflexões não só do sistema prisional, mas da sociedade como um todo. Será uma importante aula para compreendermos nossos privilégios e nos ajudar a entender que julgar as ações das outras pessoas sem conhecer sua realidade não nos leva a lugar nenhum. 

Acho que as pessoas podem esperar um mundo completamente novo do que estão acostumadas, é de fato um ambiente de violência, tristeza mas também de criatividade e luta. Haverá cenas muito fortes, mas muito importantes. A série tem o todo 7 episódios e foi ao ar no Multishow na sexta-feira, dia 21 de Dezembro. Não perca.

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Biografía
(Belo Horizonte, Brasil, 1987), Thales Santos é docente de Sociologia e Filosofia em escolas particulares e públicas da cidade de Belo Horizonte. Militante dos Direitos Humanos por meio de grupos como a Frente Autonoma LGBT (BH), Prepara Nem (RJ) e de outros coletivos LGBTs. Trabalha na área social desde os 14 anos de idade, atuando principalmente como professor em cursinhos populares preparatórios para o ENEM e em oficinas que debatem temas relacionados aos Direitos Humanos para jovens cumprindo medida de internação no Sistema Socioeducativo. co-e Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Instagram @santosethales Facebook facebook.com/santosethales
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