No primeiro volume da Suma Teológica, São Tomás de Aquino faz-nos uma admoestação: quando a lei se afasta da justa razão, não tem mais o caráter de lei, mas de violência (tradução livre).
Poderíamos ter infindável querela sobre a “justa razão”, mas creio não haver dúvida que ela não deve ser criadora de miséria física e moral, de opressão, de fome nem de migrações compulsórias.
A lei que rege nossos tempos é da concentração de bens e rendas, da disputa selvagem, desumana, do canibalismo social, a lei do neoliberalismo.
O neoliberalismo serviu para o financismo se apossar do controle do mundo capitalista. E, com o fim do mundo socialista, simbolicamente representado na queda do muro de Berlim (1989), o capitalismo financeiro, a banca, não só dominou a economia, mas a política, as comunicações, a academia e as leis.
Alguns ingênuos ou pouco afeitos à reflexão imaginam que a “corrupção pandêmica” é uma criação partidária, de governos tucanos ou petistas que procuraram construir, respectivamente, uma sociedade à feição da banca ou da cidadania.
Confrontemos a lei da banca com a construção da cidadania, observando uma qualidade, nunca assaz louvada, tomada como específica do capitalismo: a liberdade. Quase ao mesmo tempo que o Brasil formalmente extinguia a escravidão racial, o Papa Leão XIII editava (1891) a encíclica Rerum Novarum, que vinha “remediar o mal voraz da usura, acudir operários indefesos contra a desumanidade da desenfreada ambição pelos ganhos” (uso expressões da Encíclica sem me afastar dos conteúdos).
O que é liberdade para os senhores neo ou paleoliberais? Apenas o direito irrestrito à posse e ao gozo do possuído? Não estaríamos diante da falsa lei tomista?
Nestes difíceis anos do século XXI, temos observado, aqui e por toda parte, um surto de atrocidades, ora diretamente conduzidas por governos ora por eles incentivadas ou subrepticiamente planejadas e financiadas. Exemplo deste último caso foi o golpe de 2016 no Brasil.
O domínio da banca nas comunicações de massa leva à distorção dos fatos, à criação de falsas ideias e à deturpação de conceitos. Alguns exemplos: o Estado Islâmico foi criação da política externa dos Estados Unidos da América (EUA) como instrumento da banca para destruir governos e conjunto de riquezas, especialmente decorrentes do petróleo, nos países do norte da África e do Oriente Médio que se rebelavam com as ordens emanadas do sistema financeiro internacional. Surgem então as “armas de destruição de massas”, a designação de “ditador” para o líder capaz de manter a “unidade territorial Líbia” ou o desenvolvimento econômico e social da Síria. Enquanto as ditaduras da península arábica são convenientemente esquecidas, como o foram, a seu tempo, o cruel e corrupto Pinochet, Stroessner e outros “aliados”.
Desde a primeira eleição de Lula, a mídia da banca, praticamente a única no Brasil, procura construir-lhe a imagem de corrupto. Este feito levou Getúlio Vargas ao suicídio, João Goulart à deposição violenta, à inviabilidade de Leonel Brizola chegar à presidência nacional. E todos estes políticos tiveram várias vezes vasculhadas suas vidas, por peritos nacionais e estrangeiros, por organismos e empresas de espionagem e auditoria que jamais encontraram um único senão, como o que o juiz Moro procura, com os mesmos apoios, em Lula, com idêntico resultado. E, por favor, respeite minimamente sua própria inteligência, não me atribuindo um petismo ou lulismo que não tenho, nem jamais tive. Já em relação aos golpistas que se distribuem pelo atual governo .
Olhemos nossa realidade sem o manto diáfano da fantasia global.
O que poderá fazer do Brasil um país rico para todos seus habitantes, soberano em suas decisões e respeitado entre as nações é ser um país composto de cidadãos. Não por artifícios legais, afastados da justa razão.
Para a construção da cidadania, onde a liberdade seja efetiva e para todos, é necessário a denominada condição objetiva, isto é a independência que decorre da não sujeição a interesses particulares, pois ao interesse público todos devem se curvar.
Esta condição objetiva, que dá a igualdade participativa a todas as pessoas, tem três componentes indispensáveis: renda mínima, educação e saúde.
Renda mínima é aquela que o Estado proporciona a todo cidadão para sobrevivência pessoal e familiar. É o antônimo de miséria e condição básica de liberdade e possibilidade de autoestima. Educação não é um correr curricular importado de teorias pedagógicas. É a valorização dos saberes e sua sistematização e transmissão, e, obviamente, a construção de habilitações de toda ordem: técnicas, artísticas, esportivas, sociais. E saúde são o saneamento, as medidas preventivas, a educação de higiene e todo esforço para evitar a doença. A doença numa sociedade cidadã é a exceção, busca-se a saúde.
A estas condições objetivas a cidadania inclui as denominadas condições psicossociais, que formam pessoas conscientes das diferenças e diversidades de raça, gênero, culturas, ideologias. E aprendem a respeitá-las.
Por fim a cidadania inclui a política, o dever e a condição de expressão dos cidadãos sem favores, pois os veículos de comunicação social lhes abrem espaço permanente e sem censura. Cidadania é liberdade.
Os governos Lula e Dilma, sem apresentarem a organicidade como aponto, com os programas de Bolsa Família, com o SUS, Minha Casa Minha Vida, as novas Faculdades e as Secretarias e Ministérios para área psicossocial estavam ajudando à construção da cidadania. Faltava, lamentavelmente, a condição política, da comunicação social. Mas era verdadeira agressão à banca que só sabe lidar com escravos, capitães do mato e, eventualmente, mordomos.
Tirar a máscara da banca é revelar o horror que se instalou no Brasil, nem mais um País, senhores militares, mas na famosa e perfeita expressão de Gustavo Barroso: uma colônia de banqueiros.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.