Alguns mentecaptos, há alguns anos, diziam que o futebol fora uma criação dos comunistas, porque visava o coletivo em detrimento à individualidade. Talvez João Saldanha concordaria com as maluquices proferidas por esse grupo reacionário.
Jogador por pouco tempo do Botafogo, se aposentara das chuteiras por causa de ininterruptas lesões.
Contudo, seu futuro inebriante seria mesmo atrás das quatro linhas, como técnico.
Em 1957, João Saldanha – o João Sem Medo, alcunha dada por Nelson Rodrigues – recebera um convite abrupto, treinar a Estrela Solitária – primeiro e único clube a dirigir. Sua inexperiência fora sucumbida por sua compreensão inequívoca do futebol. Naquele mesmo ano, 57, fora campeão carioca com o Botafogo sobre o Fluminense, uma incrível goleada de 6x2.
Um respeitado e irreverente jornalista, crítico da europeização do futebol brasileiro, contumaz crítico da Seleção, que, em uma campanha vexatória, em 1966, conseguira uma única vitória, sobre a Bulgária, 2x0 (ofuscado pelas derrotas contra Hungria, 3x1, e Portugal, mesmo placar).
Em 1969, recebera uma proposta no mínimo insólita de João Havelange, presidente da CBD (hoje CBF), sob a batuta da ditadura empresarial-militar, já em vigor com o AI-5. Treinar a Seleção Canarinho, que sofria com críticas ácidas por parte da imprensa, inclusive de Saldanha.
Ficou-se claro, posteriormente, que sua contratação à frente da seleção fora uma tática conjunta entre CBD e a ditadura para diminuir a crítica noticiosa à Seleção brasileira.
Pois bem, Saldanha contava com dois perniciosos problemas, com os quais se mostrara saber lidar. Primeiro, reverter a imiscuição dos generais de plantão na Seleção, à época, Médici; Segundo, reverter o vexame da Seleção de 1966.
Comparável a monstros como Bill Shankly (o majestoso ex-treinador do Liverpool, do qual Saldanha era um admirador), fez uma campanha fenomênica nas eliminatórias à Copa do Mundo de 1970, no México. 6 vitórias, 23 gols feitos e somente 2 sofridos. Destaque para Tostão, artilheiro com 10 gols.
Brasil avançava à Copa do Mundo no México, com ânimos renovados e um time de feras, Os Feras de Saldanha, como fora apelidada.
As maquinações por detrás das cortinas decidiam o futuro – mais do que incerto, desde o princípio – de João Sem Medo.
Médici, na sanha de agradar Minas Gerais, queria a convocação de Dario Maravilha, Saldanha, por sua vez, manda um aviso ao gatuno-General, "o presidente escala o ministério dele, e eu escalo o meu time".
Esse fora o efúgio à demissão do Comuna-Treinador João Saldanha.
A uma semana do início das festividades da Copa do Mundo, Saldanha é, pela última vez, intimado por Havelange. “Convoca o Dario, Saldanha!”, Saldanha é lacônico ao responder que, se o convocasse, estaria a avacalhar-se. Não se avacalhou.
Foi demitido. Em seu lugar fora posto um técnico conservador, o velho Zagallo.
Soube-se depois que os jogadores, liderados pelo zagueiro Brito, estavam a preparar uma reprimenda e um pedido de retorno de Saldanha, com exceção, é claro, do “amigo negro da caserna” Pelé. A ação dos jogadores fora demovido pela mulher de Saldanha, Tereza Bulhões, que expressou a inocuidade e perniciosidade da ação.
Copa do Mundo de 1970, Brasil consagra-se tricampeão, sem grande trabalho de Zagallo, pois o espírito de João Sem Medo pairava sobre o verde e amarelo dos Canarinhos. Mérito total à proa de jogadores e, sem olvidar, de João Saldanha, o antológico.
Inquirido por um repórter esportivo sobre a dissolução de sua comissão técnica, João Sem Medo, com sua mordacidade crítica, responde: "Dissolvido? Eu não sou sorvete pra ser dissolvido"
João Alves Jobim Saldanha nasceu em 03/07/1917, em Alegrete, Rio Grande do Sul. Militou durante toda sua vida no PCB (Partido Comunista Brasileiro), da fase adulta à morte. Faleceu nove dias após seu aniversário de 73 anos, 12/07/1990, em Roma, Itália, cobrindo a Copa do Mundo da Fifa, na qual o Brasil amargou um 9º lugar.
Centenário de João Saldanha, o comunista do PCB que dirigiu a Seleção Brasileira de Futebol.