As pesquisas mostram com clareza que, apesar dessa cruzada contra ele, Lula segue encabeçando a opinião pública com uma ampla margem (Folha de S. Paulo, 2017). A guerra desencadeada contra sua pessoa, que chegou ao extremo de qualificá-lo como “comandante de uma organização criminosa” (The New York Times, 2017), faz parte de um fenômeno muito preocupante na atualidade, que é a judicialização da política, ou seja, a utilização das plataformas judiciais e espaços midiáticos, para dirimir controvérsias e competências que antes se davam nos cenários democráticos.
Esta guerra jurídica é liderada por juízes e fiscais que atuam como protagonistas midiáticos de “poderes fáticos”, atores da sociedade civil (grupos econômicos, organizações não-governamentais internacionais, conglomerados de comunicações, agências de classificação de risco, etc.) que estão intervindo na política, sem ter nenhuma responsabilidade nem se submeter a controle institucional de seus atos (CLACSO, 2018). A análise que se faz aqui, sobre as violações flagrantes do direito ao devido processo do ex-presidente brasileiro, prova de maneira evidente que se trata de um preso político, e que o objetivo de sua prisão é impedir que exerça seu direito a ser eleito de novo como presidente dos brasileiros.
Essa preocupante revisão deve levar a uma reflexão muito mais profunda sobre o papel que pode e deve desempenhar a justiça em uma democracia, os limites que têm suas alianças com os meios de comunicação e os perigos que a estabilidade democrática enfrenta diante dos “governos dos juízes” que se estão abrindo caminho em vários países do mundo.
As violações mais evidentes ao devido processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são as seguintes:
1. Acusações sem provas
Até o momento não ficou provada nenhuma participação direta de Lula nos delitos pelos quais é acusado. No expediente de seu processo não aparece nenhuma transação financeira, conversa telefônica, nem documentos que sustentem ações criminosas. Como o fato, muito publicitado em certos meios de comunicação, da suposta compra de um apartamento em que jamais habitou, registrado em uma escritura no nome da construtora OAS que reconheceu ser sua proprietária. A lei brasileira tipifica o crime de corrupção como uma permuta, ou seja, um intercâmbio de “algo” (Código Penal, 1940). Esse “algo”, no caso de Lula, nunca apareceu no acervo probatório que seus investigadores dirigem.
2. Provas obtidas ilegalmente, portanto, falsas
Provas obtidas de forma ilegal, inválidas em todos os sistemas penais, têm estado configurando, com a ajuda de algumas mídias inimigas do ex-presidente, uma suposta culpabilidade sua por ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro e corrupção. Como bem destaca uma análise profunda compartilhada por dezenas de advogados de todo o mundo e algumas centenas de intelectuais, o caso Lula demonstra que “se tornaram perigosamente banais as prisões por mera suspeita; as conduções coercitivas declaradas sem base legal; as criminosas filtrações de dados e a exposição da intimidade dos investigados; a invasão não regulada das comunicações pessoais, inclusive as dos advogados; o cerceamento da defesa em procedimentos ocultos; as denúncias e sentenças baseadas em acusações negociadas com os réus e não na produção lícita de provas” (Comitê de Defesa da Democracia, do Estado de Direito e do ex-presidente Lula, 2016).
Destaca-se o caso do delator Leo Pinheiro, quem, depois de ter sido condenado a 26 anos de prisão, aceitar testemunhar contra Lula em troca de alguns benefícios. Apesar de sua declaração ter sido refutada por outras 73 testemunhas, o juiz Sérgio Moro a validou como o único testemunho credível.
3. Violação do princípio de presunção de inocência
Diante da falta de provas, o juiz Moro recorreu a colaboradores informais, delações premiadas e imputações por “responsabilidades de contexto” que violam o princípio universal sobre a presunção de inocência, pois todo o cidadão é inocente até que se prove o contrário. Lula foi considerado culpado desde o começo do processo e lhe foi exigido que provasse o contrário. Nesse sentido, caracterizar os atos do ex-presidente como crimes sem uma base fática razoável e estabelecer sua responsabilidade sem o respeito pela índole objetiva do julgador, inverte o princípio universal da presunção de inocência. Ou seja, que para seu caso Lula é considerado culpado a menos que prove que é inocente.
4. Lula não está sendo julgado pelo juiz certo
O longo processo demonstrou que Sérgio Moro não é seu juiz encarregado, porque não está provada a vinculação de Lula ao caso Lava Jato, que é de atribuição do juiz que reivindica conhecimento de sua competência. O próprio Moro admitiu não ter jurisdição direta sobre o ex-presidente. Adicionalmente, após dois anos de investigação, em que foram mobilizados mais de 300 agentes do Ministério Público, não conseguiram encontrar as provas que vinculem Lula com o processo do qual pretendem convertê-lo em protagonista e responsável.
Salvo especulações midiáticas, não existem provas contundentes de sua culpabilidade, a qual foi mais divulgada e menos provada do que a famosa história do “sequestro longamente anunciado” de Gabriel García Márquez. O mesmo juiz Moro que o vinculou ao processo é quem o investiga e julga. Circunstância que evidencia sua obsessão em provar que sua imputação inicial, amplamente difundida pela mídia inimiga de Lula, tinha os fundamentos dos quais até hoje carece. Moro atuou como juiz e parte no caso Lula, outra violação grave do devido processo.
5. Manifesta parcialidade do juiz. Prevaricação
Em múltiplas ocasiões, o juiz Moro se pronunciou de maneira pública e antecipada sobre o conteúdo de suas decisões. Com claros propósitos políticos, uma funcionária ligada ao caso Lava Jato chegou a classificar Lula de “chefe de uma poderosa organização criminosa” para poder criminalizá-lo (Roxin, 1972), assim como seu partido, o instituto que leva seu nome e todos os que o rodeiam.
O presidente do Tribunal Regional Federal, que conheceu a impugnação da primeira instância, antes de conhecer seu conteúdo, manifestou publicamente que a sentença que chegava a suas mãos era “tecnicamente irrepreensível”, o que configura outra clara prevaricação (O Estado de S. Paulo, 2017). O relator do mesmo tribunal pulou uma longa lista de 257 processos em turno para analisar o processo de Lula, e demorou apenas seis dias para preparar uma apresentação desfavorável em um processo contido em milhares de páginas.
Quando esse mesmo tribunal solicitou a Moro a condução coercitiva contra Lula, demorou apenas 19 minutos para proferi-la. E quando ele, invocando suas garantias constitucionais, questionou e denunciou em apelação o “eficiente” comportamento, o juiz Moro classificou sua petição como produto de “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico”. Essas formas de pré-julgamento estão consagradas no ordenamento penal como crime de prevaricação definido por Cesare Beccaria como “processos ofensivos nos quais o juiz, no lugar de atuar como investigador imparcial da verdade, se torna inimigo do acusado” (Beccaria, 2015).
6. Violação do direito à intimidade em exercício da legítima defesa
Com a ajuda dos meios de comunicação contrários a Lula, sua causa se converteu em um espetáculo midiático onde lhe investigam, julgam e condenam através da mídia nacional e internacional. Nem sequer nos momentos mais dolorosos, como o da morte de sua esposa, respeitaram seu direito a se defender em sua intimidade. Tampouco o de fazê-lo publicamente, nos mesmos veículos e da mesma maneira que seus inimigos faziam para persegui-lo.
Investigações policiais, fiscais, inspetores, se lançaram, sem conseguir, a encontrar provas contra o ex-presidente. Nenhum de seus familiares mais próximos e colaboradores se livraram da caçada: parentes, ex-funcionários, trabalhadores do Instituto Lula foram acossados midiaticamente na busca de provas e indícios que o comprometessem. Suas viagens internacionais foram examinadas de maneira meticulosa para saber os temas que abordou [em suas palestras], os pagamentos obtidos e as pessoas que assistiram a suas conferências.
Lula falar no exterior sobre segurança alimentar e suas exitosas políticas para a erradicação da pobreza, que beneficiaram 50 milhões de brasileiros despossuídos, configura um crime? Ao contrário, no governo do maltratado presidente, o Brasil entrou na lista dos países mais dinâmicos do mundo.
As comunicações pessoais, incluindo as de Lula com seus advogados, que em matéria de garantias processuais são sagradas, foram interceptadas e seus conteúdos filtrados, de maneira estratégica, para prejudicá-lo. O magistrado Teori Zavaski do Supremo Tribunal Federal se mostrou contra semelhante procedimento. Apesar desse acosso, a prova máxima contra Lula não apareceu por uma única e simples razão: não existe.
7. Constrangimento
Como consequência dessa falta de garantias, o julgamento de Lula tem estado rodeado de permanentes ameaças e atos de constrangimento como a condução, inconstitucional e forçada a declarar, mediante a utilização massiva da força pública quando Lula já havia anunciado seu desejo de fazê-lo de maneira voluntária. Seus carrascos precisavam desse espetáculo! O constrangimento midiático tem se dirigido também a juízes, testemunhas e outros protagonistas desse caso.
Uma investigação estabeleceu que entre dezembro de 2015 e agosto de 2016 os principais diários do país e o telejornal nacional de maior audiência veicularam 2.539 notícias sobre Lula. Delas, 72%o desqualificavam, 26% podiam ser consideradas neutras e apenas 2% lhe eram favoráveis (Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Algumas dessas ameaças podiam chegar, inclusive, a colocar em perigo a segurança pessoal do ex-presidente. Nas vésperas de se proferir a decisão sobre a aplicação do Habbeas Corpus, o Comandante-geral do Exército do Brasil afirmou que “o Exército não toleraria nenhuma impunidade”. Ao que ele estava se referindo, especificamente? A que não aceitariam uma sentença que favorecesse o ex-presidente? Se isso não é pré-julgar, o que é então?
8. Normas pré-existentes
Lula foi julgado com normas que não existiam quando seu caso foi aberto e com tipos penais ajustados para sua situação particular que quebram o princípio da irretroatividade das normas penais desfavoráveis e a aplicação universal das que o favorecem. O juiz Moro sustenta que, por ser inédita a Operação Lava Jato, dentro da qual o julga sem ter vinculação com ele, também o são as regras e normas aplicadas.
Essa “exceção judicial” dentro do Estado de Direito que se criou ao redor do caso Lula liga o alerta sobre a fragilidade das garantias de qualquer cidadão brasileiro para ser julgado objetivamente.
A sentença condenatória do ex-presidente o acusa de ter cometido “crimes indeterminados de corrupção”, através de “atos oficiais”, sem precisar tipo de delitos nem ações criminais. Tão perigosa justificativa viola princípios universais, segundos os quais ninguém pode ser julgado por condutas não tipificadas previamente ao cometimento dos atos de cuja ação é acusado (Global Scholars for Brazilian Democracy, 2018). Apesar da clara condenação que o Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas proferiu contra as práticas do poder judicial aqui relatadas para o caso de Lula, processo manteve seu fio condutor para um propósito imodificável: declará-lo culpado.
Uma magistrada do tribunal explicou que, se se tivesse tratado de uma interpretação constitucional em abstrato do mesmo direito que assistia ao ex-presidente, ela teria votado a favor da preservação do direito. Mas se tratando do “caso específico” de Lula, decidiu votar contra ele. Conclusão: a lei que favorecia sua liberdade era constitucional para todos os cidadãos, menos para Lula.
9. O direito à segunda instância
Na prática, Lula não teve o benefício universal de uma segunda instância, na medida em que as mesmas se esgotaram se maneira tendenciosa e antecipada. A sinistra estratégia do juiz Moro, que consiste em converter uma causa pessoal em um julgamento político tramitado em cenários midiáticos e não nas plataformas judiciais, é por todos bem conhecida.
Epílogo
As claras violações ao devido processo contra o ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, o convertem em um preso político cuja liberdade deve ser, portanto, declarada de maneira imediata. Com razão o manifesto mundial em sua defesa destacou que “nenhum líder político brasileiro teve sua intimidade, suas contas, seus movimentos tão investigados, em uma verdadeira conspiração contra um cidadão, faltando com respeito aos seus direitos e negando-lhe a presunção de inocência” (Comitê de Defesa da Democracia, do Estado de Direito e do ex-presidente Lula, 2016).
No caso de Lula foram permitidos todos os pressupostos sobre os quais se move o conceito universal do direito ao devido processo, como parte das conquistas democrático-liberais mais importantes em matéria de direitos humanos alcançados nos últimos dois séculos. Por trás do desconhecimento de seu direito ao devido processo como extensão do golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff, subjaz a pretensão das elites brasileiras de impedir, a todo o custo, que o ex-presidente e o seu partido voltem ao governo para continuar abrindo os espaços sociais que hoje começam a se fechar e que elas percebem como ameaça.
Como bem assinala o professor Luigi Ferrajoli, um dos pais do garantismo jurídico contemporâneo: “É inegável o nexo que une os dois presidentes artífices do extraordinário progresso econômico e social do Brasil: a falta de fundamento legal para a destituição de Dilma e a campanha judicial contra Lula que faz de sua convergência uma operação antidemocrática” (Ferrajoli, 2018).
Aos caçadores não importa se Lula é ou não culpado: eles precisam que seja para tirá-lo do leque de possibilidades políticas. Sabem que Lula corre contra o tempo. Se através da judicialização política do seu caso conseguirem impedir que se inscreva nos próximos dias – ainda que nada o impeça de fazê-lo –, a institucionalidade democrática brasileira receberá um duro golpe que condicionará a legitimidade do Estado nos próximos anos. Se, pelo contrário, as centenas de amigos que o presidente tem a nível internacional conseguirem converter essa denúncia sobre a violação de seu direito ao devido processo em uma causa que viabilize sua eleição como presidente do Brasil, se terá dado um passo decisivo na consolidação da democracia no mundo e na reivindicação da justiça como parte dela. Em síntese:
Lula inocente!
Lula livre!
Lula presidente!
Bibliografia:
Beccaria, C. (2015). Tratado de los delitos y de las penas. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid.
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Comité de Defensa de la Democracia, el Estado de Derecho y el expresidente Lula. (2016). Manifiesto. Un Brasil justo para todos y para Lula, 1, 8, 20. Brasil: Comité de Defensa de la Democracia, el Estado de Derecho y el expresidente Lula.
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Ferrajoli, L. (26 de Enero de 2018). Una agresión judicial a la democracia Brasileña. Recuperado el 10 de 07 de 2018, de elcohetealaluna.com: https://www.elcohetealaluna.com/una-agresion-judicial-a-la-democracia-brasilena/
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Global Scholars for Brazilian Democracy. (29 de Mayo de 2018). Lula da Silva é um preso político. Lula livre! Recuperado el 30 de 06 de 2018, de Change.org: https://www.change.org/p/to-supporters-of-democracy-and-social-justice-throughout-the-world-lula-da-silva-is-a-political-prisoner-free-lula
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