Tendo nascido de uma ampla articulação nacional e internacional para destituir uma presidente eleita e legítima, o golpismo que tipifica o governo Temer forçosamente dispensa o diálogo com a sociedade civil. No caso, especificamente com os professores e os estudantes.
Aspectos que marcam essa contrarreforma já eram ventilados durante o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Porém, como se tratava de um governo eleito, expressão da vontade soberana dos eleitores, após questionamentos do professorado, foram engavetados.
O ensino de espanhol desconsiderado e a disciplina de inglês, acompanhada de português e matemática, será obrigatória. Nada mais natural para um governo ilegítimo e reacionário que está reorientando as relações externas do país.
Um nefasto alinhamento automático com os Estados Unidos, uma clara e vulgar depreciação das relações estabelecidas com os países sul-americanos, correspondem a medidas em curso. O sonho da participação brasileira na construção da Pátria Grande Latino-americana, momentaneamente congelado.
A disciplina de educação física também perde o caráter obrigatório. Provavelmente, tal iniciativa sinaliza para maiores desinvestimentos públicos no ensino médio. A experiência pemedebista no Rio de Janeiro deve ter ensinado ao golpista Temer: concentração da oferta de ensino à noite, não havendo espaço para aquela disciplina.
O turno integral é aventado no projeto de contrarreforma, mas é bastante plausível que se trate apenas de um princípio abstrato, para “não ficar feio”, sem aplicação prática.
Do ponto de vista da correlação entre economia e educação, de todos os governos das últimas décadas, talvez esse presidido por Temer seja o mais coerente. A contrarreforma do currículo do ensino médio torna nítida tal coerência. Um governo coerente com a visão de um Brasil meramente fornecedor de matérias-primas e recursos energéticos para os gringos.
Nas últimas décadas o país foi desindustrializado – hoje o setor responde por apenas 10% do PIB. O que restou é praticamente controlado pelo capital estrangeiro.
Os empregos gerados são, basicamente, voltados às áreas de telemarketing, vendas e atendimento em lojas de shopping, serviços domésticos. Nada disso demanda educação de qualidade e adensada. Nada disso requer formação de pessoal com capacidade de criação.
O que o país precisa em termos de composição tecnológica maior está, há muito, comprando de fora. De modo que é coerente essa contrarreforma do ensino médio aprovada na calada da noite, sem debate público, para atender às aspirações da burguesia vende-pátria e das corporações multinacionais, que seguramente abocanharão maiores fatias orçamentárias da União e dos estados, com o incremento da deterioração do ensino público.
Alguns partidos mais discretamente, outros como o DEM, o PSDB e o PMDB mais aberta e despudoramente, todo o sistema político apoia a condição dependente e subalterna do Brasil na divisão internacional do trabalho. As esquerdas sequer mencionam o tema. Ninguém questiona. A questão nacional abandonada. Então, infelizmente, não sabemos sequer onde pisamos e o que queremos de verdade.
Enquanto isso a educação e a juventude ficam a pagar o pato da indignidade neocolonial, notadamente nesse governo espúrio que pretende turbiná-la, atar-nos a ferro e fogo ao subdesenvolvimento.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
Blog do autor http://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva