Sem dúvida, contribuíram para esse resultado a política de valorização real do salário mínimo, levada a cabo ainda no primeiro mandato do governo Lula, e os programas sociais, como Bolsa Família e ProUni. Claro que nisso tem papel fundamental a estabilidade econômica experimentada pelo país até meados de 2013, quando o Brasil passa a ser diretamente afetado pela crise global financeira deflagrada em 2008.
Desde o final do segundo mandato do governo Dilma, porém, vivemos o completo esgotamento das condições econômicas que forneceram as bases para o pacto entre o petismo e a burguesia. As últimas eleições municipais demonstraram a derrota do programa democrático-popular e o consequente avanço dos tradicionais partidos ultraconservadores, cujos políticos constituem parte orgânica do setor financeiro, com especial atenção ao PSDB, PSD e PMDB.
Nesse contexto de derrocada do PT, que culminou no golpe institucional, parlamentar e midiático de Dilma Rousseff, entrou em cena Michel Temer e sua equipe composta por aquilo que há de mais putrefato na política nacional, como os ministros José Serra e Alexandre de Moraes, além de rentistas, banqueiros e empresários ligados ao agronegócio.
Num cenário marcado por forte instabilidade econômica a nível mundial, os cortes com gastos sociais iniciados ainda em 2014 e a política de criminalização das lutas sociais avançaram de maneira descomunal nos últimos quatro meses.
A invasão policial à Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) no último dia 04, o assassinato do estudante Guilherme da UFG, a ocupação do Congresso Nacional na quarta-feira (16) por manifestantes que pediam por intervenção militar e as medidas parlamentares e judiciárias de desmonte dos direitos sociais constituem elementos de uma mesma realidade condicionada pelas contradições da sociabilidade capitalista num momento de profunda crise econômica em que cada vez mais pretende-se esvaziar os instrumentos estatais de promoção social para, em seu lugar, implementar um estado policialesco e repressor – contra os pobres, é claro –, daí resultando chacinas como a de Osasco e Barueri e, mais recentemente, a que derivou na morte de cinco jovens na Zona Leste de São Paulo.
Para coroar o período atual, o Ministro Henrique Meirelles e o Presidente golpista em exercício Michel Temer pretendem aprovar, no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 (número na Câmara dos Deputados) / 55 (número no Senado), que institui um teto aos gastos públicos da União.
Após um luxuoso e caro jantar fornecido pela presidência [1] – que anda extrapolando os gastos com o cartão de crédito corporativo [2] – a PEC 241 foi aprovada em dois turnos. Enviada para o Senado, membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania já se manifestaram pela inconstitucionalidade da proposta. Em seu parecer, o Senador Roberto Requião (PMDB), além das violações ao texto e à ordem constitucional, aponta para o fato de que a “PEC afetará os grupos sociais mais vulneráveis, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais e para a não efetivação do direito à saúde e de outros direitos sociais no país” [3].
Dentre outros tantos absurdos, a PEC extingue o limite mínimo de repasse de 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro para a saúde e dos 18% para a Educação, além de prever como punição ao Poder (legislativo, judiciário ou executivo) que deixar de observar os limites a impossibilidade de concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, como o ProUni.
As dificuldades do momento atual colocam a necessidade de conformar um bloco de lutas em torno do socialismo. A construção do Poder Popular está na ordem do dia e passa por iniciativas como a realização de um encontro capaz de reunir a classe trabalhadora rumo à greve geral. Barrar o retrocesso social em andamento está nas mãos da nossa classe.
O direito de greve, de fato, se coloca como derrota para a classe trabalhadora [4]. Todavia, na medida em que o próprio Poder Judiciário brasileiro passa a romper com os termos do contrato impostos pela regulamentação da greve [5], abre-se, novamente, a greve enquanto fato político apenas, isto é, extingue-se a necessidade dos trabalhadores de observar os termos do "contrato". Adeus ao direito de greve!
A Greve Geral é o meio pelo qual conseguiremos barrar os ajustes em curso no Brasil. Trabalhadoras e trabalhodres de outros países caminham no mesmo sentido, como no Uruguai e na Argentina.
É papel da organização revolucionária da classe trabalhadora atuar na apresentação das concepções dos valores da sua classe, antecipando-se na construção de um terreno para as transformações revolucionárias: “é muito difícil determinar a linha que separa o velho que caduca do novo que germina [...]. As eras não começam de uma vez, nossos avós já viviam em um novo tempo e nossos netos ainda viverão, talvez, o velho. Nos momentos de passagem, de transição, as consciências captam contraditoriamente esse momento e os indivíduos repletos de sonhos novos, por vezes, perecem “às margens do amanhã” [6].
*Texto escrito para o jornal O Puri sob o título "As condições da classe trabalhadora na conjuntura atual e a alternativa socialista". Publicado no Diário Liberdade com alterações.
**João Guilherme A. de Farias é estudante de Direito (ProUni) da PUC-SP, coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
[1] Após jantar milionário de Michel Temer, PEC 241 deve ser aprovada http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/apos-jantar-milionario-de-michel-temer-pec-241-deve-ser-aprovada.html
[2] Governo Temer bate recorde de gastos com cartão corporativo http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/11/governo-temer-recorde-gastos-cartao-corporativo.html
[3] Voto em separado proferido pelo Senador Roberto Requião
[4] Bernard Edelman. A Legalização da Classe Operária, Boitempo, 2016
[5] STF: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=328294
[6] Mauro Iasi em “Ensaios sobre Consciência e Emancipação”, Expressão Popular, p. 44.