Que é Cultura que Une? Como nasceu a ideia? Quem a integra e quem participa?
‘Cultura que Une’ é uma associação cultural que pretende continuar o labor de reencontro entra a Galiza e o Norte de Portugal que na década de 1920 iniciaram as personalidades mais salientes da cultura galego-portuguesa. Vultos da literatura, do pensamento e da política como Teixeira de Pascoaes, Leonardo de Coimbra, Hernâni Cidade, Santos Júnior, Vicente Risco, Johan Vicente Viqueira, Fermín Bouza Brey,…
A ideia nasceu ao retomar, e redesenhar um velho projeto denominado GALLAECIA, que entre os anos 1990-1992 se desenvolveu em concelhos do Alto Tâmega (Chaves, Montalegre, Boticas, Ribeira de Pena, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar) e da «província» de Ourense (Alhariz, Cela Nova, Riba d’Ávia, Ginzo, Verim e Ourense).
Mas a integração de Ourense e, especialmente, Chaves em o Eixo Atlântico, e as “peculiares” dinâmicas de este lobby fez que os promotores do projeto “invernassem”. Mas também é certo que deixou pegadas de profunda amizade que permitiram realizar atividades pontuais. Edição de livros como Cambedo da Raia, participação em seminários como Galaicos nas fontes orais, organização de exposições (alguma delas com certa periodicidade em espaços como a Taberna Faustino de Chaves), as contínuas relações da Fundação Vicente Risco com entidades académicas e outras instituições e associações, pessoas da intelectualidade e da cultura de base portuguesas, são algum dos exemplos.
A constatação da ineficácia do “lobby” Eixo Atlântico em trabalhar na base. Mesmo quando se tratou em Ourense os atos relacionados com a capitalidade cultural do Eixo Atlântico, vivemos com certa preocupação a inoperância na construção da Euro-Região. Uma conversa em Alhariz e posteriormente em Ourense com o amigo o Prof. Dr. Norberto Cunha, animou a recuperar, e alargar, o velho projeto de 1990 e desenhar novas estratégias em que contamos com colaboração de velhos e de novos amigos, que desde há mais de um ano estamos a trabalhar para consolidar um projeto em que todos acreditávamos antes de nos conhecer.
Integram «Cultura que Une» pessoas, associações, pequenas empresas, alguma Câmara Municipal. A Associação já está legalizada na Galiza e em fase de legalização em Portugal (onde os requisitos e o procedimento administrativo são muito mais complexos) Consideramos que tal integração passa pela confluência de todos estes elementos. As relações entre pequenas empresas são fundamentais para consolidar mercado. E o trabalho destas com os agentes culturais, imprescindível. O apoio das instituições permite oficializar. E sem as pessoas, nada existe.
Que pensa ou que sentido quer o grupo impulsor dar à proposta?
O que pretendemos numa primeira fase é consolidar o grupo de trabalho. Em princípio, a ideia é fazer ao longo de maio eventos culturais numa cidade de Portugal (Amarante 2015, Vila Real 2016) e em junho na Galiza (Crunha 2015, Ponte-Vedra 2016). Mas gostamos que lá onde houver uma presença de “Cultura que Une” se atos de relacionamento entre a Galiza e Norte de Portugal ao longo do ano (pequenos concertos, exposições, apresentações de livros,…)
Estamos a trabalhar com grupos de professores galegos e portugueses para introduzir nos respectivos sistemas educativos, autores galegos e portugueses. Também esperamos propiciar parcerias e intercâmbio de alunos.
Outra fronte em que devemos trabalhar é entrar em contacto com iniciativas semelhantes que estão a realizar atividades noutras partes do território e estabelecer estratégias de cooperação que permitam crescer.
Como concebes, tu, pessoalmente essa “cultura que une” comum… com Portugal? Com o Norte de Portugal? Com os países de língua galego-portuguesa?
Politicamente Euro-região. Devemos lutar por ser um distrito eleitoral único nas eleições ao Parlamento Europeu. Com representantes próprios sem dependência de Lisboa ou de Madrid. Com capacidade de administrar os nossos recursos e tratar na UE as nossas problemáticas da nossa óptica. Até me atreveria a considerar de urgência redefinir as redes de comunicações internas. E não por questões culturais, sim por redesenhar e redimensionar o mercado interno. Legalmente é possível. Só é Madrid e Lisboa deixarem.
Mas também devemos reconhecer que a Euro-região alcança um maior sentido com prolongação para o resto da Lusofonia
Não poucas vezes se debate sobre a palavra Lusofonia, em muita parte parece causar rejeição e interpretar-se como um resto do imperialismo de Portugal. Mas parece que na Galiza usamos ou queremos usar doutro jeito, como um “espaço comum”; que pensas do conceito lusofonia?
As empresas galegas, incluindo as editoras, devem considerar a importância que tem a possibilidade da Lusofonia para ampliar mercado. E enquanto se fizer com honorabilidade. Bem-vindo o mercado.
E o mesmo acontece com o Português e com o Acordo Ortográfico, da Galiza parece que se vira também em positivo, como um espaço no que se integrar e fazer parte, colaborando neste “espírito” de reforma ou de pan-português?
Estou expetante. Semelha que algo pode mudar.
Interessa-nos, aos leitores do PGL especialmente, como alguém do teu “peso” na cultura galega, decide dar o passo de escrever em português, sem pertencer – que se saiba – antes a nenhum espaço reintegrata?
Peso, mais bem ligeiro.
Não sou linguista, nem me interessa a linguística, nem sei de linguística. Penso que é um debate que está em excesso condicionado por académicos e a mim pessoalmente é uma teima que me aborrece. Não me considero reintegracionista, nem pretendo ser e tampouco que se me considere.
E também, por que escolher diretamente o português?
A opção da escolha pelo português é simples: Porque sim.
Podemos falar de Alhariz? e da casa familiar… do arquivo da Fundação? Eu visitei há uns anos e fiquei deslumbrado pelo espaço e pelo arquivo (especialmente dos clichês da Revista Nós que se tinham por perdidos com a imprensa de Casal). Em que situação se encontra a Fundação? Que projetos tem?
A Fundação vai. Um pouco mais de ajuda financeira era de agradecer, mas adaptados às circunstâncias. Cada vez temos mais apoios de pequenas empresas e particulares para desenvolver os nossos projetos. A lei do mecenato é fundamental.
Trabalhamos em várias frontes:
1.- Catálogo e digitalização dos fundos: é o processo mais complexo e lento.
2.- Ativismo cultural. Penso que é o que temos consolidado com iniciativas de qualidade, em que devemos agradecer o apoio de diferentes elementos. Particularmente estou muito satisfeito do trabalho de Ensemble Hotteterre liderado por Paulo Gonçalves para a recuperação da gaita de foles na música erudita. Os ciclos de música de câmara aproveitando á sala na que está o piano da dona de Vicente Risco, dona Carmen Fernández, ciclo que coordena Cristina Vázquez. Também das atividades da poesia, impossíveis sem a implicação de Yolanda Castaño e Carlos Da Aira. O cinema. As exposições, pois a nossa sede está a ser um lugar de referência para artistas galegos e portugueses. Os prémios de CCSS e literários, que estamos alargar para Portugal e o mundo lusófono. As atividades da Letras Galego/Portuguesas que cada ano têm lugar em abril-maio. O levar a nossa cultura a Portugal, para que a sintam como própria.
Vicente Risco era “reintegrata”: ou um “pangaleguista”, como diziam daquela na linha de Vilar Ponte e Viqueira… grande conhecedor do folclore, da etnografia académica portuguesa e da literatura, com contatos com escritores da “república” portuguesa… alguma surpresa ainda no arquivo?
A descoberta da correspondência com Teixeira e outros vultos da Literatura e Cultura Portuguesa que consideravam que sem a Galiza não se pode entender Portugal.
Também tinha V. Risco uma escrita mais menos – como diziam daquela – “etimologista”, pela documentação e a correspondência, parece que nos vinte e trinta, vai cada vez mais para um modelo de escrita reintegracionista? abandona depois da Guerra ou são mais os editores?
Depois da Guerra a escrita pública neste estado espanhol era a que era,… Mas é curioso que em 1941 Vicente Risco é denunciado e julgado, entre outras questões, por falar galego na rua.
A problemática editorial é outra. Os editores adaptam as obras dos nossos clássicos à novas normativas.
Como vês o reintegracionismo, ou como o quererias ver, achas que tem algo a achegar num momento tão complicado como o atual?
Penso que o reintegracionismo deveria optar por uma normativa e esquecer todas as normas que não se aceitam nem na Galiza nem nos países lusófonos. Isso, ou se converter em isolacionstas. Mas isso é um problema em que não devo entrar, não som quem de dar conselhos em temas dos que não tenho conhecimentos nem responsabilidades.
Qual é a tua opinião sobre a situação linguística na Galiza? Que elementos positivos e quais negativos salientarias?
O grande inimigo do galego na Galiza está na força dos meios de comunicação, no lazer, no cinema,… maioritariamente em espanhol. Há uns anos uma ativista do catalão dizia que o que se ganha na escola (na aula) perde-se no pátio. Hoje parece que conseguiram inverter a situação. Há esperança.
Já lá vão muitas décadas de debate sobre a normativa da nossa língua. Como vês tu o conflito entre isolacionismo e reintegracionismo?
Urge reformular a Lei Paz Andrade. Penso que é uma contradição, e para os reitegracionistas esquizofrenia pura, tratar o português como língua estrangeira.
Uma medida inteligente é que o aluno galego acabe o seu ciclo formativo com destrezas para ler e escrever em português. Introduzir algum escritor português nos nossos currículos. Mas também, incidir para que os nossos autores sejam incluídos em Portugal.
Tens alguma dica para lograr o consenso e superar o eterno conflito normativo?
Tenho: que os linguistas deixem de opinar.
Se os do Norte descem, e se os do Sul sobem,… Então mais que diferenças, encontrarmos afinidades.
Como gostarias ver a Galiza do ano 2030?
Gostava de ver uma Galiza dona de seu. Uma Galiza na qual os estados desapareceram pois, por fim, há uma autêntica U.E.
E, certamente, gostava que a Galiza do 2030 recuperar os limites do reino Suevo.
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