Esta mudança nos rumos da política vai produzir um contexto com uma contradição entre os interesses globalizantes das tendências hegemônicas do capital e outra tendência “antiglobalização” que se expressa com força nos países centrais da Europa.
Já se expressou no triunfo do Brexit na Inglaterra e no ascenso da extrema direita europeia, somando-se a derrota de Renzi no referendo italiano. A emergência de fenômenos populistas de direita é uma das respostas políticas retardatária as condições de polarização criadas pela crise capitalista de 2008. A crise se prolonga com um crescimento baixo da economia dos países centrais, como o caso dos Estados Unidos que cresce a taxas mais altas que do Japão e Europa, porém significativamente inferior à de sua média histórica.
A Grande Recessão mundial iniciada em 2008 escancarou as consequências das décadas de neoliberalismo. Antes da crise, o mundo foi um negócio muito rentável paras as grandes corporações e para as elites globalizadas, beneficiaram-se de zonas onde há mão de obra barata. Porém, deixando um rastro de ruínas a pequenos empresários, capitalistas que vendem nos mercados internos e setores da velha classe trabalhadora manufatureira, os “trabalhadores de colarinho azul”, com baixos e médios níveis de educação e capacitação, que perderam seus bons empregos e hoje tem uma subsistência decadente.
A tendência para um maior protecionismo ou nacionalismo dos diversos populismos de direita dos países centrais não se trata apenas de demagogia política eleitoral – embora disto há muito no discurso de Trump, como é a promessa de “reindustrializar” os Estados Unidos, que tem grande parte da produção de suas empresas fora de suas fronteiras. A base material destes fenômenos estão na situação de baixo crescimento e tendências recessivas que já levam oito anos. Em seu último informe de outubro de 2016, sobre as perspectivas da economia mundial, o FMI alerta sobre o encolhimento do comércio internacional (pelo terceiro ano consecutivo cresceu abaixo de 3% quando anteriormente crescia ao dobro do aumento do produto bruto mundial) e a persistência de maus indicadores no conjunto da economia.
Pelo que se expressou na campanha dos EUA e já se pode ver nos gestos que estão fazendo durante a transição, o governo de Trump no mínimo vai impulsionar uma reversão parcial das tendências “globalizadoras” que foram hegemônicas durante as últimas décadas. Existe um amplo consenso – inclusive dos conselheiros do capital transnacional – da necessidade de frear políticas de novos tratados comerciais. Trump já anunciou que vai renegociar as condições do Tratado de Livre Comércio com o México, e que vai retirar os Estados Unidos do Tratado Transpacífico, um ambicioso acordo de livre comércio com 12 países, de Ásia e América Latina contra a China negociado com Obama, e que mesmo Hillary seria obrigada a renunciar, ao menos como promessa de campanha. A isto se somam as já conhecidas ameaças de aplicar impostos de 35% a 45% a bens importados desde o México e China, embora os mais provável que isto signifique uma posição dura para negociar e arrancar destes países, que necessitam de sua relação comercial com os Estados Unidos, maiores concessões em condições de abertura de setores da economia, em benefícios especiais para os Estados Unidos.
O mundo de Trump
O triunfo de Trump também se deve a perda de chefia Internacional dos Estados Unidos. Esta decadência se acelerou com a derrota da estratégia belicista e unilateral de Bush que não pode ser revertida durante os oito anos de mandato de Obama, que buscou uma orientação que priorizava a “diplomacia” (acordo nuclear com Irã, desgelo com Cuba, não intervenção em Síria) para diminuir a exposição militar direta do imperialismo e voltar a estratégia mais tradicional de “reequilíbrio” entre as potências. Obama manteve a estratégia de perseguição a Rússia, com sanções internacionais por conta do conflito na Ucrânia, a consolidação da política militar da OTAN nas fronteiras russas, por exemplo, embora que nos últimos dois anos, a política de Obama foi tratar de chegar a um acordo com a Rússia, sendo uma linha que sofre resistência por uma ala do governo e dos militares.
Caso tivesse ganhado a presidência, Hillary Clinton, que milita na ala dos “falcões” mais belicistas, teria sido muito mais intervencionista (foi ela que incentivou a intervenção na Líbia) e agressiva para a Rússia. Há uma taxa de incerteza sobre qual vai ser a política exterior de Trump, embora será muito provavelmente menos intervencionista que seria Hillary.
Tanto os aliados quanto os inimigos dos Estados Unidos estão na expectativa e já estão lendo gestos políticos de Trump na transição, o mais importante para agora foi a chamada a presidência de Taiwan como um sinal de uma política mais dura para a China.
Neste ponto podemos dizer que há duas hipóteses. Uma que a política de Trump implique uma ruptura maior em relação a "doutrina Obama (provavelmente revise o acordo com Iran, e já anuncie uma política diferente para Cuba). Outra que além do “estilo” de conteúdo com a política de Obama, em particular na política para a Rússia. Isto quer dizer que Trump vai ser mais cauteloso no terreno geopolítico, com o objetivo de impedir que Rússia e China se unam contra os Estados Unidos, e que para alcançar tal feito, necessita afrouxar a pressão sobre a Rússia, concentrar-se na China e evitar ter que enfrentar dois inimigos ao mesmo tempo.
Teremos que ver como elas se desenvolvem quando assumir o governo e realmente ver o qual será a sua orientação, mais além que as especulações.
Base social é necessária
A política interna de Trump estará orientada a conseguir uma base social sólida, de que hoje ainda carece.
A composição de seu gabinete indica que vai ser um governo hegemonizado pela ala direita do Partido Republicano – pessoas como Gingrinch, Giuliani, muitos militares, veteranos das guerras do Iraque, e outros ligados a finanças e monopólios, junto a figuras como o presidente do Partido Republicano.
Nas primeiras semanas da “transição”, já foram dados sinais de como negociará com as grandes corporações que mudaram suas fábricas para além das fronteiras estadunidenses, em particular para o México. O “golpe de efeito” ele deu na empresa Carrier (lider mundial em ar-condicionado) em Idiana para mostrar poder, porém não indica que vai “fazer voltar” empresas como prometera em sua campanha. O acordo com a Carrier que Trump apresentou como um triunfo, na realidade já vinha sendo negociado há mais de um ano. E a mudança de concessões significativas em redução de impostos e regulamentações, a empresa se comprometeu a manter 1000 dos 2000 postos de trabalho, questão que poderia ser uma mostra do estilo do governo.
Muito dificilmente compensará os benefícios obtidos pelas deslocalizações e muito menos fazer retornar os empregos de qualidade aos Estados Unidos. O corte de impostos, obrigará ao governo buscar formas de financiamento do déficit orçamentário que já está em níveis altos.
Mas, além das grandes multinacionais há um capital não globalizado que produz para o mercado interno e que é o núcleo da base social de Trump. Nos Estados Unidos há ao redor de 30 milhões de pequenas empresas que empregam mais de 40% dos trabalhadores e que se recebem benefícios fiscais e outros incentivos, podem ser um motor, junto com o investimento (estatal e privado) em obras públicas para que Trump ganhe uma base social mais ampla, algo que necessita construir no primeiro momento de seu governo, para fazer uma presidência viável e com expectativas de manter o controle republicano nas eleições de médio prazo.
Democratas a beira de um ataque de nervos
O Partido Democrata está em uma crise sem precedentes. Apesar de Hillary ter ganhado quase 2 milhões de votos populares, é uma candidata do establishment, foi incapaz de detectar o profundo descontentamento da América do Norte, onde Obama ganhou duas vezes. Ele jogou em aprofundar as “políticas de identidade” (quer dizer, afro-americanos, latinos, jovens, mulheres) e fracassou. Não manteve a vantagem que Obama tinha tomado nesses setores e perdeu nos setores da classe trabalhadora branca. Os trabalhadores foram os grandes ausentes de seu discurso político. E mais, desclassificou os potenciais votantes de Trump como “deploráveis”.
O opositor interno dos democratas, Bernie Sanders, desperdiçou grande parte de seu capital político subordinando-se a estratégias dos Clinton, apesar de fazer uma campanha colocando-se “como esquerda” aos mesmos setores sensíveis ao discurso de Trump.
Todavia é uma incógnita como se colocará o partido democrata – mais em particulares suas referências de esquerda que são os que permaneceram de pé – frente ao governo de Trump. Estarão em minoria em ambas as câmaras. Tem que ver se apoiam algumas medidas de Trump favoráveis ao emprego norte-americano e rechaçam, outras, como as restrições às imigrações; ou se colocarão em oposição geral e apresentarão suas próprias leis, como já anunciou Sanders.
Nessa perspectiva é provável que o setor mais precário dos assalariados, que por idade e cultura estão muito mais próximos dos movimentos sociais, como Occupy Wall Street, do que a velha classe trabalhadora, tenda a ser um setor ativo da oposição a Trump, o mesmo para setores do movimento estudantil, a nova geração de jovens chamados de "millennials" (nascidos no novo século). Estarão levantados conflitos contra o racismo, em defesa de imigrantes, em defesa do direito ao aborto, e outras demandas " democráticas", levando em conta o conteúdo autoritário de Trump.
A classe trabalhadora vem de décadas de retrocessos, porém ainda não está claro se não vai se fortalecer socialmente nos próximos anos. Porque contraditoriamente, apesar de que o governo de Trump será de direita, antissindical e favorável aos interesses patronais, deverá consolidar uma base social entre os “velhos” trabalhadores do proletariado estadunidense. Isto não nega de maneira nenhuma o perigo que implica um setor da classe trabalhadora branca, atrasada do ponto de vista político e conservadora socialmente, de ter votado num demagogo reacionário e xenófobo como Trump.
América Latina sob um novo paradigma
O triunfo de Trump já produziu uma confusão na América Latina, e não só no México. Os governos de direita que assumiram frente a crise e a exaustão do ciclo de governos " progressistas" estavam empolgados com um possível triunfo de Hillary e haviam apostado que se somariam a Aliança do Pacífico, o acordo de livre comércio que vários países da região possuem com os Estados Unidos e era a base para o Tratado Transpacífico. Porém essa perspectiva está fora de possibilidade. Já está claro que as condições vão ser as mais adversas para a América Latina: não somente por conta da política comercial mais restrita, senão também por uma possível elevação nas taxas de juros e uma política de dólar forte. Isto deixa mal os países mais expostos aos fluxos de capital internacional como o Brasil que já leva uma queda acumulada de 8% em dois anos. Esta situação agrava as crises políticas, como também no Brasil, onde o governo Temer não termina de consolidar-se frente aos escândalos de corrupção, para poder levar adiante o ajuste fiscal. A Argentina, embora o isolamento seguida do conflito padrão com os “abutres” teve menos dependência do capital financeiro internacional, agora tem aumentado qualitativamente sua dívida em dólares, por onde será afetada tanto pela elevação das taxas de juros nos Estados Unidos, como pela situação crítica no Brasil. Entramos numa situação muito mais convulsiva, que poderá resultar em processos mais agudos, tanto políticos como de luta de classes.
É muito importante aproveitar o ódio que pode gerar as políticas direitistas de Trump, para intervir nos processos progressivos como uma clara orientação de classe, anticapitalista, anti-imperialista de conjunto, sem cair em frentes de conciliação de classes com os opositores patronais de Trump.
Tradução: Alexandre Tubman