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Diário Liberdade
Terça, 03 Janeiro 2017 12:58 Última modificação em Sexta, 06 Janeiro 2017 11:01

Uma lição sobre a defesa político-jurídica dos revolucionários russos de 1905 Destaque

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/ Repressom e direitos humanos, Batalha de ideias / Fonte: Esquerda Online

Por: Francisco da Silva, de Porto Alegre, RS. O imperialismo em conluio com a fração dominante das burguesias locais tem uma estratégia para a América Latina: Impor aos trabalhadores um novo patamar de exploração. Precisam de um novo patamar de exploração na região para preservar seus lucros e a estrutura interburguesa na divisão internacional de estados.

Já conseguiram impor duríssimos ataques nos Estados Unidos e Europa tornando os custos do trabalho mais baratos, e agora estão com os canhões apontados para nós. Sabem que os trabalhadores e os povos vão resistir e, portanto, precisam reprimir a resistência para vencer.

Por isso e para ir esquentando as comemorações do centenário da Revolução Russa é útil e interessante apresentar como os revolucionários russos se comportaram perante os processos judiciais de 1905.

As respostas do presente não se encontram no passado, mas conhecer a nossa história nos fortalece. É porque em momentos de repressão é preciso firmeza e política para contra-atacar.

A revolução de 1905

Há 112 anos atrás, em janeiro de 1905, os trabalhadores russos começaram um enorme levante com características insurrecionais contra a monarquia czarista.

Começou quando milhares de operários marcharam pacificamente até a residência do Czar Nicolau II exigindo jornada de 8h, aumento de salário, o fim da guerra com o Japão e uma Assembleia Constituinte entre outras demandas.

Apesar de carregarem retratos do Czar, santos ortodoxos e marcharem de forma completamente pacífica com um padre na liderança, foram brutalmente reprimidos.

Existe divergência sobre o número de mortos, há autores que afirmam que foram 300, outros dizem que foram 4.800. O próprio governo assumiu 930 mortos e 333 feridos. Este episódio ficou conhecido como Domingo Sangrento e marcou o estopim do levante contra o Czar.

A partir do massacre houve uma onda de greves que alcançou 122 cidades e mais de um milhão de operários.

Alguns meses depois estava em curso também um levante camponês que incendiava os casarões, tomava as terras dos latifundiários, a quebra da disciplina militar principalmente entre os marinheiros e a guarnição de Petersburgo.

À medida que a revolução avançava ia ganhando novos aliados e se fortalecendo. A revolução criou em Petersburgo o primeiro Soviete de Deputados Operários, um conselho de operários que tendo 562 delegados representava 250 mil trabalhadores.
Mas a revolução ainda não podia triunfar e pereceu. As conclusões deste processo não foram o grande “ensaio geral” para a revolução de 1917.

A defesa de 1905

Sob a acusação de preparar uma insurreição armada, no dia 3 de dezembro de 1905 a polícia prendeu toda a Executiva do Soviete de Petersburgo. A revolução havia chegado ao seu ápice e agora estava sendo derrotada.

Um homem chamado León Trotsky era o presidente do Soviete naquele momento.

Diante da acusação de preparem uma insurreição armada, os prisioneiros começaram a preparar a sua defesa. Houve uma primeira divergência entre os prisioneiros sobre que linha adotar. Conta Isaac Deutscher no primeiro volume da biografia de Trotsky “O Profeta Armado”¹

Em nome do Comitê Central Menchevique (que está na iminência de abrir mão de sua existência à parte) Martov escreveu aos prisioneiros, concitando-os a defender-se com moderação, a basear seus argumentos no Manifesto de Outubro e demonstrar ao Tribunal que o soviete agira dentro dos limites permitidos por aquele documento. O soviete devia, principalmente, refutar a acusação de que pretendera uma insurreição armada. Trotsky rejeitou a sugestão indignado. De sua cela, enviou, através de um advogado, uma resposta expressando ‘a maior surpresa’: ‘nenhum dos acusados toma essa atitude. O programa do Manifesto de Outubro jamais foi o programa do Soviete’. (…) era um ‘grave erro político’ da parte do Comitê Central aconselhar os acusados a se dissociarem da insurreição. Tudo o que podiam e devam negar perante o tribunal era que se tivessem empenhado em preparativos técnicos para o levante. Deviam porém assumir a responsabilidade de seu preparativo político. Os homens do soviete deveriam declarar seus princípios, explicar seus motivos, proclamar seus objetivos. Deviam usar o banco dos réus como plataforma política e não defender-se.

Trotsky conseguiu convencer até mesmo os partidários de Martov e com essa orientação defendeu os processados de 1905. Segundo Victor Serge²

Na audiência de 17 de outubro de 1906, Trotsky falou por muito tempo perante os juízes. Defendeu o direito das massas à insurreição, denunciou a mentira do manifesto ‘constitucional’ de Nicolau II [O Manifesto de Outubro], demonstrou que a única forma de inaugurar uma nova era para a Rússia seria convocar uma assembleia constituinte. ‘Mas’, disse ele, ‘conhecemos bem demais o antigo regime para acreditar nele, mesmo que por um só instante! Perseguem-nos em nome da ordem pública (…) se o que chamam de ordem pública são os progroms, os assassinatos, os incêndios, as violências, se tudo o que está acontecendo é o estilo de governo do Império Russo, então concordo com a acusação que pegaríamos em armas contra esse regime.

Leon Trotsky descreveu em sua autobiografia que uns vinte advogados foram apertar a sua mão. Um deles A.S.Zarudny 12 anos depois seria o ministro da Justiça do Governo Kerenski que na iminência da Revolução Russa mandaria prender Trotsky por alta traição³.

Justiça seja feita, a estratégia de defesa posicionada por Trotsky não era uma originalidade, pelo menos Marx e Lassalle haviam feito do processo uma tribuna política quando acusados em 1848.

Uma grande lição sobre este episódio

Muitos dos nossos hoje em dia estão sendo investigados, processados, demitidos, presos e até mortos pela repressão do Estado. Mesmo nos meios socialistas não foram poucos os que diziam “uma coisa é a campanha política contra a criminalização dos movimentos sociais e outra é a defesa técnico-jurídica do processo”.

Essa afirmação carrega a ideia de que há uma separação na luta política e jurídica, a primeira nas mãos dos movimentos sociais e a segunda nas mãos dos escritórios de advocacia.

Evidentemente, seria tolice ser condenado por não observar os ritos processuais ou as circunstâncias técnicas à que somos impostos pelo Estado burguês, mas é ingenuidade crer que a defesa “técnica-jurídica” não tem relação com a política, com a luta de classes!

Pois o que mais importa não é quão bom é a advogada ou o advogado na defesa: O que decide é a relação de forças entre as classes porque o Tribunal não é imparcial e tampouco respeita a constituição à revelia da pressão das massas.

Trotsky e os processados de 1905 foram condenados ao exílio não porque a defesa foi ruim, mas porque a revolução estava desmoronando, e a opinião pública socialista da época considerava que apesar de condenados, escaparam da pena de morte porque os agentes do Czar não tinham a exata dimensão da relação de forças.

Lembremos que houve vários dias de greve geral em Moscou contra os processos e as prisões.

A grande lição sobre este episódio é que a Política e o Direito não estão separados, mas intimamente ligados, com a Política subordinando o Direito. Que não existe duas defesas, uma técnica e outra política, mas só uma defesa: A que fazemos na luta de classes, seja nas ruas, no parlamento, ou no tribunal.

Afinal tudo o que dissermos no tribunal pode e será usado contra nós (ou a nosso favor) na luta de classes.

Foto: acusados e advogados no processo contra o Soviete de 1905. Fonte: marxist.org.https://www.marxists.org/archive/trotsky/photo/t1906b.htm

1DEUTSCHER, Isaac. Trotsky: o profeta armado. 2ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1954. p 162
2SERGE, VICTOR. Trotsky, vida e morte. São Paulo. Editora Ensaio, 1991. p 22
3TROTSKY, Leon. Minha vida. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1978. p. 169

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