Em Bremerhaven, os veículos militares estão sendo transferidos para vagões para serem mandados para seus locais de destino atravessando Alemanha e Polônia. Segundo as Forças Armadas Unificadas da Alemanha [Bundeswehr], o transporte das forças exige 900 vagões, numa cadeia de 14 km de comprimento total. Espera-se que os soldados norte-americanos serão levados primeiro a Romênia, Bulgária e Lituânia. O Pentágono não informou sobre o destino de seus soldados em território europeu.
Os planos de Washington para instalar uma brigada blindada na Europa Oriental foram divulgados em abril do ano passado. Segundo o comandante do Comando Europeu das Forças Armadas [ing. European Command of the US Armed Forces (EUCOM)], general Philip Breedlove, seria uma reação contra as políticas "agressivas" do Kremlin. No papel, o plano dos EUA parece impressionante: devem ser deslocados para o leste da Europa 4.200 soldados, 250 tanques, howitzers e veículos militares, bem como 1.700 outros veículos de transporte.
A decisão de deslocar essa 3ª brigada para a Europa custou muito cara ao Pentágono. A Casa Branca anunciou que o deslocamento planejado de mais armas e equipamentos para a Europa, para 2017, custaria mais de $3,4 bilhões. Esse número é quatro vezes mais alto que o previsto no orçamento de 2016.
A nova brigada será diferente das duas outras brigadas do Exército dos EUA já estacionadas na Alemanha e Itália. Não serão construídos novos alojamentos na Polônia, Romênia, Bulgária ou nos países do Báltico. O pessoal e o equipamento da brigada serão trocados a cada nove meses e serão fracionados em unidades melhores que cobrirão, rotativamente diferentes países. Assim fazendo, Washington insiste que não estaria agredindo a Lei OTAN-Rússia de 1997, pela qual a aliança estaria impedida da instalar "forças de combate substanciais" na Europa Ocidental.
Os planos do Pentágono provocaram forte reação do Kremlin. O representante permanente da Rússia na OTAN, Alexander Grushko, declarou que "estão cada vez mais complicando relações já muito difíceis" entre Rússia e OTAN. O enviado da Rússia caracterizou as intenções dos líderes militares dos EUA como "mais um passo na direção de reforçar a transição da OTAN na direção de esquemas de segurança cada vez mais confrontacionais".
Esses planos serão modificados quando Donald Trump assumir o poder? Como a Rússia pode responder aos reforços para a OTAN na Europa Oriental?
O principal especialista do Centro para Estudos Políticos-Militares do Instituto de Relações Internacionais Estatal de Moscou e doutor em ciências políticas Mikhail Aleksandrov responde:
Barack Obama ordenou o envio à Europa da 3ª brigada blindada antes do planejado. Originalmente, lembro a todos, a operação estava marcada para fevereiro de 2017. Está sendo feito, claro, como uma das decisões da cúpula de Varsóvia da OTAN, de enviar quatro batalhões táticos para a Polônia e os estados do Báltico.
Aqui, é preciso ter em mente que os grupos de batalhões táticos têm infraestrutura para rápido deslocamento, como brigadas inteiras. O pessoal pode ser aerotransportado e o equipamento já está à espera em depósitos. Essas serão as brigadas do Ocidente mais rigorosamente prontas para combate na Europa, e ainda contam com o apoio do exército polonês que já é força considerável. Além disso, a aviação pode ser rapidamente trazida da Alemanha ou, mesmo, dos EUA.
Resultado disso, no período de duas semanas, os EUA podem ter ali uma poderosa força de ataque, na fronteira da região de Kaliningrad.
De nosso lado, temos três divisões completas ali, mais a Frota do Báltico. A OTAN contudo poderia defletir as forças de nossa frota, com grupos navais adicionais no Báltico onde, de fato, já estão estacionados navios alemães e poloneses. Em outras palavras, o ocidente pode realmente estabelecer superioridade de forças em torno de Kaliningrad.
Svobodnaya Pressa perguntou a Aleksandrov como esse deslocamento pode ser confrontado. Resposta dele:
Podemos aumentar nossas forças agrupadas na própria região de Kaliningrad. Mas é território pequeno, não é possível postar ali grandes tropas. Além disso, todas as forças que ali ficarem estarão na área de impacto direto. Significa que se a OTAN decidir atacar primeiro, nossas tropas serão em grande parte postas fora de ação.
Minha opinião é que a melhor opção é criar dois exércitos de tanques nas fronteiras de Latvia e Lituânia. Nesse caso, a OTAN logo saberá que não tomará Kaliningrad. Ainda que Belarus permaneça neutra dada a atual política 'bamboleante' de Alexander Lukashenko, nossos exércitos de tanques poderão mover-se pela Latvia, tomar a Lituânia e rapidamente alcançar as fronteiras da região de Kaliningrad.
Nesse caso, nosso grupo de Kaliningrad teria de garantir-se por dois ou três dias, e nossos exércitos de tanques poderiam esmagar o exército polonês e as brigadas norte-americanas. O que realmente importa, repito é que a OTAN não tem qualquer dúvida de que nós os esmagaremos nessa região sem usar armas nucleares, porque a OTAN está apostando tudo na hipótese de que não usaremos armas nucleares; por isso está contando com uma superioridade em armas convencionais.
Perguntado se entendia que Trump poderia reverter os planos do governo Obama para reforçar sua presença na Europa Oriental, Aleksandrov respondeu:
Acho que pode. Mas Obama está fazendo de tudo para bloquear essa possibilidade. Se o deslocamento da brigada fosse deixado para fevereiro, como planejado, nesse caso Trump, que deve tomar posse dia 20 de janeiro, poderia adiar o deslocamento dos soldados até ter tempo de negociar com Vladimir Putin, quando poderia até cancelar toda a operação.
Mas agora Trump não pode retirar as tropas, ou será alvo dos mais graves ataques de todos os russófobos e outros membros do Partido Democrata. Obama o está obrigando a agir com máxima cautela.
O que o Kremlin pode fazer nessa situação? Aleksandrov continuou:
Putin, creio eu, precisa levantar a questão, em conversações, de que a OTAN tem de se comprometer a cumprir a palavra de não deslocar forças substanciais para a Europa Oriental e retirar de lá os exércitos dos EUA. Sem isso, Putin estará obrigado a tomar as contramedidas adequadas.
Além disso, o próprio Trump terá de decidir se quer continuar a confrontar a Rússia, ou mudar o rumo da política exterior dos EUA. Em teoria, pode nos chantagear com o aumento das forças no Leste Europeu, tentando obter concessões na Síria e também nas questões do Irã e da China.
Mas essa política de chantagem, caso Trump realmente opte por ela, será política de fracasso. Nós não recuaremos e acabaremos por forçar os EUA a trazerem mais e mais tropas para o front leste-europeu. Efeito disso é que Washington terá de dividir as forças com que confronta Pequim ou, até, para controlar problemas no Oriente Médio. Trump deve refletir cuidadosamente antes de optar por escalar nas tensões entre Rússia e EUA.
O vice-diretor do Centro Taurida de Análise e Informação do Instituto Russo de Estudos Estratégicos, Sergey Ermakov, é bem claro nesse ponto:
É possível corrigir a rota da OTAN no leste europeu, mas não acontecerá em futuro próximo. É muito importante para os norte-americanos manter uma presença militar na linha de frente. Além disso, as leis anti-Rússia que Obama sancionou nos estertores de seu governo têm sua inércia. Trump terá de considerar isso. Não é coincidência que analistas políticos norte-americanos acreditem que Trump encontrará à sua frente barreira muito alta de impedimentos, que bloquearão qualquer tentativa de aproximação com a Rússia.
Além disso, a questão de o que acontecerá com a OTAN surge agora com todo o peso. Ao longo de anos recentes, vários centros de força uniram-se à aliança, um dos quais são os países da Europa Ocidental, i.e., neófitos prontos a apoiar os EUA em tudo, mais a Turquia, que está jogando agora um grande jogo de política externa.
Tudo isso faz da OTAN ferramenta essencialmente importante para os EUA, apesar de tudo que Trump diz sobre a inutilidade da aliança. A OTAN é o grande instrumento da política militar dos EUA, o principal. Para manter viva e à tona essa sua aliança vital, e para justificar a própria existência dela, os norte-americanos precisam ter presença militar 'real' na Europa Oriental.