Recente reunião de uma multidão alinhada com os Republicanos num dia de trabalho chuvoso atraiu muita gente. Reunião depois, de multidão alinhada com os Democratas, em dia de trabalho normal, sem chuva, atraiu mais gente.
A mídia viu, contou e recontou e declarou-se "atônita". Milhares de linhas de "análises políticas" escreveram-se para explicar a diferença nas dimensões das multidões, sem explicar significado de onde aconteceu cada evento, em que dia da semana aconteceu e as circunstâncias ambientais. Resultado dessas 'análises' foi montanhas de bullshit.
O novo governo Trump apreciou esse movimento, que dividiu atenções. Aproveitou para satirizar a mídia: o novo porta-voz reclamou que a mídia nem contar sabe. Mais linhas de puro bullshit 'analisaram' por escrito o insulto.
Exatamente como durante a campanha eleitoral, a mídia deixou-se engambelar pelo lixo barato e não viu os processos e decisões que estavam em curso por trás das cortinas.
Hoje, o governo Trump anunciou o fim do acordo que criou a Parceria Trans-Pacífico:
A retirada pelo presidente do pacto comercial Ásia-Pacífico resultou em reversão drástica de décadas de política econômica pela qual presidentes dos dois partidos derrubaram barreiras comerciais e expandiram laços em todo o mundo. Embora os candidatos tenham frequentemente criticado acordos comerciais durante a campanha, os que chegaram à Casa Branca, inclusive o presidente Barack Obama, sempre acabaram por estender o alcance dos acordos.
O NYT estava atônito, porque, diferente de Obama, Trump fez exatamente o que disse que faria. A mídia tinha expectativas diferentes e perdeu o prumo. Não soube pautar a questão até depois de a decisão ter sido tomada.
A Parceria Trans-Pacífico teria imposto "livre comércio" sobre mais países e mais produtos. "Livre" naqueles negócios teria significado que as empresas privadas estariam "livres" para atropelar governos nacionais e ignorar suas respectivas jurisdições e leis. Poderiam processar exigindo "compensação", no caso de um país, por motivos de saúde pública ou razões ambientais, rejeitar ou limitar negócios daquelas empresas privadas estrangeiras no território do país estrangeiro. Todos deveriam estar felizes e festejar muito a morte dessa monstruosidade.
Noutra surpresa política, uma nova coordenação entre círculos de inteligência russos e norte-americanos na Síria começa a dar frutos:
Rússia recebeu coordenadas de alvos do Daech em Al-Bab, Província de Aleppo, encaminhadas pelos EUA pela "linha direta", disse na 2ª-feira o Ministério de Defesa da Rússia.
Os EUA forneceram coordenadas de alvos dos terroristas na cidade de Al-Bab na Província de Aleppo, para ataques aéreos dos russos. Depois da verificação de reconhecimento, a Rússia e dois jatos da coalizão conduziram ataques aéreos conjuntos contra alvos do Daech na região.
Os militares dos EUA parecem estar negando:
Qualquer envolvimento ou participação de agentes norte-americanos em solo no país, em apoio a uma série de ataques aéreos russos contra a cidade de al-Bab no norte da Síria foi "100% falso", disse o porta-voz do Pentágono Maj. Adrian Rankine-Galloway.
O porta-voz da coalizão dos EUA também disse que:
"Não há ataques aéreos coordenados com militares russos, na Síria."
Antes de se pôr a pular de um lado para o outro como peru bêbado e dizer que os russos estariam mentindo, a mídia deveria ter passado um pente fino nas declarações ou, no mínimo, relê-las com atenção.
O Departamento de Defesa apenas negou que coordene ataques com "agentes no solo". Não negou que tivesse transferido coordenadas. Os russos não estão dizendo que aviões dos EUA tomaram parte na missão – só falam de "jatos da coalizão". A Turquia é parte da coalizão dos EUA e coordena ataques aéreos com forças russas na Síria:
Mais cedo, aviões de combate russos e turcos executaram nova série de ataques aéreos conjuntos contra alvos do Daech na Síria destruída pela guerra, disse na 2ª-feira o Ministério da Defesa da Rússia.
"Aviões russos e turcos executaram ataques aéreos conjuntos contra terroristas do Estado Islâmico nos arredores da cidade de al-Bab na Província de Aleppo dia 21 de janeiro" – informou o Ministério em declaração.
A declaração dos russos está provavelmente tão correta quanto a declaração do Departamento de Defesa dos EUA.
A significação política aqui está na transferência de coordenadas de alvos dentro do ISIS, de alguma das agências dos EUA diretamente para forças russas na Síria. É coisa que a Rússia já vinha requisitando há mais de um ano: de repente, agora, parece estar repentinamente acontecendo.
E é, ao lado da decisão de pôr fim à TPP, uma segunda significativa mudança promovida pelo governo Trump que a mídia-empresa não viu acontecer, nem viu que, sim, logo aconteceria.
Enquanto a violenta campanha contra Trump nos veículos da mídia-empresa nos EUA (e em alguns países estrangeiros) prossegue sem alívio, o novo governo vai tomando e implementando algumas sérias decisões. A mídia só erra e falha, de modo estranhamente sistemático. Questiúnculas sem qualquer importância, em torno do que é ou não é "politicamente correto" são elevadas às principais manchetes, e grandes decisões políticas passam sem qualquer registro. É simples. O serviço de noticiar temas do governo Trump deve ser o mesmo de sempre, para qualquer político: não ouça o que eles dizem, olhe o que eles fazem. É mais que hora de a mídia retomar a velha regra básica.
Digressão: Como alemão, estou envergonhado com o quanto meu governo errou ao não prever que Trump seria eleito, e, depois de eleito, o quanto continua a errar ao não se preparar para o massacre que Trump promoverá em breve contra o modelo econômico alemão orientado para a exportação. Os salários na Alemanha foram mantidos baixos a qualquer custo (inclusive com importação de força de trabalho adicional da Síria e de outros pontos); assim se criou enorme superávit nas exportações, que só encheram uns poucos bolsos endinheirados. O esquema criou enorme desequilíbrio na Europa e a crise de crédito na Espanha, Grécia e por todos os cantos. As políticas de Trump finalmente farão voar pelos ares esse modelão.
Mas nenhum dos partidos que governam a Alemanha desenvolveu até agora qualquer tipo de via alternativa ou abriu caminho na direção de alguma via alternativa. A Alemanha tem de reorientar a própria indústria, da exportação, para o consumo local. Isso exige maior poder de compra para o público em geral, mediante salários mais altos e impostos mais baixos. Um imposto regressivo mais baixo sobre valor agregado, compensado por impostos progressivos mais altos sobre renda financeira, seria um modo possível de chegar lá. Se essas medidas forem adiadas, o dano econômico será grave e abrirá ainda mais a estrada para uma direita demagógica.