Angela Davis, Nancy Fraser, Cinzia Arruzza, Keeanga-Yamahtta Taylor, entre outras são as primeiras a assinar o chamado para colocar de pé um movimento de mulheres que se some à mobilização que se estende em vários países do mundo. Com uma dura crítica ao"feminismo neoliberal” chamam a construir um “feminismo para 99%, um feminismo de base, anticapitalista, em solidariedade com as mulheres trabalhadoras, suas famílias e seus aliados ao redor do mundo”.
Publicamos a tradução do chamado que pode ser lido aqui em inglês
Por um feminismo para os 99% e uma paralisação internacional de mulheres no 8 de março
As marchas massivas de 21 de janeiro (nos EUA) marcam o começo de uma nova onda de luta feminista. Porém, qual será seu eixo? Na nossa visão, não é suficiente opor-se a Trump e suas políticas abertamente misóginas, homofóbicas, transfóbicas e racistas; também devemos mirar contra o ataque neoliberal aos programas sociais e aos direitos dos trabalhadores. Os atos massivos de 21 de janeiro foi uma resposta imediata a misoginia explícita de Trump, porém o ataque contra as mulheres (e toda a população trabalhadora) antecede muito a esse governo. As condições de vida das mulheres, especialmente das mulheres negras, trabalhadoras, desempregadas e migrantes tem se deteriorado fortemente durante os últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. O feminismo empreendedorista e outras vertentes do feminismo corporativo não contempla a maioria de nós, que não tem possibilidade de uma acensão individual e ao progresso e cujas condições de vida dignas só podem ser melhoradas se través de políticas que assegurem os direitos reprodutivos e os direitos trabalhistas. Como vemos, a nova onda de mobilização das mulheres deve ocupar-se de todos estes problemas de uma maneira frontal, deve ser um feminismo para os 99%.
O tipo de feminismo que buscamos já está emergindo internacionalmente em lutas ao redor do mundo, desde a greve de mulheres na Polônia contra a proibição do aborto às greves e marchas de mulheres na América Latina contra a violência machista; da manifestação massiva de mulheres na Itália em novembro passado aos protestos e greves de mulheres em defesa dos direitos reprodutivos na Coréia do Sul e Irlanda. O que chama atenção nestas mobilizações é que várias delas combinaram as lutas contra a violência machista, a oposição à precarização do trabalho e a desigualdade salarial ao mesmo tempo que se opõem também à homofobia, à transfobia e às políticas migratórias xenófobas. Juntas, proclamam um novo movimento feminista internacional com uma agenda ampla, anti-racista, anti-imperialista, anti-heterossexista e anti-neoliberal. Queremos colaborar com o desenvolvimento deste novo e mais amplo movimento feminista.
Como primeiro passo, propomos ajudar a construir uma paralisação internacional contra a violência machista e em defesa dos direitos reprodutivos no 8 de março. Nesta perspectiva, nos unimos aos grupos feministas dos cerca de 30 países que chamam a paralisação. A ideia é mobilizar as mulheres, inclusive as mulheres trans, e todos aqueles que as apoiam em um dia de luta internacional, um dia de paralisações, marchas, piquetes, bloqueios de rodovias e ruas, um dia para não realizar o trabalho doméstico, sexual e de cuidados, boicotar e denunciar empresas e políticos misóginos e machistas e greves nas instituições educacionais. Estas ações apontam para tornar visível as necessidades e as aspirações daquelas mulheres ignoradas pelo feminismo liberal e corporativo: as mulheres do mercado trabalho formal, as que trabalham no âmbito da reprodução social e dos cuidados, as desempregadas e as trabalhadoras precárias.
Ao pleitear um feminismo para 99%, nos inspiramos na coalizão argentina Ni Una Menos. A violência contra as mulheres, como elas definem, tem muitas facetas: é doméstica, porém é também de mercado, das relações de propriedade capitalista, e do Estado. A violência das políticas discriminatórias contra as lésbicas, as trans e as queer, a violência da criminalização estatal dos movimentos de migrantes, a violência do encarceramento em massa e a violência institucional contra os corpos das mulheres através da proibição do aborto e da falta de acesso à saúde e ao aborto legal. Essa perspectiva encoraja nossa determinação a nos opor aos ataques políticos, culturais e econômicos às mulheres muçulmanas e migrantes, às mulheres negras, às trabalhadoras empregadas e desempregadas, às lésbicas e às trans.
As marchas de mulheres de 21 de janeiro mostram que também nos EUA um novo movimento feminista pode estar em construção. É importante não perder o impulso. Unamo-nos no 8 de março para fazer esta paralisação, abandonar os lugares de trabalho e estudo, marchar e manifestar. Aproveitemos a ocasião desta jornada internacional de ação para transformá-la no fim do feminismo corporativo e construir um feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista, em solidariedade com as mulheres trabalhadoras, suas famílias e seus aliados, ao redor do mundo.
Angela Davis é filósofa, professora emérita da Universidade da California, militante histórica dos Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos. É autora do livro Mulheres, raça e classe.
Linda Martin Alcoff é professora de filosofia do Hunter College y el CUNY Graduate Center. Autora de Visible Identities: Race, Gender, and the Self. Atualmente trabalha em um novo livro sobre violência sexual e outro sobre epistemologia descolonial.
Cinzia Arruzza é professora assistente de filosofia na la New School for Social Research de New York e uma ativista feminista e socialista. Autora do livro Dangerous Liaisons: The Marriages and Divorces of Marxism and Feminism.
Tithi Bhattacharya ensina história na Purdue University. Seu primeiro livro, The Sentinels of Culture: Class, Education, and the Colonial Intellectual in Bengal (Oxford, 2005), trata a obsessão com a cultura e educação na classe média. Seu trabalho foi publicado em diários como Journal of Asian Studies, South Asia Research y New Left Review. Atualmente trabalha em um livro chamado Uncanny Histories: Fear, Superstition and Reason in Colonial Bengal.
Nancy Fraser é professora de filosofia e política da New School for Social Research. Seus livros incluem Redistribution or Recognition y Fortunes of Feminism.
Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente na Princeton University’s Center for African American Studies e autora de From #BlackLivesMatter to Black Liberation.
Rasmea Yousef Odeh é diretora associada da American Action Network, dirigente do Comitê de Mulheres Árabes e ex-membro da Frente Popular pela Libertação da Palestina.