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Diário Liberdade
Terça, 14 Fevereiro 2017 17:35 Última modificação em Quinta, 16 Fevereiro 2017 22:25

EUA vs Irã – guerra de maçãs vs laranjas

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/ Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Unz Review

[The Saker; Tradução do Coletivo Vila Vudu] Uma das tarefas mais frustrantes é tentar desmascarar os mitos que Hollywood e outros agentes imprimiram na mente dos norte-americanos sobre guerra em geral, e sobre forças especiais e tecnologia, no específico. Quando, semana passada, escrevi minha coluna sobre primeiro SNAFUS[1] do governo Trump eu mais ou menos já esperava que alguns dos meus argumentos cairiam em ouvidos surdos; e aconteceu. Hoje, minha proposta e tentar, outra vez, explicar a vasta diferença que há entre o (i) que chamaria de "o modo de guerra dos EUA" como mostrado nos filmes de propaganda; e (ii) a realidade da guerra.

Comecemos pela questão do uso de forças de operações especiais, para declarar, de saída, o que aquelas forças não são: forças de operações especiais não são a SWAT nem são forças antiterroristas. A máquina de propaganda dos EUA propaganda implantou na mente do povo em todo o Ocidente que, se uma força é "de elite" e veste aqueles uniformes sexy-táticos [orig. "tacti-cool"], então é força de algum modo "especial". Por esse critério, até alguns policiais antitumultos poderiam ser considerados "forças especiais". Não é pecado, vale registrar, exclusivo dos norte-americanos. 

Os russos meteram-se pela exatamente mesma ridícula trilha e agora há forças "spetsnaz" por toda parte – até no equivalente russo do departamento correcional norte-americano, que agora conta com forças "spetsnaz" para lidar com levantes dentro das prisões! Assim também, a famosa unidade "A" antiterroristas (erradamente chamada "Alfa", em oposição à unidade "Delta" dos EUA) é exatamente isso – uma unidade antiterroristas, não alguma força militar especial. Com tudo isso, o que são, stricto sensu, forças especiais? 

São força militar que participa do esforço geral de guerra, mas de modo autônomo e não como apoio direto à principal força combatente. Dependendo do país e do serviço, forças especiais podem receber ampla variedade de tarefas, que vão desde prover "conselheiros" para o que os norte-americanos chamam de ação direta – operações como o recente malfadado ataque contra os prédios da al-Qaeda no Iêmen. Como forças embarcadas, as forças especiais muito frequentemente são mal usadas, especialmente quando não é possível contar com forças convencionais, mas não significa que SWAT e forças antiterror devam ser consideradas como se fossem "forças especiais". Forças especiais são forças militares e operam como apoio para operações militares.*

Se alguém estiver absolutamente determinado a avaliar o currículo russo em operações especiais, sugeriria que analisasse a captura do Aeroporto Internacional de Ruzyne em Praga em 1968; a tomada do Palácio Tajbeg no Afeganistão em 1979 e, claro, a operação pela qual os russos reintegraram a Crimeia em 2014. Mas, repito, ninguém tem qualquer coisa a ganhar com provar que os russos fazem bem ou melhor, e não implica que os norte-americanos não saibam fazer.

Voltemos agora à questão de uma possível guerra entre Irã e os EUA.

O modo mais idiota para avaliar possíveis resultados de um ataque dos EUA contra o Irã seria comparar todas as tecnologias com que conta cada um dos países e extrair daí alguma espécie de conclusão. Por exemplo desse tipo de tolice, considerem esse artigo, bem típico

De modo geral, a obsessão com tecnologia é típica patologia norte-americana, resultado direto de combater guerras em terras distantes, contra inimigos praticamente desarmados. Chamo de "visão de engenheiro", que é o contrário de "visão de soldado". Não estou dizendo que a tecnologia não faça diferença, faz; mas muito mais diferença fazem as táticas, as operações e as estratégias. Por exemplo, por mais que seja verdade que um moderno M1A2 Abrams seja muito superior a um velho T-55 soviético, há circunstâncias (altas montanhas, florestas) nas quais o T-55, adequadamente empregado, pode ser tanque muito melhor. Assim também, armas antitanques supostas superadas da 2ª Guerra Mundial podem ser usadas com efeito devastador contra blindados de transporte de soldados; e armas de defesa podem ser convertidas em veículos aterradores de apoio a fogo de assalto.

No caso de os EUA atacarem o Irã, só um perfeito ignorante suporia que, tão logo os iranianos detectem o ataque norte-americano eles mobilizarão a força aérea mais moderna para tentar impor superioridade aérea, ou que contarão com deter o ataque norte-americano com as suas defesas aéreas. Permitam-me lembrá-los de que o Hezbollah usou exatamente zero de suas defesas aéreas (só MANPADS) durante o ataque de Israel ao Líbano em 2006, o que não impediu que o Hezbollah aplicasse ao exército de Israel a mais acachapante derrota da história de Israel. Por quê?

Porque só muito raramente o modo norte-americano de guerrear funciona realmente bem. O que quero dizer com "modo norte-americano de guerrear"? Falo de usar ataques aéreos e ataques com mísseis para degradar as capacidades do inimigo em grau tal que o inimigo seja forçado a render-se. Os EUA tentaram isso contra os militares sérvios em Kosovo, o que resultou em fracasso abjeto: as forças sérvias sobreviveram a 78 dias de bombardeio massivo pela OTAN e saíram praticamente ilesas (perderam uns poucos MBTs e blindados de transporte de tropas, e foi só). 

Quando o fracasso ficou absolutamente claro para os comandantes da OTAN, fizeram o que os militares dos EUA sempre fazem, e passaram a atacar a população civil sérvia, como vingança (o mesmo fizeram também os israelenses no Líbano, claro), ao mesmo tempo em que ofereceram um acordo a Milosevic: renda-se e deixamos que fique no poder. Ele aceitou e ordenou que os militares sérvios saíssem do Kosovo. Foi sucesso político espetacular para a OTAN, mas em termos militares foi completo desastre (mascarado, para não ser reconhecido pela opinião pública ocidental, por cortesia da mais feroz máquina de propaganda que jamais se viu na história).

Num único caso o modo norte-americano de guerrear realmente funcionou como foi noticiado: durante a 1ª Guerra do Golfo. E por uma boa razão.

Durante a Guerra Fria, os planejadores e estrategistas militares dos EUA desenvolveram vários conceitos para prepararem-se para uma guerra na Europa contra a URSS. Entre esses conceito havia a doutrina Batalha Ar-Terra [ing. AirLand Battle doctrine, ou Follow-on-Forces Attack (FOFA)] que não discutirei aqui em detalhes, mas pela qual toda ênfase recaía sobre sistemas de ataques de reconhecimento de longo alcance e o uso das forças aéreas para derrotar uma suposta superioridade convencional dos soviéticos, especialmente nos blindados. Creio que foram doutrinas fundamentalmente sólidas, que poderiam ter sido efetivamente usadas no teatro europeu. Quando o Iraque invadiu o Kuwait, os USA haviam desenvolvido esses conceitos quase até a perfeição, e as forças armadas dos EUA estavam bem treinadas em aplicá-los. 

Saddam Hussein cometeu então uma série de erros imperdoáveis, dos quais o pior foi ter dado vários meses aos EUA para que se instalassem na Arábia Saudita (isso contradiz abertamente a doutrina militar soviética, o que significa, pela minha interpretação, que Saddam Hussein não deu ouvidos aos seus generais treinados na União Soviética, ou que aqueles generais tiveram medo de falar e interferir).

Aparentemente, Saddam Hussein acreditava que, tendo combatido contra os iranianos na guerra Iraque-Irã (1980-1988), estaria pronto para combater contra os EUA. Bom... Não estava. De fato, o modo como os iraquianos prepararam-se para um ataque dos EUA foi como planejadores e analistas norte-americanos verem realizar-se seus melhores sonhos, porque Saddam deu-lhes o alvo absolutamente *perfeito*: grandes formações de blindados exibidas num deserto, sem cobertura aérea. Os EUA, que durante anos haviam-se preparado para combater contra militares soviéticos convencionais muito mais sofisticados no complexo terreno da Europa Central (florestas, muitas cidades e vilas, corredeiras rápidas, colinas de difícil escalada e bancos de rios, etc.) simplesmente não acreditaram na própria sorte: os iraquianos posicionaram-se do pior modo possível, oferecendo-se como alvos ideais, muito mais fácil do que o previsto nos exercícios dos EUA em desertos. O resultado foi previsível, os EUA simplesmente esmagaram os iraquianos e safaram-se praticamente sem baixas.

Adivinhem quem observava toda essa movimentação, do outro lado da fronteira, com muita atenção? Os iranianos, claro.

Se alguém crê seriamente que os iranianos preparar-se-ão para ataque dos EUA, tentando 'liquidar' os norte-americanos, tenho cá uma ponte para vender... 

O que os iranianos e o Hezbollah compreenderam perfeitamente é que a chave para vencer os EUA é negar-lhe as condições de que os EUA precisam para fazer operar o seu modo de guerrear; e impor aos EUA o tipo de guerra que eles absolutamente detestam. Podemos chamar esse tipo de guerra de "o modo iraniano de guerrear". Apresento adiante alguns de seus componentes chaves:

1) Assuma que os norte-americanos estabelecerão supremacia aérea em 24 horas ou menos, e negue-lhes todos e quaisquer alvos lucrativos. Parece simples, mas não é. Exigem-se vários passos que podem precisar de muitos anos até serem implementados, incluindo, mas não se esgotando nisso, esconder, proteger, enterrar em subterrâneos profundos os ativos mais valiosos, civis e militares; cria rede de comunicação altamente redundante, e preparar-se para operações semiautônomas quando as comunicações falharem; criar sistema em todo o território nacional de cooperação entre militares e civis locais, para garantir a sobrevivência de serviços essenciais de governo, inclusive de lei e ordem; ter procedimentos implantados para compensar a interrupção da distribuição de energia e de nodos chaves da rede de transportes, etc. É possível que aqui fale o meu treinamento à moda suíça, mas eu assumiria que, ao longo dos últimos 30anos os iranianos escavaram milhares de quilômetros de túneis subterrâneos e têm postos de comando que permitirão que o país literalmente "mude-se para o subterrâneo" e lá permaneça pelo tempo que for necessário.

2) Desenvolva várias tecnologias avançadas chaves como GPS-spoofing, para invasão e interrupção de redes, contramedidas de guerra eletrônica, recursos avançados de minas e minagem de terrenos, operações com barcos pequenos e, claro, mísseis de ataque que neguem acesso aos EUA até às mais mínimas porções do território iraniano, de modo a sempre aumentar dramaticamente os riscos e os custos das operações norte-americanas. É aí que um pequeno número de sistemas avançados de defesas aéreas podem fazer diferença dramática, sobretudo se bem escondidos.

3) Engaje-se na "escalada horizontal": em vez de perder esforços tentando derrubar aviões dos EUA, use mísseis de ataque para destruir pistas de pouso (e portos) norte-americanos naquela região. Até aí, devo dizer, falamos da doutrina iraniana oficial. Ou ataque forças dos EUA no Iraque ou no Afeganistão. Ataque Israel ou, melhor ainda, ataque o regime saudita. Force a Marinha dos EUA ou a ter de se engajar em água-marrom [orig.brown-water (em rios)] ou, no máximo, em operações em água-verde [orig. green-water (nas costas e águas abertas territoriais nacionais)] (nessas operações, os submarinos russos classe Kilo serão excelentes) ou force-os a retroceder e feche o Estreito de Ormuz (a Marinha dos EUA odeia operações em águas marrons e verdes, e por boas razões: a Marinha dos EUA é, por excelência, marinha para águas azuis), e os norte-americanos sabem muito bem do que aconteceu à corveta norte-americana classe Sa'ar 5 construída em Israel, quando foi atingida por míssil C-802 de fabricação chinesa, disparado pelo Hezbollah.

4) Dê bom uso à carta "tempo": o tempo sempre corre contra os militares norte-americanos, que sempre contam com guerra rápida, fácil, com poucas baixas e "out" rápido. Os israelenses ficaram sem gás depois de 33 dias. A OTAN, em 78 dias. Assim sendo, planeje-se para conflito de, no mínimo, 12 meses. As forças ocidentais não têm capacidade para permanecer; faça-as crer que uma 'rapidinha' é possível; e depois observe as reações, quando começar a demorar.

5) Use a seu favor o tradicional senso de superioridade dos norte-americanos e de condescendência pelos "negros de areia" ou "hajis", e nem perca tempo tentando intimidá-los. Em vez disso, sirva-se daquela mentalidade racista dos norte-americanos para levá-los a cometer erros estratégicos cruciais; foi o que fez o Irã quando usou falsos 'desertores' iraquianos para espalhar desinformação sobre inexistentes Armas de Destruição em Massa no Iraque, para com isso convencer os neoconservadores nos EUA a fazer lobby a favor de os EUA atacarem o Iraque para proteger Israel. 

Na minha avaliação, a ideia de usar os neoconservadores norte-americanos para forçar os EUA a livrarem-se de Saddam Hussein e assim, praticamente, entregarem o Iraque ao Irã foi coisa do mais puro gênio. Por isso mesmo é comentário que jamais se ouvirá de fontes ocidentais :-)

6) Force os norte-americanos a mostrar-lhe mais e mais alvos: quanto mais forças norte-americanas são alocadas perto do Irã, maior o número de alvos para contra-ataques iranianos, e tanto mais os norte-americanos enredam-se em questões 'políticas' (como se viu e recentemente na recente ameaça dos iraquianos de que revogariam os vistos para soldados norte-americanos no Iraque, em retaliação contra a suspensão temporária que Trump impôs aos vistos; é ameaça vazia, mas claramente ninguém nem na Casa Branca nem no Departamento de Estado jamais considerou essa trilha). Basicamente, fato é que as forças do Comando Central dos EUA, CENTCOM, são odiadas em todos os cantos do mundo.

Até aí são apenas alguns exemplos de uma longa lista de coisas que os iranianos podem fazer para responder a um ataque dos EUA contra o Irã. Pode-se esperar que os iranianos aparecerão com lista muito mais longa e muitíssimo mais criativa. 

Devo dizer que não há qualquer novidade ou originalidade na lista acima, e os norte-americanos conhecem tudo aquilo. Há uma razão pela qual, ainda que os EUA tenham chegado a poucas horas de atacar o Irã, eles sempre retrocedem no último segundo. É sempre aquele velho cabo-de-guerra: os políticos dos EUA (que acreditam na propaganda que eles mesmos inventam e pagam) querem sempre 'atacar o Irã'; e os especialistas militares norte-americanos (que de modo algum acreditam na propaganda que eles mesmos inventam e pagam) sempre lá estão para tentar impedir os tais ataques. 

Quero mencionar aqui o almirante William Fallon, verdadeiro herói e patriota, que já disse curto e grosso, sobre possível ataque ao Irã, que "não no meu turno", em desafio direto aos seus superiores políticos. Espero que algum dia o serviço que o almirante Fallon presta ao seu país em situação tão difícil, será finalmente reconhecido.

Mais uma coisa: Israel e as outras potências regionais. São basicamente o equivalente à salada de folhas servida em churrascarias: só servem como decoração. Assim como a OTAN não passa de 'suposta força', no sentido de 'falsa força', assim também o exército de Israel e todos os demais exércitos locais, inclusive o saudita, pelo menos se comparados às forças do Irã e do Hezbollah. Ah, sim, claro, gastam muito dinheiro, comprar sistemas caríssimos, mas se a guerra vier, os EUA terão de enfrentar 90% do peso dos combates reais, no sentido de exatamente o contrário da construção de coalizão politicamente correta. 

O Irã é país muito grande, com geografia complexa, e os únicos que têm o que se possa chamar de capacidades para projetar poder para atacar no Irã, que não seja ataque apenas simbólico, são os norte-americanos. Claro, estou certo de que no caso de os EUA atacarem no Irã, os israelenses sentir-se-ão obrigados a atacar algum alvo dito nuclear, voltar rapidamente para casa e declarar a vitória do "Tsahal invencível". Mas se acontecer de o Irã ser significativamente atingido, terá sido atingido pelos EUA, não por Israel.

Significa que o Irá escaparia incólume a um ataque dos norte-americanos? Absolutamente não. O que espero que os norte-americanos façam é o que sempre fizeram: partir para o assassinato em massa de civis, como 'retaliação' pelos fracassos militares. 

Sei que, mais uma vez, isso ofende os ultra bem-pensantes, mas massacrar civis é tradição dos norte-americanos desde a fundação dos EUA como Estado. Quem duvide disso deve ler o livro (soberbo!) de John Grenier (aposentado da Força Aérea dos EUA) intitulado "The First Way of War 1607-1814: American War Making on the Frontier" que explica em detalhes impressionantes o modo como a doutrina norte-americana do terror anticivis foi desenvolvida ao longo dos séculos. Foi o mesmo, claro, que os Anglos fizeram durante a 2ª Guerra Mundial, quando se engajaram em bombardeios em massa contra cidades alemãs para "quebrar o espírito da Resistência". E também foi o que fizeram no Iraque e na Sérvia, e o que os israelenses fizeram no Líbano. E é precisamente o que se deve esperar que façam no Irã. Ou, pelo menos, esse é o pior cenário. 

Há fundamentalmente duas opções básicas para um ataque dos EUA contra o Irã, que já delineei em artigo de 2007 sobre "Iranian asymmetrical response options" [Opções de resposta assimétrica iraniana]:

Dito em termos amplos, vemos o Império Neoconservador com duas opções num ataque ao Irã:

1.           Ataque pequeno, limitado, contra algumas instalações nucleares e do governo do Irã. Os objetivos desse tipo de ataque seriam unicamente políticos: dar a impressão de ter feito "alguma coisa", dar aos desanimados norte-americanos e israelenses algumas bandeirinhas para agitar, "mostrar firmeza" e "enviar mensagem firme" – aquelas bobagens de que vive o Departamento de Estado. Se tiverem sorte, podem ter esperança de matar alguns líderes iranianos (mesmo que ninguém saiba o que conseguiriam com isso). Pelo menos, castigariam os iranianos por "se comportarem mal". 

2.          Ataque militar mais significativo, que poderia não se limitar á campanha aérea, e que teria de incluir pelo menos alguma inserção de forças de solo. Seria semelhante à estratégia que já delineei no artigo How they might do it [Como provavelmente farão a coisa]. O objetivo dessa opção seria radicalmente diferente da primeira: "punir a população iraniana por seu apoio nas urnas, aos 'Mulás' (como se diz nos EUA). É exatamente a mesma lógica que levou os israelenses a castigar toda a população libanesa, em todo o território libanês, com bombas, mísseis e minas – a mesma lógica que levou os mesmos israelenses a matar mais de 500 pessoas em Gaza – a mesma lógica pela qual os EUA bombardearam todo o território de Sérvia e Montenegro, e a mesma lógica que explica o bizarro embargo contra Cuba. A mensagem aqui é: quem apoiar os bandidos pagará por isso."


A opção que discuti nesse ensaio, hoje, é a segunda, porque é a que matará maior número de pessoas. Mas que ninguém se engane, dado que nenhuma dessas opções resultará em qualquer coisa que sequer possa fazer-se passar por vitória (que é conceito político para definir um objetivo político), pode-se concluir que as duas opções acima resultarão em fracasso e derrota dos EUA. Ataque desse tipo contra o Irã selaria o fim do papel político dos EUA no Oriente Médio, a menos, claro, que um elefante desprezado ativo numa loja de porcelana possa ser considerado "papel". 

Mas novamente, que ninguém se engane, ainda que o número de mortos iranianos chegue à centena de milhares, ou que chegue a um milhão de mortos, como no Iraque, nem assim os iranianos se renderão, e vencerão a guerra. Antes de tudo, aterrorizar civis jamais funcionou. O genocídio pode ser opção mais viável, mas há iranianos demais para esperar conseguir matá-los todos, e estão muito bem afundados no coração do próprio país, para que os EUA possam considerar a 'alternativa' do genocídio (desculpem, israelenses, mas nem a bomba atômica contra o Irã resultará em "vitória" de tipo algum). 

Os iranianos defendem-se há 3 mil ou há 9 mil anos (dependendo de como se calcule) e não serão contidos, submetidos ou derrotados por Estados de 200 ou 70 anos de idade, ou por algum Império Anglo-sionista em declínio terminal.

Suspeito que vários leitores ficarão terrivelmente irritados. Assim sendo, que melhor modo de concluir, que acrescentar religião à mistura? É. Façamos isso!

A maior parte dos iranianos são xiitas, o que todo mundo sabe. O que nem tantos conhecem é o mottoinspiracional dos xiitas, o qual, creio eu, expressa belamente um dos traços chaves do ethos xiita: "Todos os dias são Ashura e todas as terras são Karbala". Encontra-se aqui uma explicação para a frase. Basicamente, manifesta a disposição para morrer pela verdade a qualquer momento e em qualquer lugar. Milhões de iranianos, mesmo os que não são necessariamente muito religiosos, foram educados sob essa determinação de lutar sempre e resistir sempre, custe o que custar. 

Pense agora em Donald Trump ou no general "Cachorro Louco" Mattis, e tente imaginar o quanto as ameaças desses dois soam ocas e grotescas, para seus contrapartes iranianos.

Preciso escrever alguma análise das opções que os chineses têm, para responder a um ataque dos EUA? Nããããã, não é preciso. Digamos apenas que, se os EUA não têm recursos sequer para derrotar o Irã, atacar a China seria simplesmente suicidário.

Semana que vem, infelizmente, provavelmente terei de voltar aos dramáticos eventos na Ucrânia.

*[NOTA À MARGEM: alguns leitores norte-americanos incomodados com o que eu disse, que as forças especiais dos EUA têm currículo horrível na vida real, tentaram contra-argumentar com uma falácia: "e as forças especiais russas por acaso são melhores?" Exemplificaram com Beslan, Nord-Ost e Budennovsk. 

Há dois problemas com esse argumento: um, nenhum desses eventos pode ser considerado "operações especiais"; e, dois, ainda que as forças especiais russas tenham currículo terrível, não implica que o currículo das forças especiais dos EUA seja bom, menos ainda, melhor. Além disso, são três tragédias completamente diferentes. A crise dos reféns do hospital Budennovsk foi, de fato, desastre total que ocorreu contra sobre as ruínas de outro total desastre, a 1ª guerra da Chechênia, e que resultou em 130 civis mortos, em cerca de 2.000. 93,5% dos reféns sobreviveram. Considerando que as autoridades políticas civis eram, pode-se dizer, a pior coisa que jamais houve na história da Rússia, e considerando que os assaltantes que fizeram reféns eram bem mais de 100 experientes e duros terroristas chechenos, creio que não se vê aí o chamado "desastre" – como civis costumam imaginar desastres.

Examinemos Beslan. Aqui havia bem mais de 1.000 reféns, e 385 mortos – bem mais caracteristicamente "um desastre". Mas é preciso lembrar o que acontecera naquele dia: uma bomba, aparentemente uma das maiores guardadas naquele estádio coberto, explodiu, o que levou muitos civis (pais de alunos) a acorrer à escola espontaneamente. Nesse ponto, as forças antiterror simplesmente se reuniram para salvar o maior número possível de pessoas, e muitos deles morreram protegendo com o próprio corpo as crianças feridas. Não há como atribuir a culpa pelo que houve em Beslan às forças russas antiterroristas. 

Quanto a Nord-Ost, foi uma das mais bem-sucedidas operações de resgate de reféns de toda a história: cerca de 45 terroristas fizeram 900 reféns. Result5ado da operação, todos os civis foram libertados, todos os terroristas foram mortos e todos os soldados antiterroristas sobreviveram. Nenhuma bomba foi detonada. Mas a tragédia aconteceu depois da operação, quando os serviços médicos simplesmente não tinham pessoal suficiente para atender os reféns libertados, alguns dos quais morreram nos ônibus, a caminho dos hospitais. Em teoria, todos aqueles reféns haviam recebido anestesia geral (sem serem entubados) e todos tiveram de ser ressuscitados por equipe médica. Nem nos seus piores pesadelos as forças russas antiterroristas algum dia esperaram ter de lidar com tantos reféns necessitados de socorro altamente especializado e imediato. As unidades civis de emergência médica foram absolutamente afogadas, e sequer sabiam que gás havia sido usado. Resultado disso, morreram 130 reféns, 15% do total. Se os russos não decidissem pelo uso do gás, o número de mortos passaria de 500, ou ainda mais. Não se pode dizer que seja operação totalmente fracassada, incluindo o apoio civil. Em termos de operação puramente antiterroristas, de libertação de reféns foi provavelmente a operação mais bem-sucedida da história.

E fecho essa NOTA À MARGEM com uma pergunta simples: quando aconteceu de alguma força antiterroristas no ocidente ter tido de enfrentar situação em que grande número de terroristas excepcionalmente bem treinados e muito experientes chegaram a ter sob seu controle mais de 1.000 reféns?]



 Urban Dictionary (ing.): SNAFU é acrônimo (ing.) de "Situação Normal, Tudo Bem Fodido", primeiro estágio numa progressão de indicadores militares de situação:


1. SNAFU - Situation Normal, All Fucked Up (Tudo andando como se esperava);
2. TARFUN - Things Are Really Fucked Up Now (Houston, agora parece que fodeu, mesmo...); e
3. FUBAR - Fucked Up Beyond All Recognition (Muito fodido, até o osso. Você nem vai saber se algum dia passou por ali. Destruição total) [NTs].

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