Porém, a hostilidade contra o governo começou desde que os social-democratas venceram as últimas eleições e o presidente aliado à União Europeia, Klaus Iohannis, chefe de Estado, teve que nomear Sorin Grindeanu chefe de Governo, pois a Romênia é uma república semipresidencialista.
Em entrevista ao Diário Liberdade, o blogueiro espanhol José Luis Forneo, residente em Bucareste e que escreve sobre os principais acontecimentos atuais e históricos do país, esclarece o que realmente ocorre na Romênia e quais os interesses envolvidos. Segundo ele, trata-se de uma típica revolução colorida, em que os meios de comunicação e a oposição de direita ligada a interesses estrangeiros organizam manifestações pela queda do governo disfarçadas com nobres interesses.
Quando e por que começaram essas manifestações?
Começaram imediatamente depois do início do mandato do governo atual. O presidente do país, da direita pró-austeridade e globalista dirigida por Bruxelas, não teve mais remédio senão nomear um governo social-democrata após a vitória esmagadora do PSD [Partido Social-democrata] nas últimas eleições (com 48% dos votos).
No domingo [29 de janeiro] antes de ser aprovado o decreto 13 (que supostamente despenaliza alguns supostos crimes de corrupção), o presidente direitista, passando por cima da constituição, participou da manifestação contra o governo (ou seja, posicionando-se como presidente da minoria do país contra a maioria, que elegeu o PSD).
Na terça-feira seguinte (31), o governo aprovou o Decreto urgente de modificação de alguns parágrafos do Código Penal. O governo anterior também já havia feito a mesma coisa, mas o Tribunal Constitucional declarou suas modificações como anticonstitucionais. Então, desde o ano passado, o abuso de serviço não estava legislado, portanto estava despenalizado. Isto é, a realidade é que foi a direita quem despenalizou o abuso de serviço. Este governo aprovou o decreto 13 para voltar a criminalizá-lo. O presidente e a direita, ocultando a informação, afirmaram que o que o governo estava fazendo era despenalizar o abuso em serviço, quando era o contrário: o Tribunal Constitucional o impeliu a aprovar por via de urgência uma nova legislação que o legislasse. Os meios de propaganda da direita fizeram uma campanha brutal contra o decreto, as ONGs começaram a levar as pessoas à rua (financiadas com dinheiro europeu) e as multinacionais animaram seus trabalhadores a participar das manifestações. Altos diretores das multinacionais também participaram dos protestos.
Por quê? O presidente Iohannis e a direita tentam reverter o resultado eleitoral levando as ONGs às ruas e essas através do Facebook e da mídia têm arrastado muitos outros (típica revolução colorida).
O objetivo real dos protestos é outro. O governo social-democrata vai aprovar novas leis que prejudicam sobretudo as multinacionais e grandes empresas, por exemplo, aumentando os impostos de 5% para 16% para esse tipo de empresa. Também aumentou o salário mínimo e, portanto, as empresas terão de pagar mais impostos de saúde, aposentadoria e greve para seus trabalhadores, estando os executivos estrangeiros a partir de agora obrigados a pagar como todos os romenos.
Além disso, o governo do PSD não se posiciona tão firmemente a favor das ordens que vêm de Bruxelas (mais especificamente, de Berlim) e flerta, no momento apenas acena, com a Hungria e Putin, e também com Trump, que estão aplicando políticas mais protecionistas (protecionismo-globalismo).
Isso é importante no marco do conflito interimperialista que está se produzindo e que está provocando um reordenamento de alianças. A Alemanha teme que o triunfo de Trump nos EUA deixe a Europa sozinha diante de novas potências que estão no leste (China-Rússia) ou que estas atraiam outros países da Europa (o caso da Hungria, que está se aproximando de Putin está deixando nervosos os falcões da União Europeia, por exemplo).
Ou seja, após uma decisão meramente técnica, o decreto 13, se amplificou um conflito político que transcende o meramente partidário, mas que tem implicações internacionais, e no plano local faz com que as multinacionais, pela primeira vez depois de 27 anos afetadas negativamente por decisões do governo, se posicionem e se mobilizem também.
Isso não significa que o PSD, partido social-democrata, seja antissistema. É um partido capitalista que só se diferencia dos outros porque aposta um pouco mais em políticas sociais. No entanto, a situação da Romênia é curiosa, porque a maioria dos romenos sente certa falta do comunismo, mas não têm um partido organizado ao qual votar ou seguir. A direita, por outro lado, não para de acusar o PSD de ser o sucessor do comunismo, nada mais distante da realidade. Entretando, isso faz com que muitos romenos votem no PSD porque terminam acreditando no que a direita diz, que o PSD é próximo do comunismo. É, certamente, uma estratégia positiva para o sistema, que faz com que os descontentes acabem votando no PSD ao invés de se organizar para voltar ao comunismo (a eterna função moderadora e de colchão da social-democracia reformista).
Então o objetivo dos protestos é derrubar o governo social-democrata para acabar com suas políticas sociais que não interessam ao capital estrangeiro e para que as multinacionais tenham total domínio?
Isso mesmo. Para que as multinacionais sigam tendo total domínio e incontestáveis privilégios, como tiveram até agora.
A maioria dos manifestantes é da classe média e de direita?
Sim. Mas os pensionistas, desempregados e, em geral, os coletivos mais desfavorecidos, apoiam o governo. Ainda que a mídia só mostre um lado das manifestações, contra o governo, é preciso ressaltar que há manifestações a favor do governo no palácio do chefe de Estado, nas quais comparecem os trabalhadores, sindicatos e aposentados. Eles pedem a demissão do presidente do país e líder da direita que organizou as manifestações antigovernamentais.
As pressões contra o governo social-democrata irão diminuir após a revogação do decreto e com a convocação do referendo?
A pressão já está diminuindo. Depois da primeira semana de “emotividade” midiática, agora as coisas estão se explicando melhor e cada vez há menos gente nas ruas.
A mídia diz que essas são as maiores manifestações desde a queda do socialismo. Como anda o país nesses 27 anos de restauração capitalista?
Os meios de comunicação têm exaltado o crescimento do PIB (produto interno bruto), especialmente desde a entrada na União Europeia, dez anos atrás. Mas não se diz nada sobre os altos custos de vida. Além disso, a distribuição do PIB é extremamente desigual. Também não se fala do êxodo de trabalhadores especializados e de cérebros e, em geral, dos cerca de 4 milhões de romenos que emigraram, limitando a capacidade produtiva do país – desde o golpe de Estado de 1989 foram destruídas 90% das fábricas e cooperativas agrícolas da potente indústria produtiva romena, fazendo com que, de 1990 a 2006, tenham perdido 4,5 milhões de postos de trabalho, quase a metade do que existia. As empresas estrangeiras vêm à Romênia para ganhar dinheiro e enviar para seus respectivos países.
Segundo o FMI, em 1990 havia 6% de pobres no país, mas hoje a Romênia ocupa o primeiro lugar em toda a Europa no número de pessoas em risco de pobreza e exclusão, tendo 9 milhões de pessoas (46% da população) abaixo do nível de pobreza segundo o último censo. Neste sentido, e devido principalmente ao elevado nível de pobreza dos romenos em 2016, o número de suicídios cresce cada vez mais: em média são oito por dia, sendo que em Bucareste, a capital e região relativamente mais rica (ou melhor, menos pobre), há um suicídio a cada dois dias.
Desde a entrada na UE, as coisas pioraram ainda mais, com a diminuição brutal de salários, programas sociais e do orçamento público, e a pobreza tem aumentado.