Kim Petersen: Na parte III, “Strategy of Tension” apresentas uma lista extensiva de “operações de bandeira falsa”, como Susannah em Israel, Gladio em Itália e Phoenix em Vietname. As operações de bandeira falsa servem a função de permitir aos estados agressores exibirem-se como vítimas. Conta-nos mais sobre as operações de bandeira falsa.
Scott Noble: “Operação “bandeira falsa” veio basicamente a significar um evento em que o grupo A se apresenta como grupo B de maneira a afectar a política. No entanto, em casos em que não há um conflito directo entre estados (bandeiras), a literatura militar tende a usar a expressão “pseudo-operação” (ou se só envolve os média, “propaganda negra”). Operações doppleganger são um subgrupo relacionado que envolve a imitação de pessoas específicas. Independentemente das palavras que usemos, é encorajador que mais e mais pessoas comecem a estar conscientes destas tácticas.
A forma mais conhecida de bandeira falsa é quando um governo encena um ataque e culpa um inimigo designado para justificar uma invasão militar. Por exemplo, antes dos Nazis invadirem a Polónia, vestiram um certo número de vítimas de campos de concentração com uniformes polacos, levaram-nos até a uma estação de rádio alemã em Gleiwitz e executaram-nos; a estação de rádio foi posteriormente vandalizada pela Gestapo com o objectivo de criar a ilusão de um ataque de soldados polacos e subsequente troca de fogo. O “incidente Gleiwitz” criou um casus belli (pretexto de guerra) para que os nazis invadissem a Polónia.
Uma forma mais elaborada de bandeira falsa é quando um grupo de agentes activos numa organização ou país se faz passar pelo inimigo e comete uma atrocidade ou uma série de atrocidades. Estes grupos são descritos na literatura militar como “pseudo equipas” (ver, por exemplo, “Pseudo Operations and Counterinsurgency” de Lawerence E. Cline). Cline justifica o uso de pseudo equipas devido à sua utilidade na recolha de informação, mas também podem ser usadas para propósitos mais nefários. Durante a brutal ocupação da Argélia, a inteligência francesa criou uma pseudo-equipa chamada “Organização de Resistência da Argélia Francesa” cuja missão era executar ataques terroristas com o objectivo de “invalidar quaisquer esperanças de compromisso político.”
Na outra ponta do espectro estão os actos de provocação. Um informador que trabalha para um serviço de inteligência ou o polícia que se infiltra em um grupo “inimigo” e encoraja os membros a tomar acções destrutivas. O grupo inocente é geralmente composto por fanáticos, imaturos, pessoas facilmente influenciáveis, sem meios financeiros ou doentes mentais. Após o plano forçado sair frustrado, a agência “protectora” organiza uma conferência de imprensa para congratular a própria agência e justificar o seu orçamento gigantesco/estado policial.
Quanto mais estudamos estes “planos de terror” mais se torna aparente que estes tendem a ser produzidos pelas mesmas organizações que declaram estar a proteger os cidadãos do terrorismo. No caso da Operação Gládio, por exemplo (ver parte 1 da entrevista), uma nota da Aginter Press, um grupo fascista em Portugal, declara:
“Os actos de terrorismo vão parecer ter emanado dos nossos adversários e a pressão cairá, a todos os níveis, sobre os ombros das pessoas a quem o poder lhes foi investido. Isto vai criar um sentimento de hostilidade: ao mesmo tempo surgimos como defensores dos cidadãos contra a desintegração trazida pelo terrorismo e subversão.”
O FBI é infame por usar estes métodos. Mesmo alguns comentadores populares escreveram sobre o fenómeno “ver e.g., The Terror Factory: Inside the FBI's Manufactured War on Terrorism). Um estudo conduzido pelo grupo de interesse muçulmano SALAM intitulado “Inventing Terrorists: The Lawfare of Preemptive Prosecution” analisou 399 indivíduos, dos casos de “terror” no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, de 2001 a 2010 e determinou que 94,2 porcento resultaram do FBI frustrar os seus próprios complôs artificiais. Após o ridículo complô de “Sears Towers” de 2006, no qual ingénuos receberam dinheiro para fazer parte, Jon Stewart referiu-se aos infelizes colegas como “ os 7 otários em um armazém.”
As campanhas das autoridades contra dissidentes/grupos inimigos não podem ser completamente entendidas sem a referência a agentes provocadores, todavia o assunto ainda tem recebido escassa atenção académica. Quando o professor de sociologia de Harvard, Gary T. Max, escreveu um artigo cientifico sobre o assunto e chamou-lhe “Pensamentos sobre uma categoria negligenciada de participação nos movimentos sociais: o agente provocador e o informador:” Os informadores podem ser agentes à paisana e super-patriotas, mas também podem ser pequenos criminosos sem sorte a quem lhes é oferecida clemência em troca por infiltrações nas facções “inimigas”. No caso do pretenso ataque terrorista no Canadá, “Toronto 18”, o informador chave era um ex-condenado a quem lhe foi pago meio milhão de dólares para cozinhar o complô (de facto pediu 14 milhões de dólares). No caso do recente “Cleveland 5”, do movimento Occupy, o informador era um criminoso reincidente, anteriormente condenado por 6 crimes diferentes incluindo roubo. Há um grande incentivo para que estas pessoas consigam resultados seja de que maneira for, mesmo que signifique manipular pessoas ao ponto de as levar a cometer actos destrutivos que de outra forma nunca sequer os considerariam.
Infelizmente, a mera posição de militante pode colocar-te numa posição de alvo. Há inúmeros exemplos da era dos direitos civis, em que a polícia e o FBI colocam falsas evidências e incriminam pessoas, por exemplo, dos Panteras Negras e do Movimento Indígena Estado-Unidense. Mesmo quando um activista recusa as propostas de um provocador não está imune à perseguição. Um exemplo particularmente perturbador é o de Geronimo Pratt (um pantera negra e avô do falecido “rapper” Tupac Shakur), que foi condenado pelo rapto e homicídio de Caroline Olsen em 1972. O FBI e o LAPD [Departamento de Policia de Los Angeles] procurava “neutralizar Pratt como funcionário efectivo do Partido dos Panteras Negras”, e fizeram-no incriminando-o por um crime horrendo que não cometera. Passou 27 anos na prisão, oito dos quais em solitária. Pratt morreu pouco depois da sua libertação.
A forma mais sofisticada de bandeira falsa envolve provocação e encenação e culmina com enormes baixas. Os inocentes são “bem intencionados”, totalmente empenhados com a causa, dispostos até a morrer pela causa, mas são, sem fazer qualquer ideia, financiados, treinados e apoiados pelos seus inimigos. Nestes casos, o ataque não é parado no último segundo, mas sim são permitidos prosseguir até à sua conclusão sangrenta. Em 1976 um voo da Air France foi desviado por palestinianos alegadamente financiados pela israelita Shin Bet. De acordo com os documentos obtidos pelo Guardian, o objectivo (tal como descrito pelo Diplomata britânico D.H. Colvin) era “torpedear a posição da OLP em França e prevenir o que eles viam como uma crescente reaproximação entre a OLP e os estado-unidenses.”
KP: No “strategy of Tension” afirmas que as operações de bandeira falsa são olhadas como um tabu pelos média e universidades e são desprezadas como teorias conspiratórias. Podes aprofundar mais sobre a suposta dicotomia entre a “análise institucional” e a análise “conspiratória”?
SN: [Este tema é mais complicado do que parece e portanto respondi a esta questão com profundidade. Se os leitores preferirem a versão curta podem querer ver a curta “The politics of Conspiracy Theory,” um excerto da parte III de Counter-Intelligence.]
Considerando que as operações de bandeira falsa têm repetidamente sido usadas não apenas para demonizar grupos dissidentes e tramar inocentes mas também para iniciar guerras que causam milhões de mortes, seria de esperar que os académicos e os “média populares” estivessem fascinados com o assunto. Milhares de livros devem ter sido escritos sobre bandeiras negras pelos seus respectivos académicos e o assunto tratado com a máxima seriedade. Não? Por que não?
No caso das figuras proeminentes dos média a resposta deve ser óbvia — estas pessoas não são jornalistas “objectivos” mas sim propagandistas. Estes acabam por perceber muito cedo que tipo de opiniões são aceitáveis e que tipo de opiniões irão travar ou mesmo terminar as suas carreiras. Peter Phillips do Project Censored tem-se referido ao conceito “limite”; por exemplo, uma coisa é dizer que Martin Luther King foi morto devido à cultura tóxica de supremacia branca dos anos 60 nos EUA, mas é outra coisa completamente diferente sugerir que o seu assassinato foi um acto de estado. No prefácio do Triunfo dos Porcos, de Orwell, (amplamente censurada no Ocidente até ao início dos anos 70), este escreveu:
“O facto sinistro acerca da censura literária em Inglaterra é que ela é em grande medida voluntária... As coisas são deixadas de fora da imprensa britânica, não porque o governo intervém mas porque há um acordo tácito geral de que “não é bom” mencionar tal facto em particular.”
Bandeiras falsas são talvez o maior tabu no jornalismo porque anulam a legitimidade de todo o aparelho do estado. Portanto, não é surpreendente que os “jornalistas” populares e analistas se mantenham longe do tema. No caso dos respeitáveis académicos, especialmente os de convicção esquerdista, a persistência em minimizar eventos relacionados com “conspirações” é ainda mais misterioso.
Os ataques de 9/11 fornecem um interessante caso de estudo. Activistas pela verdade do 9/11 compilaram uma grande quantidade de informação que aconselha, no mínimo, a que as pessoas adoptem um cepticismo saudável quanto à história oficial. No entanto, em vez de serem apoiadas por proeminentes esquerdistas, os activistas pela verdade do 9/11 têm sido em geral tratados com desdém. Quando as sondagens revelam que grande parte do mundo islâmico é igualmente céptico da narrativa oficial do 9/11, os académicos atribuem este facto — na maneira clássica Orientalista — ao ódio irracional ao Ocidente, em vez de o atribuírem a uma crença inteiramente sensata de que as agências de inteligência ocidentais se envolvem frequentemente em truques sujos (truques sujos extremos) para controlar e dominar outras nações, especialmente no Médio-Oriente.
Se fosse apenas a questão de pessoas que discordam com certas teorias levantadas pelos cépticos do 9/11 haveria pouco a discutir; no entanto o que realmente vemos é uma visível quantidade de hostilidade dirigida a pessoas que meramente questionam a história oficial. Isto apesar do facto de 80% das questões submetidas à 9/11 Comission Report, por familiares das vítimas, continuarem por responder. Por quê tanta acidez?
A neuro-cientista, Laurie Manwell, uma especialista em mecanismos psicológicos de defesa e psicologia de grupo, oferece uma resposta simples e plausível. A maior preocupação da vasta maioria dos humanos é ser apreciado e ter o respeito dos nossos pares. Podemos pensar que a censura e o ridículo não seja nada de extraordinário, especialmente quando vem de um grupo diferente do nosso, mas pensa por um momento o quão horrível te sentiste quando eras criança e os teus colegas te marcaram e te maltrataram. Os adolescentes cometem sistematicamente suicídio por causa dos abusos de colegas. Este mesmo medo de ostracização existe entre adultos, ainda que de uma forma muda. Os etnógrafos descobriram que entre os grupos de caçadores-recolectores geralmente bastava ridicularizar para impedir um individuo de ter um comportamento indesejável.
Li recentemente o livro de Brenda James e William D. Rubinstein intitulado The Truth Will Out.
É uma nova adenda na literatura anti-Stratfordian, caracterizada pela crença que alguém que não o actor William Shakespeare foi responsável por escrever as peças teatrais atribuídas a ele. Um número de proeminentes figuras histórias subscreveram esta posição, de Mark Twain e Charlie Chaplin a Sigmund Freud e Malcolm X. Sem irmos aos argumentos a favor e contra, o que me impressionou mais sobre o livro foi uma passagem na introdução escrita por Mark Rylance, o Presidente do Shakespeareab Trust. Escreve ele:
O [Anti-Stratfordianism] parece inflamar... [leva] muitas pessoas inteligentes a comportamentos bastante estranhos: repressão do debate, negação de evidências, falta de objectividade, ofensas pessoais, teorias conspiratórias bizarras e paranóia, ameaças de morte e ameaças de desemprego no mundo académico.
Se uma teoria conspiratória com 200 anos consegue incitar este nível de irracionalidade e ódio, o que se pode dizer de um evento importante que ocorreu apenas há uns anos atrás?
No que toca a respeitados e /ou reconhecidos académicos de esquerda, estes passaram uma carreira inteira construindo uma obra em desafio à ordem estabelecida e assim se percebe a sua relutância em tê-la manchada por acusações de “conspiracionismo” radical. Escrevendo no Global Research, James F. Tracy descreveu a frase “teórico conspiratório” como uma “expressão usada como arma” e um “mecanismo de disciplina”, “particularmente [para] jornalistas e académicos” designada para “[definir] os limites da investigação”. No artigo cientifico de Ginna Husting e Mortin Orr, “ Conspiracy Theorist’ as a Transpersonal Strategy of Exclusion”, pode-se ler:
“Se eu te chamo teórico conspirativo, interessa pouco se de verdade afirmaste que uma conspiração existe ou se simplesmente levantaste uma questão que eu preferia evitar... Ao rotular-te, eu estrategicamente excluo-te da esfera onde o discurso público, debate e conflito ocorre.”
No centro do problema está a própria construção de “teoria da conspiração”. Essencialmente veio a significar qualquer opinião sobre os poderosos que se desvia da ortodoxia oficial. Quando um comentador em linha expressa dúvidas sobre uma narrativa oficial, vai dizer frequentemente “não sou um teórico conspirativo, mas...” Portanto é perfeitamente óbvio que a expressão ganhou conotações bastante negativas. Na imaginação popular um “teórico conspirativo” é alguém meio louco ou alguém com uma personalidade encantadoramente paranóica e excêntrica e com uma imaginação hiperactiva.
A expressão é aplicada de forma selectiva e desonesta. Quando Bush e Blair declararam que Saddam Hussein estava secretamente a conspirar com a Al-Qaeda para atacar o Ocidente com ADMs [armas de destruição massiva] ninguém lhes chamou de teóricos conspirativos. Na verdade, Blair, virou ao contrário e acusou os seus críticos de serem teóricos conspirativos por terem sugerido que a invasão do Iraque pudesse ter sido motivada pelo imperialismo.
Nem todas as teorias conspiratórias são criadas de igual maneira.
Este último ponto parece ter sido eludido por muitos auto-intitulados “desenganadores”. Michael Shermer, da revista, ironicamente chamada, Skeptic Magazine, mistura frequentemente crenças sobre extra-terrestres na Área 51 com teorias alternativas sobre o assassinato de JFK.
O que deve ser óbvio, mas aparentemente não é, é que a pesagem cuidadosa das evidências é um pré-requisito para uma opinião informada. Qualquer coisa menos é uma “petição de princípio”, i.e., começar com a conclusão e trabalhar para trás.
Muito raramente os novos pseudo-cépticos examinam dentro do campo das evidências. Nafeez Ahmed descreveu esta tendência como “des-factualização da análise.” O que estamos a ver aqui é uma forma de excepcionalismo (e classicismo — conspirações de pessoas pobres são julgadas nos tribunais todos os dias); é-nos ensinado que em outros países (como Rússia sob Putin) se pode sofrer sob as manobras conspirativas das elites, mas os nossos políticos/serviços de inteligência/forças policiais etc. são mantidas em um padrão mais elevado, presumivelmente pelos nossos corajosos vigias dos media e os nossos queridos pesos e contrapesos de equilíbrio de poder.”
Um exemplo esclarecedor deste excepcionalismo pode ser encontrado na literatura do genocídio ruandês. Romeo Dellaire, Comandante da Missão das Nações Unidas para Ruanda, afirma no seu livro “Shake Hands with the Devil” que os extremistas Hutu abateram o avião do Presidente Hutu, Juvenal Habyararimana e culparam os Tutsis pelo sucedido. A mesma afirmação é feita no aclamado trabalho de Philip Gourevitch “We wish to inform you that tomorow we will be killed with our families.” (Uma investigação de 2010 determinou que foi exactamente isto que aconteceu, no entanto, é de salientar que o actual presidente de Ruanda, Paul Kagame, é uma figura genocida por direito próprio). O ponto é, que em nenhum momento estes cavalheiros foram rotulados de “loucos conspirativos com chapéus de papel-alumínio” por sugerir que uma pseudo-operação foi usada para precipitar as atrocidades em Ruanda.
O orçamento do complexo de espionagem dos EUA está agora estimado à volta de 80 mil milhões de dólares. Os orçamentos da NSA e CIA aumentaram mais de 50 porcento cada uma desde o 9/11. O que pensam as pessoas que estas agências estão exactamente a fazer com todo esse dinheiro? Estão a conduzir operações secretas mergulhados em actividades ilegais; por outras palavras, conspirações.
O último aspecto é o da visão global e está relacionada com “análise conspirativa” vs. “análise estrutural”.
Tradicionalmente, quando os académicos escrevem sobre “conspirações globais”, referem-se a pessoas que abraçaram teorias conspirativas grandiosas. Estas teorias estão em grande parte limitadas à direita populista e tendem a servir como substituição/deflexão da análise de classes: geralmente abraçam a falácia da era de ouro — a crença de que as coisas eram mesmo formidáveis nos bons velhos tempos, mas que em algum período ao longo do tempo a visão dos nossos sábios antepassados se corrompeu por forças sinistras.
Um exemplo excelente da falácia da era de ouro é o documentário From Freedom to Fascism do falecido Aaron Russo. No filme Russo afirma, “antes de 1913 [a data de fundação da Reserva Federal] os Estados Unidos era um país livre.” Se por “livre” ele quer dizer livre para trabalhar em uma mina de carvão todo o dia com nenhuma protecção para os trabalhadores, ou no caso dos negros, livre para ser linchado, ou no caso das mulheres e homens sem propriedades, livres de não poder votar etc. etc., então sim, os Estados Unidos era “um país livre” no século XIX.
O quociente nacionalista/nativista é forte nestes círculos. Imigrantes ilegais? Não são o produto desejado dos capitalistas para criar uma classe ultra explorada para aumentar os lucros mas um complô para destruir os Estados Unidos. Imperialismo estado-unidense? Não está tão relacionado com as dinâmicas de poder entre estados mas sim com um complô para pintar os Estados Unidos como o mau da fita de maneira a conduzir-nos a um governo mundial. Ambientalismo? Andam atrás da tua propriedade privada. E por aí adiante.
A ponto de estas teorias, que são hiper-nacionalistas, ignorarem a análise de classe e poderem levar ao uso de bodes-expiatórios e serem, no melhor das hipóteses, uma distracção e, no pior, potencialmente perigosas. O problema é que estas conspirações grandiosas estão ser misturadas com análises perfeitamente lógicas sobre eventos específicos e/ou estruturas (como a CIA) que são por concepção conspiratórios.
Assim nos deparamos com uma falsa equivalência. O mero acto de questionar a história oficial para o evento X é susceptível de ter marcarem como “teórico conspirativo”, mesmo que o cepticismo acerca das narrativas oficiais devesse ser a nossa posição de base. Há uma diferença gigante entre alguém que cuidadosamente analisa as evidências, por exemplo, de Martin Luther King e chega à conclusão que o seu assassinato foi patrocinado pelo estado vs. alguém que crê — apesar da total insuficiência de evidências — que uma centenária sociedade secreta está a micro-gestionar os assuntos do mundo para trazer um governo mundial comunista.
Qualquer análise estrutural séria deve reconhecer a importância da conspiração. Isso não quer dizer que devemos, de repente, esquecer a análise de classe ou abraçar teorias conspirativas grandiosas, apenas significa que temos que desenvolver um entendimento mais sofisticado do poder. Para aqueles que argumentam que isto é desnecessário — que já sabemos que somos governados por vigaristas homicidas — eu diria que assim nos colocamos em clara desvantagem por aceitarmos automaticamente falsas narrativas de propaganda.
KP: “Necrophilous” é a parte mais longa da série. Podes falar sobre o “terrorismo” e como o termo é usado? Aqueles que são rotulados de terroristas pelos media empresariais/estatais são geralmente aclamados pelo povo como lutadores pela liberdade ou como a resistência. Às vezes os terroristas rotulados pelo Ocidente são aliados e outras vezes inimigos. Uma diferença é ser a retalho ou terrorismo de estado.
SN: “Necrophilous” deriva do conceito de Eric Fromm de personalidade “necrófila”. De maneira simples, significa alguém que prefere a morte em vez da vida. O termo descreve com precisão os líderes do complexo inteligência-militar-industrial, que têm sido responsáveis pela morte de centenas de milhões de pessoas ao longo dos últimos 70 anos. Uma das suas principais armas é o terrorismo.
A palavra terrorismo tem diferentes definições. Os média geralmente definem-no como um acto de violência perpetrado por um actor não-estatal por razões políticas. No entanto, tal como “teórico conspirativo” o termo é aplicado selectivamente.
O enquadramento feito pelos media sobre o conflito israelo-palestino é elucidativo. Os palestinianos são geralmente descritos como terroristas mesmo quando explicitamente atacam soldados israelitas que ocupam a sua terra (tal como é seu direito sob a lei internacional); ao mesmo tempo que o arrasamento de uma vila inteira por parte da força aérea israelita é geralmente descrita como “ataque aéreo.” Militante é outro termo que se deve ter cuidado. Significa qualquer pessoa de sexo masculino de cor morena acima de 15 anos morto pelas forças armadas ocidentais ou israelitas.
A maioria da literatura sobre terrorismo centra-se naquilo a que podemos chamar terrorismo orgânico: actos de violência cometidos por pessoas que se sentem marginalizados e oprimidos mas que não têm acesso a um arsenal militar. Então atacam por vezes de formas hediondas e contra-produtivas.
Os bombistas suicidas recebem a maior parte da atenção e geralmente caem na rubrica “terrorismo islâmico.” É uma frase interessante, “terrorismo islâmico” porque raramente ouvimos falar sobre o “terrorismo cristão” ou “terrorismo judeu”. A assumpção implícita é que os bombistas suicidas são motivados primordialmente pela religião, mesmo que muitos outros povos (incluindo ocidentais) tenham uma história rica em missões suicidas. Se eu fosse cínico, diria que o rótulo “terrorista islâmico” é uma tentativa deliberada para representar estas pessoas como irracionais em vez de pessoas com ressentimentos legítimos. Poderia também indicar que a proeminência da expressão na sociedade ocidental é causada por um acidente de história: são maioritariamente os muçulmanos e não e.g., os hindus, que tiveram a má sorte de terem nascido nas nações ricas de petróleo do Médio-Oriente (e nas cercanias de Israel). Se os hindus formassem a maioria nestas terras os média ocidentais estariam em alvoroço com o “terrorismo hindu.”
As estatísticas dão suporte à minha afirmação. Um estudo da Universidade de Chicago, Project on Security and Terrorism, determinou que 95% dos bombistas suicidas têm que ver com uma resposta à ocupação e não por motivação religiosa.
A sinistra ironia de tudo isto é que o Ocidente tem apoiado as seitas islâmicas mais extremistas de maneira a combater o nacionalismo árabe secular. Durante a administração de Eisenhower, o secretário de estado, John Foster Dulles, declarou, “Temos que encarar o nacionalismo árabe como uma torrente que corre com força. Não conseguimos opor-nos com sucesso, mas podemos pôr sacos de areia à volta de posições que devemos proteger — primeiro, Israel e Líbano e segundo, localizações de petróleo à volta do Golfo Pérsico.” “Nacionalismo Árabe” é um código para independência árabe. O Ocidente tem-se oposto a tais “ameaças” financiando ex grupos marginais do fundamentalismo islâmico, geralmente através de estados clientes como Arábia Saudita (o estado islâmico mais extremista do mundo). Os Mujahideen no Afeganistão foram directamente e indirectamente financiados pela CIA. Este padrão continua nos dias de hoje em países como a Síria e Líbia. O desastre do ISIS no Iraque continua.
Eu sou da opinião que a maioria do terrorismo é conduzido pelos estados. No entanto, tal violência é raramente descrita nos média como terrorismo. A simples ideia de que os estados são capazes de enveredar pelo terrorismo é controversa porque implica que os próprios Estados Unidos possam ser um “estado terrorista”. Também desafia a noção de que os estados têm o monopólio legítimo da violência.
Um dos maiores enganos colectivos que sofrem os ocidentais é de que os nossos governos não atacam civis. Matamos acidentalmente civis (“danos colaterais”) nas nossas justas campanhas contras os “maus.” A distinção é insignificante. Não interessa se o teu alvo era um “tipo mau”; Se tinhas uma expectativa razoável de que outras 50 pessoas também morreriam em, e.g., um ataque de drones, então estavas efectivamente a atacar essas pessoas. Podemos extrapolar isto para a prática da guerra como um todo. As baixas civis têm aumentado paulatinamente durante os séculos XX e XXI, ao ponto de 90% das mortes nas guerras modernas sejam civis. A decisão de ir para guerra é portanto a decisão de chacinar números enormes de pessoas não-violentas, homens, mulheres, crianças. Não há como contornar este facto.
Outro engano generalizado é que as nações Ocidentais não têm como alvo explícito os civis. Agora considera a campanha “Shock and Awe” concebida por Harlan K. Ullman e James P. Wade da Universidade Nacional de Defesa em 2003. Foi projectada para causar “a ameaça do medo de acção que pode desligar total ou parcialmente a sociedade do adversário.” Ullman mais tarde desenvolveria a ideia: “Tu desligas a cidade. Por desligar eu quero dizer que te desfazes da energia, água.” Após a invasão estado-unidense do Iraque, sob o criminoso de guerra, General David Patraeus, foi estabelecida a tortura e os esquadrões de morte como estratégias de “pacificação”. O número de mortos é de aproximadamente várias centenas de milhar de pessoas a mais de um milhão — com mais milhões de mutilados e refugiados.
A estratégia de tentar “desfazer-se da energia, água” do povo iraquiano já se estava a efectivar há algum tempo. Em “Necrophilous”, os estudos de Graeme MacQueen, do Centre for Peace, verificam que durante o anterior assalto ao Iraque, sob as ordens do pai de George W. Bush, George H. W. “Poppy” Bush, “as estações hidroeléctricas foram alvejadas. [Estas estações] eram obviamente vitais para a saúde da sociedade, eram vitais para manter a água pura, sistemas de esgotos, sistemas de purificação da água...”
Um estudo denominado “as vulnerabilidades do tratamento de águas iraquiano” foi elaborado em Janeiro de 1991 para várias entidades militares do Reino Unido e Estados Unidos. Manifestava de maneira clara que o Iraque não seria capaz de manter os seus sistemas de purificação das águas enquanto as sanções se mantivessem e que, por consequência e com quase certeza, várias epidemias ocorreriam. A Secretária de Estado, sob a administração de Bill Clinton, Madeline Albright, mais tarde gracejou que o “preço” destas sanções — que incluíram meio milhão de crianças mortas — “valeram a pena”.
Qual foi o objectivo? De maneira simples, o objectivo era enfraquecer o estado iraquiano como um todo. Para alcançar tal objectivo, os EUA focaram-se no que o estratega militar do século XIX, Carl Von Clausewitz, chamou “centros de gravidade”. Centros de Gravidade incluem alvos civis ou alvos que afectam despropositademente civis. Guerra Total é outro conceito importante. Tal como a expressão sugere, os civis não são considerados “fora-do-limite”. Estas doutrinas estão bem entendidas por aqueles que as praticam, mas há um enorme corte entre as crenças dos líderes militares e as do público. Isto é assim na política externa em geral. Chomsky tinha razão quando disse, “basicamente não há mais moralidade nos assuntos do mundo agora do que havia no tempo de Genghis Khan.”
Em “Necrophilous” comparo o assalto dos Estados Unidos a Faluja com o assalto a Tiro de Alexandre o Grande. Poderia usar muitos outros exemplos históricos. Alexandre não tinha qualquer problema com governos que transferiam a sua lealdade ao seu império, mas quando uma cidade/região revelava alguma resistência eram sujeitos a uma brutalidade total. A violência era geralmente de género. As mulheres e crianças eram poupadas (ou violadas), mas homens e rapazes de idade militar eram literalmente crucificados. De maneira similar, em Faluja”, a mulheres e crianças era-lhes permitido sair da cidade mas homens e rapazes com idade militar eram forçados a ficar pelas forças armadas dos EUA (o termo para esta prática é androcídio e é comum em guerras). Homens e mulheres persistentes foram então sujeitas à campanha “mata tudo o que mexa”, que incluía o uso de munições de urânio empobrecido e armas químicas como o fósforo branco.Desde essa altura, os residentes de Faluja têm registado um aumento dramático de mortalidade infantil, cancro e leucemia.
O que aconteceu tanto em Tiro como em Faluja é descrito, nos documentos de guerra psicológica, como violência “exemplar” ou “demonstrativa”. Realiza um objectivo específico em relação a um alvo, mas a sua função mais importante é de servir como aviso à população geral. Um panfleto de guerra psicológica da campanha da CIA contra o movimento HUK nas Filipinas defende “exemplos de violência criminal — o assassinato e mutilação de cativos e exibição dos seus corpos.”
O bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki pode ser olhado de maneira similar, pois os ataques não foram apenas concebidos para que os japoneses se rendessem (estes já estavam a ponto de o fazer) mas também para enviar uma mensagem à União Soviética. Longe de estar assustado pela beligerância japonesa, o Secretário de Guerra, Henry Stimson, disse ao Presidente Truman que estava “com medo” que os japoneses se rendessem antes que a nova arma pudesse “mostrar a sua força”. No seu diário este explica de forma franca a verdadeira razão do ataque: as bombas foram lançadas “para persuadir a Rússia a cooperar.”
A tortura continua a ser a manifestação mais hedionda de violência demonstrativa. Não tem nada que ver com adquirir informações fiáveis mas sim com obter confissões ilícitas que justifiquem as políticas predeterminadas e, ainda mais importante, aterrorizar populações inteiras.
Quando estados-clientes dos Estados Unidos torturam não o fazem em desafio a Washington, fazem-no porque a tortura é entendida como um componente importante da guerra anti-insurreccional. Técnicas de tortura vêm sendo ensinadas pela “Escola das Américas” desde 1946 e até a CIA escreveu um manual sobre o assunto. Conhecido por KUBARK, esta palavra é na verdade um criptónimo da própria CIA.
Após o 9/11, a administração Bush trouxe a tortura para a praça pública apesar dos riscos para a afamada “legitimidade moral” dos Estados Unidos.” Provavelmente estariam bem melhor mantendo o assunto escondido. Apesar das tentativas para justificar e mesmo celebrar tal barbaridade, séries de TV como 24 e filmes como 0:30 Hora Negra [Zero Dark Thirty] (feito em colaboração com a CIA), a maior parte do público não partilha as mesmas tendências psicopáticas dos formuladores da política estado-unidense.
Devo sublinhar que não creio que todos os que definem a política dos Estados Unidos sejam psicopatas no sentido clínico do termo. Mas sim, tal como qualquer um que sobe a uma posição de poder de estado, que os líderes dos EUA abraçam uma qualquer variante do realpolitik. É da natureza dos estados poderosos a tentativa de reter e expandir o seu poder; e isto, parece ser, leva a mortes em massa. Não é pessoal, é apenas negócio.
KP: Pode o “estado profundo” ser derrotado?
SN: Não sem derrotar devidamente o estado. Essa é a minha opinião, ainda que muitos dos teus leitores discordem. Não acredito que a raça humana possa sobreviver por muito mais tempo sob a estrutura de estados competitivos. O poder terá que ser radicalmente democratizado e federado horizontalmente. Eu explico a minha opinião sobre estes temas no meio ensaio “Anarchy and Near-Term Extinction.”
Não é razoável esperar que governos poderosos se volvam transparentes. Estes podem certamente ser muito mais transparentes, mas a mera existência de armas químicas e biológicas exige um alto nível de secretismo de estado. Estas armas são o exemplo supremo do que Lewis Mumford denominou “técnicas autoritárias.” A tecnologia não é uma força neutral. Algumas tecnologias produzem e de facto requerem sistemas não democráticos.
Se a pergunta é se o estado profundo pode ser controlado sob “democracia representativa” a resposta é sim, e penso que este é um objectivo muito digno para os activistas. Mas temos que ter uma perspectiva a longo prazo.
A NSA está actualmente debaixo de fogo por violar a privacidade de todos. O que sugere Glenn Greenwald que façamos? Sugere que aprendamos mais sobre encriptação. Bill Blunden (autor, Behold a Pale Farce: Cyberwar, Threat Inflation and the Malware-Industrial Complex) defende, e com razão, que tais “soluções avulsas” não resolverão o problema geral.
Temos que ter presente que agências tais como a CIA e NSA não apareceram do nada. Foram criadas para proteger e expandir o poder e o capital dos Estados Unidos. Nem tampouco o complexo de inteligência representa uma vertente radical do tradicional. As agências de espionagem existem deste o despertar da civilização e desde sempre tinham como alvo não só inimigos externos mas também dissidentes internos. O problema não é apenas o facto de estas organizações se terem volvido, de alguma maneira, nocivas; o problema fundamental é que, na maioria dos casos, estas, efectivamente, cumprem o seu mandato não oficial — servem os interesses da elite poderosa.
O jornalista liberal, Bill Moyers, fez um documentário durante o caso Irão-Contras intitulado The Secret Government. Comparado com a maioria dos documentários sobre serviços de inteligência é bastante bom e eu mostro alguns excertos em Counter-Intelligence. Sem embargo, porque Moyers é um liberal do sistema, as suas conclusões são necessariamente limitadas. Moyers sugere que o caso Irão-Contras marcou uma viragem determinante das formas de governo tradicionais tais como foram desenhadas pelos “Pais Fundadores”. Tem razão? Considera o seguinte, um extracto de Toward an American Revolution, de Jerry Fresia:
Em 1803, os Estados Unidos encontrou-se à mercê de fundamentalistas muçulmanos que tinham cidadãos estado-unidenses como reféns. Além disso pediam um resgate do governo dos Estados Unidos. A resposta de Jefferson foi um plano encoberto para secretamente depor esse governo (um estado na região onde hoje é a Síria) e substituí-lo por um mais simpático aos interesses dos EUA. No dia 10 de Dezembro de 1803, Jefferson realizou um encontro secreto na Casa Branca com o Capitão William Eaton. Delinearam um plano no qual seria dado a Eaton 40.000 dólares do Departamento de Estado e 1.000 fuzis. Eaton foi depois afastado do Departamento de Estado e emprestado à Marinha onde lhe deram o título “Agent for the United States Fleet in the Mediterranean,” um posto que nunca se tinha ouvido falar. Encoberto e por detrás das costas do Congresso, Eaton acabou por ser chamado para o Egipto, com onze fuzileiros, onde organizou um exército de mercenários e alcançou algum sucesso militar mas, apesar de tudo, foi incapaz de desestabilizar o governo em questão.
As diferenças principais entre a “equipa secreta” de 1803 e a equipa secreta de 1987 tem menos que ver com violações dos princípios constitucionais que com a maneira como esses princípios devem ser expressados, dado os vários níveis (de uma nação emergente a um império em declínio) de desenvolvimento económico.
Mesmo se toda a burocracia das agências de inteligência estado-unidenses pudessem magicamente ser abolidas, não há razão para suspeitar que uma outra agência secreta não surgiria no mesmo lugar. Já foi percebido por dissidentes desde o princípio da “democracia liberal” que não podemos equilibrar os poderes entre si. Em 1793, o filosofo francês, Jean Varlet, avisou em um discurso perante os Jacobinos:
Uma verdade está bem demonstrada: o homem pela sua própria natureza, cheio de arrogância nas posições mais altas, inclina-se necessariamente em direcção ao despotismo; sentimos que devemos manter detidas, e em controlo, as autoridades estabelecidas; sem o qual se tornam profundamente opressoras no poder. Não procuremos contrabalançá-las por si; todo contra-poder que não é o do povo é falso.
Já tivemos investigações, já vimos a vergonhosa criminalidade, criaram-se novos organismos de supervisão e o problema apenas ficou pior. Em resposta ao Comité Church (1975), que investigou as ilegalidades da CIA e outros serviços de inteligência, o governo dos EUA criou o Comité Selecto do Senado sobre Inteligência. O alegado propósito do Comité é estar atento aos serviços de inteligência e vigiar os seus abusos. Quem preside a este comité? Uma senadora de Califórnia chamada Dianne Feinstein. Quem é o marido de Dianne Feinstein? Um contratante militar chamado Richard Blum. Quando vale Richard Blum? Uns 80 milhões de dólares.
É estúpido pensar que a raposa pode guardar o galinheiro.
Philip Agee, o primeiro e melhor delator da CIA, acreditava que a burocracia dos serviços de inteligência não podia ser eliminada sob a democracia “representativa. Este defendia “uma democracia real e participativa... onde as pessoas pudessem de facto ter algo a dizer sobre como as coisas são feitas”. Eu concordo.