b) Dados da Comissão Europeia demonstram que a maioria (62 %) são vítimas de tráfico para exploração sexual, sendo que as mulheres e raparigas menores representam 96 % das vítimas identificadas e presumidas, registando-se um aumento da percentagem de vítimas em países fora da UE nos últimos anos e 80-95 % das pessoas que se prostituem sofreram algum tipo de violência antes de entrar na prostituição (violação, incesto, pedofilia), 62 % relatam ter sido violadas e 68 % sofrem de perturbação de stress pós-traumático – uma percentagem semelhante à das vítimas de tortura (2) (3);
E, não menos importante:
c) Em Portugal nenhuma pessoa prostituída é criminalizada ou judicialmente perseguida, qualquer pessoa se pode prostituir se essa for a sua vontade, nenhum cliente ou «transacção comercial» entre dois adultos por sexo é penalizada e/ou proibida, sendo apenas criminalizado o lenocínio nos termos do artigo 169º do Código Penal (4);
1 - A prostituição é uma questão que diz respeito, essencialmente às mulheres e raparigas e portanto, sim, esta questão vai ser sempre colocada por mim no feminino, reconhecendo que é, antes de mais, uma questão de direitos humanos;
2 - A quem interessa verdadeiramente a profissionalização da prostituição?
Certamente (e como não, se a RTP deu palco privilegiado a esta proposta) saberão que a JS, já há uns anos, juntamente com parte do Bloco de Esquerda, defende a regulamentação da prostituição e, além da proposta defendida pela UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta, associação feminista ligada ao Bloco de Esquerda) de descriminalização do lenocínio que já estava como recomendação à Assembleia da República (e é bom que este dado seja sempre relembrado), a JS fez aprovar uma moção que coloca na agenda parlamentar portuguesa a regulamentação da prostituição como uma profissão.
Diz a JS que a prostituição define-se pela efetivação de práticas sexuais, hetero ou homosexuais,com diversos indivíduos, remuneradas e dentro de um sistema organizado, que envolve os locais da prática e por vezes terceiros que a facilitam.
Então, partem, de imediato, para o argumento da liberdade individual. Para não me estender demasiado sobre este tema - até porque os instrumentos legais a que Portugal está legalmente obrigado a cumprir, nomeadamente as Convenções da ONU ratificadas sobre este tema, definem expressamente que nos casos de tráfico e prostituição o consentimento não é válido (assumindo claramente o problema inerente à dita «escolha livre e esclarecida» - relembre-se que também a escravatura foi regulamentada até ao princípio do século XX porque os africanos escolhiam ir para países com «melhores condições de trabalho» do que o seu): qualquer pessoa se pode prostituir se quiser. Qualquer pessoa em Portugal pode ter relações sexuais a troco de dinheiro. E, adivinhem, pode passar recibo. A prostituição em Portugal é legal.
Um dos grandes argumentos é que «a maioria escolhe», «porque gosta e quer» e «não quer ter patrões», quer ser trabalhador independente.
Newsflash: Já pode. Basta colectar-se nas finanças (como eu), com a seguinte classificação:
15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços:
1519 Outros prestadores de serviços.
Eu estou inscrita nestes termos e não me sinto identitária ou profissionalmente diminuída. Mas depois é este o argumento que se segue: os «trabalhadores sexuais» querem afirmar-se como tal. Querem que tal conste. Querem? Posso dizer-vos várias profissões que não constam em lado nenhum. Desde logo nos trabalhadores independentes (basta ver a classificação de profissões): não há cineastas, designers, curadores (há outros artistas). Também na administração pública o PS (o mesmo partido) eliminou mais de 1300 carreiras específicas: não há auxiliares de acção educativa, há assistentes operacionais, por exemplo. E neste caso sim, com grandes desvantagens porque o conteúdo funcional foi alterado. Num recibo verde, há uma parte onde se podem descrever os serviços e aí o «trabalhador sexual» escreve o que lhe apetecer: «trabalho sexual» ou, se o prostituidor-cliente quiser, até pode discriminar o que fez ou deixou de fazer - penetração, sexo oral, masturbação, o que quiser.
Também dizem que é uma profissão como qualquer outra e muitas vezes falam dos operadores de call centers. Ora, um operador de um call center sexual não pode, simplesmente, ser um operador de call center? Tem que ser «trabalhador sexual»?
Portanto, é uma questão identitária? É uma questão de descontar para a Segurança Social? É uma questão de declarar os rendimentos à Autoridade Tributária? Já o podem fazer.
É um regime altamente injusto em que o estado fica com a maioria dos rendimentos? É sim, para todos nós que somos verdadeiros trabalhadores independentes (não entrarei aqui na discussão dos falsos recibos verdes, obviamente).
Então, resolvida a questão da "escolha" (por ora, porque a ela regressarei noutros textos) - do que falamos verdadeiramente? Quais as consequências práticas da regulamentação da prostituição como profissão?
A primeira consequência prática é a descriminalização do lenocínio. Porquê? Porque existindo esta legislação, automaticamente qualquer pessoa que, por exemplo, tenha um bar ou um apartamento para prostituir pessoas (e aqui admitindo o discurso da vontade livre e que há quem queira), não poderá ser penalizado por rigorosamente nada porque se trata de uma actividade legal. Eu posso ter no meu apartamento 20 ou 30 pessoas que o usam para se prostituírem que, num quadro de regulamentação, não poderei ser penalizada. É uma actividade como qualquer outra, em que estarei licenciada e serei não uma proxeneta - porque toda a gente que usa o meu bar ou o meu «estabelecimento», está lá de livre vontade.
Tão pouco poderá ser criminalizado quem angarie clientes para a prostituição, dado que a sua regulamentação determina que é uma actividade comercial ou laboral, assim, a angariação de clientes é parte intrínseca das relações de prestação de serviços. Seria o idêntico a criminalizar um advogado por entregar o seu cartão e fornecer os seus préstimos ou da sociedade, transferindo o seu caso a um colega especialista na área do direito que o cliente procura. Ou seja: dizer a um advogado que seria crime passar o seu cliente a outro advogado da mesma sociedade. Não faz qualquer sentido, pois não?
Tão pouco poderá ser criminalizado quem fomente ou favoreça o exercício por outra pessoa da prostituição uma vez que, sendo uma actividade regulamentada é normal que exista publicidade, anúncios, que existam sites onde, como nos países onde a prostituição é regulamentada como profissão, estão as fotos das mulheres, o rating dos prostituidores e as críticas e os anúncios - o Estado não poderá criminalizar quem contrate os serviços de um marketeer (outra profissão não listada, por exemplo), de um webdesigner (outra profissão não listada) ou de alguém que coloque um anúncio no Correio da Manhã que, por exemplo, lucrou, em 2009, €4.016.460,00 (€11.004,00/dia) e em 2010 a módica quantia de €3.826.295,00 (€10.483,00/dia) em anúncios sexuais (5).
Assim, o proxenetismo passa a ser uma actividade comercial, igual a tantas outras, com o seu contributo para os PIB de vários países. 5% do produto interno bruto da Holanda, 4,5% na Coreia do Sul, 3% no Japão e, em 1998, a prostituição representava de 2% a 14% do total das atividades econômicas da Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia. (6)
E depois, claro, há a sublimação da vontade do cliente e a submissão às leis do mercado. E tal é assim que existem vários sites onde se podem ler todas as ofertas, numa linguagem que talvez a maioria das pessoas prostituídas não considerem tão empoderadora como se diz. Desde «reserve uma rapariga agora», a «as mulheres negras parecem mais novas do que realmente são», a «Roménia é um dos países mais pobres da União Europeia. No seu país de origem, as mulheres Romenas vivem situações muito difíceis. Atractiva e sexy é a primeira coisa que vem à cabeça de um homem quando pensam sobre as mulheres Romenas e gostariam de conhecer umas das mulheres mais bonitas.» (7)
E classificar as mulheres. Algumas são frias e não fazem o homem sentir-se bem. Outras são velhas. Outras com silicone a mais. Basta pontuar e entrar nos chats online para saber que mulher é de melhor uso.
Mas sempre com direito a aconselhamento especializado - de homens - e dicas onde se paga mais para não usar preservativo:
«No Sexihi uma hora é 120 euros e meia hora, 75 euros. No Relaxe podes conseguir uma hora por cerca de 90 euros e uma rapidinha de 15 minutos por 50 euros, também aqui no Relaxe podes pagar mais 10 euros para não usar preservativo».
Em conclusão: basta seguir o dinheiro. Quem paga, quanto quer pagar e para quê - homens, por sexo, nas suas condições e termos. Quem lucra - os proxenetas que deixam de ser criminosos e passam a ser parceiros económicos do estado, que também lucra, ao passo que se escancaram as portas ao tráfico de pessoas que passa a ser indetectável - afinal, as pessoas prostituídas passam a ter um contrato, estão legais, não há como provar que foram traficadas até porque os seus traficantes deixam de ser chulos e passam a ser empresários.
As mulheres? São objectificadas, classificadas, criticadas, expostas em sites e montras, nalguns países sujeitas a exames de saúde obrigatórios (mas não os clientes) e muito mais vulneráveis a violações, injúrias, espancamentos, maus tratos. Porquê? Porque fica tudo dentro de quatro paredes, entre duas pessoas, com contrato assinado que afirma que durante um determinado período a mulher é de quem a compra e com ela se pode fazer o que se quiser. Violou? Não, o sexo foi vendido, consentido e o homem se quiser ser violento, será apenas um risco inerente à profissão. Como qualquer outra? Não.
(1) Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de maio de 2016, sobre a implementação da Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas de uma perspetiva de género (2015/2118(INI))
(2) Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de fevereiro de 2014, sobre a exploração sexual e a prostituição e o seu impacto na igualdade dos géneros (2013/2103(INI)).
(3) Farley, M., ‘Violence against women and post-traumatic stress syndrome’, Women and Health , 1998; Damant, D. et al., ‘Trajectoires d’entrée en prostitution : violence, toxicomanie et criminalité», Le Journal International de Victimologie, N.º 3, abril de 2005.
(4)
Artigo 169.º
Lenocínio
1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
2 - Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:
a) Por meio de violência ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima;
é punido com pena de prisão de um a oito anos.
(5) Deliberação da Entidade Reguladora da Comunicação n,º 39/CONT-I/2010, de 30 de Novembro de 2010.
(6) Entrevista de Richard Poulin À IHU On-Line.
(7) http://maxim-wien.com/2017/01/08/randy-romania/ (Na Áustria, 95% das pessoas prostituídas registadas - 8000 - são da Roménia, Bulgária e Hungria. Alegadamente são «trabalhadoras sexuais» e apenas 2% são homens. 73% dos casos de tráfico são para exploração sexual e as nacionalidades das mulheres traficadas são, precisamente, Roménia, Hungria e Filipinas (dados apresentados no Seminário da European Law Academy - Demand reduction in relation to trafficking in human beings for sexual exploitation", Thessaloniki, April 2017 por Dr Elisabeth Tichy-Fisslberger, Ambassador, National Coordinator on Combating Human Trafficking, Austrian Federal Ministry for Europe, Integration and Foreign Affairs, Vienna)