No começo do século XX, quando da explosão das contradições da sociedade capitalista, momento em que se gestavam as grandes formulações do direito que servem de arcabouço aos juristas até hoje, Pachukanis logrou ultrapassar tanto as visões juspositivistas quanto aquelas variadas, não-juspositivistas, que associavam o direito genericamente a fenômenos de poder ou força. Em torno do pensamento pachukaniano se lastrearam, então, os marcos incontornáveis da crítica do direito.
Em sua principal obra, Teoria geral do direito e marxismo, alcançou as determinações materiais e específicas do direito. Para tanto, deslocou a própria identificação do fenômeno jurídico: não na normatividade, mas, sim, numa forma de relação social, baseada na subjetividade jurídica. No capitalismo, com o trabalho como mercadoria dando forma à sociabilidade, os vínculos entre pessoas que se consideram livres e iguais erigem uma equivalência para a produção e a circulação que as faz serem tomadas, umas perante as outras, como sujeitos de direito.
Lastreado em uma sofisticada leitura de O capital, de Marx, Pachukanis avança para além do embasamento classista sobre o direito (que teve seu apogeu com Piotr Stuchka). A produção capitalista é estruturada a partir da forma-mercadoria. Da mercadoria, então, deriva a forma de subjetividade jurídica. A equivalência de tudo com tudo só é possível com a equivalência de todos com todos, o que apenas o capitalismo enseja. Por isso, a forma jurídica é especificamente capitalista. A existência do direito é sintoma de uma sociabilidade voltada à acumulação, lastreada em exploração do trabalho assalariado e atravessada por contradições de classe.
A partir da obra de Pachukanis, revela-se impossível apostar na transformação social por caminhos jurídicos ou estatais: a forma jurídica e a forma política estatal são elementos centrais do capitalismo. Exploração capitalista é direito e ordem estatal. Pachukanis demonstra os limites das visões políticas conservadoras, institucionais, juspositivistas e liberais e, também, daquelas que apostavam em transformações por meio do Estado, ultrapassando um arco de “socialismo jurídico”, nas palavras de Engels e Kautsky, que vai dos variados desenvolvimentismos ao uso alternativo do direito ou até mesmo às experiências dos países soviéticos.
Com a publicação de Teoria geral do direito e marxismo, Pachukanis alcançou o respeito de juristas de variadas estirpes e marxistas de muitas áreas. Depois, por conta de suas ideias, foi perseguido e morreu, em 1937, sob os processos políticos stalinistas. A atualidade do método pachukaniano e a radicalidade de seu pensamento, porém, foram redescobertas e revalorizadas a partir do final do século XX e, em especial, agora no século XXI. Em face das contradições do capitalismo e do impasse das lutas atuais, está em Pachukanis o melhor índice a respeito das formas jurídica e política da sociabilidade presente e das possibilidades de sua superação.