A Daniel Ilirian Carvalho (1981-2017), que vivia a expectativa de comemorar o centenário da Revolução de Outubro.
A Revolução cujo centenário é motivo de comemoração pelas forças vivas do movimento operário, revolucionário e comunista ao longo do ano de 2017, a Grande Revolução Socialista soviética, dirigida pelo Partido Bolchevique liderado por Lênin, foi o mais importante acontecimento político-social da história da humanidade. Pela primeira vez o proletariado, unido às demais camadas populares, principalmente o campesinato, tomou o poder político e iniciou a construção do poder dos trabalhadores e da sociedade socialista.
O triunfo, há 100 anos, da Revolução de Outubro na Rússia assinala o início de uma grande época na história da humanidade, a época da passagem do capitalismo ao socialismo.
Com este acontecimento, o capitalismo deixou de ser um sistema mundial único. Como resultado da vitória da Revolução de Outubro e da instauração do poder revolucionário, surgiu o novo sistema socialista, o primeiro país com o proletariado emancipado exercendo o poder. Um apoio colossal aos trabalhadores em todo o mundo.
A Revolução russa de 1917 confirmou a tese de Marx e Engels, baseada na análise científica da sociedade, de que o capitalismo é um sistema econômico-social e político historicamente condenado. Sob o influxo de suas incontornáveis contradições antagônicas, num dado momento a evolução econômica e a luta política de classes apresentam inevitavelmente dilemas agudos e têm lugar situações revolucionárias, as quais, num quadro de amadurecimento das condições objetivas e subjetivas, resultam na vitória da revolução.
A revolução de 1917 foi propulsora do progresso social. Partindo de uma base econômica atrasada, em poucas décadas a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas tornou-se um dos países mais prósperos e socialmente mais avançados do mundo. Sobre os escombros do antigo regime, surgiu uma nova civilização humana, uma economia desenvolvida, realizou-se imenso progresso material e espiritual, conquistou-se a justiça, a igualdade, nasceu um povo culto e digno. São incomparáveis as conquistas sociais, as reformas estruturais, os avanços civilizacionais operados pelo novo ordenamento político do Estado proletário baseado na aliança operário-camponesa.
A vitória da revolução russa, nas condições peculiares do início do século passado, confirmou a tese de Lênin, de que, com a passagem do capitalismo à etapa imperialista, abria-se a época da revolução socialista. Isto fica mais claro quando se analisa o cenário marcado por contradições gerais que definem o caráter da época.
A revolução vitoriosa em 1917, com a consequente instauração do regime socialista e o início da construção da sociedade socialista, trouxe para a cena dos conflitos sociais e geopolíticos a contradição entre os dois sistemas opostos, o socialista e o capitalista.
O desenvolvimento do sistema capitalista, já em escala global, agravava a contradição entre o trabalho e o capital.
Na virada do século 19 para o século 20, deu-se um salto qualitativo no sistema capitalista, que atingiu sua fase imperialista, dando lugar ao antagonismo entre este sistema e os povos e nações oprimidos dos países coloniais e dependentes.
Este quadro se completa com as contradições entre as potências imperialistas, em luta pelo domínio do mundo, luta por mercados, matérias primas e pela divisão geopolítica do planeta, o que só se podia realizar mediante a guerra. Estas contradições estavam patentes e se tornaram agudas no cenário da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Soviética.
O triunfo das classes oprimidas em 1917 na Rússia demonstrou que somente a revolução pode abrir caminho à conquista da emancipação nacional e social, às transformações sociais e políticas progressistas. A revolução russa sepultou a colaboração de classes como estratégia do movimento operário e popular.
Dimensão internacional da Revolução soviética
Nenhum outro acontecimento político-social materializou com tamanha dimensão a palavra de ordem lançada seis décadas antes por Marx: “Proletários de todos os países, uni-vos”! Se bem não tenha resultado na revolução proletária mundial – esta era a expectativa dos bolcheviques e de todo o movimento revolucionário à época -, a revolução socialista de 1917 teve extraordinário impacto internacional, exerceu influência direta sobre acontecimentos subsequentes, mudou a face do mundo e deixou marca indelével em todo o século 20.
A Revolução Socialista de Outubro e a fundação do Estado soviético exerceram uma enorme influência sobre o movimento revolucionário mundial. Mostraram às massas trabalhadoras de todo o mundo o caminho do futuro, inspiraram-nas com seu exemplo, deram um impulso inaudito ao movimento operário e de libertação nacional. A Revolução de Outubro golpeou duramente o sistema capitalista tanto nas metrópoles quanto nas colônias e países dependentes e aprofundou ainda mais a crise geral do sistema capitalista, iniciada com a Primeira Guerra Mundial.
Mudava a face do mundo, abria-se nova época na história da humanidade. Realizada no auge da guerra entre grandes potências que rivalizavam para dominar o planeta, a Revolução russa estabeleceu o contraponto essencial com o sistema imperialista. Desde então, a disjuntiva entre o capitalismo (imperialista) e o socialismo tornou-se uma das contradições essenciais da época. Os embates políticos, as guerras e as revoluções nacional-libertadoras e socialistas do século 20 eclodiram e desenvolveram-se tendo esses antagonismos como fatores objetivos condicionantes.
O poder estatal socialista que emergiu em 1917, internacionalista por natureza, tornou-se o vetor preponderante na luta pela paz mundial e o progresso social, um incontornável fator a neutralizar os efeitos da agressividade do imperialismo e a influenciar positivamente as lutas dos trabalhadores e dos povos.
Depois da revolução soviética de 1917 e sob sua direta influência, formaram-se partidos comunistas em diversos países, destacadamente Argentina, Finlândia, Brasil, Uruguai, Áustria, Hungria, Estônia, Polônia, Alemanha, Grécia, China, Portugal, França, Itália, Espanha, Austrália, Itália, Luxemburgo, Portugal, Nova Zelândia, Romênia, Suíça, Tchecoslováquia, Mongólia, Canadá, Estados Unidos, Indonésia, Iraque, Índia, Vietnã, Cuba, Coreia, África do Sul, entre outros.
A revolução russa provocou impacto mobilizador no movimento operário revolucionário internacional e dos povos das colônias e semicolônias. Greves e manifestações em solidariedade com o poder soviético ocorreram em quase toda a Europa, nos Estados Unidos, Japão e América Latina. O movimento de libertação nacional em países coloniais e semicoloniais, como China, Coreia, Índia e na Indochina cobrou ímpeto.
A criação das repúblicas soviéticas em 1919 na Hungria e na Bavária (Alemanha), assinalaram momentos culminantes dos movimentos revolucionários na Europa na sequência da Revolução russa, embora fossem derrotados.
A Grande Revolução Socialista Soviética criou condições propícias para o surgimento da Internacional Comunista, a Terceira Internacional, após a bancarrota da Segunda Internacional, provocada pelo nacionalismo estreito, a colaboração de classes e o oportunismo de direita. Essa revolução exerceu grande influência no movimento operário, na expansão e compactação de grupos de esquerda e na sua separação da influência social-democrata. Como partido no poder, coube ao partido bolchevique, sob a direção de Lênin, a iniciativa de agrupar no âmbito da nova organização internacional as forças de esquerda, comunistas, revolucionárias, separadas das forças centristas e oportunistas de direita. A criação da Terceira Internacional em 1919 foi um fato marcante no movimento operário internacional. Seu mérito foi ter assimilado a tempo os frutos da luta revolucionária do proletariado russo, como base para a trajetória que se abria na luta pelo socialismo em escala mundial.
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial e durante o conflito, a maioria dos dirigentes da Segunda Internacional traíram a classe operária. Em vez de seguir a política de união internacionalista dos trabalhadores contra a burguesia, tornaram-se propagandistas da conciliação de classes e apoiadores do derramamento de sangue dos trabalhadores dos países beligerantes em favor dos interesses da burguesia. Os partidos da Segunda Internacional caíram em posições reformistas e social-chauvinistas. Em consequência, a Segunda Internacional entrou em bancarrota. Nessas circunstâncias históricas descortinou-se o desafio de romper com os partidos sociais-democratas e cortar laços com o oportunismo de direita, como algo indispensável para seguir o rumo da luta política de classes.
No contexto da preparação da guerra, em que estavam afanosamente empenhadas as burguesias dos países imperialistas, com a cumplicidade de setores da social-democracia, o Partido Bolchevique lançou a palavra de ordem de transformar a guerra imperialista em guerra civil. Nos marcos dessa luta, surgiram grupos de esquerda revolucionária e internacionalistas no seio dos partidos social-democratas. Lênin apreciou o surgimento desses grupos e lhes dedicou atenção, participando na Conferência internacional dos socialistas em Zimmerwald (1915), onde os ajudou a combater os oportunistas e romper com eles nos campos ideológico, político e organizativo. Esta ação foi um passo importante para a criação da Terceira Internacional Comunista e o restabelecimento da unidade revolucionária do proletariado internacional.
Nesse processo, a esquerda se separou organizativamente dos oportunistas. Em consequência, cresceu o número de partidos de esquerda e sobre esta base foram criados partidos comunistas em muitos países. No início de 1919 os representantes desses partidos, reunidos em Petrogrado, decidiram convocar o congresso internacionalista. As condições para a participação eram: primeiro, os partidos e organizações deveriam colocar-se na direção da luta revolucionária do proletariado pela derrocada do poder da burguesia; segundo, respaldar a Revolução de Outubro e o poder soviético na Rússia.
O primeiro Congresso da Terceira Internacional Comunista realizou-se em Moscou em 2 de março de 1919, com a participação de delegados de 30 países, entre os quais, pela primeira vez, representantes do proletariado de países coloniais e dependentes. O Congresso aprovou a criação da Terceira Internacional como centro do movimento comunista internacional.
Entre os temas em debate, o caráter do Estado, opondo-se nas discussões conceitos como democracia burguesa e ditadura do proletariado. A referência era o informe de Lênin “Sobre a democracia burguesa e a ditadura do proletariado”. Lênin argumentou que a revolução é a lei geral das transformações sociais e políticas visadas pelo proletariado e que para construir consequentemente o socialismo é necessário derrocar o Estado burguês, substituindo-o pelo poder político dos trabalhadores. Ele acentuava que os oportunistas de direita, ao se insurgir contra os métodos revolucionários e lutar pela “democracia pura” predicando a passagem ao socialismo através do parlamento burguês, visavam a evitar a derrocada do regime capitalista.
A Internacional Comunista nos anos de ímpeto revolucionário (1920-1923)
A criação dos partidos comunistas revestiu-se de grande importância. Partidos de classe ideológica e teoricamente consistentes, bem orientados politicamente, ligados às massas, constituem fator decisivo numa revolução político-social, na presença de condições objetivas favoráveis. No período imediatamente posterior à vitória da revolução socialista soviética, os partidos comunistas foram criados como organizações revolucionárias, protagonistas da luta ideológica contra a corrente oportunista de direita, o inimigo ideológico principal a combater.
Lênin não deixou tampouco de lado a luta contra o oportunismo “de esquerda”, que se manifestou nos partidos comunistas da Alemanha e da Inglaterra, inclusive escrevendo sobre isso a obra Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Os “esquerdistas” não compreendiam a necessidade de combinar a luta legal com a ilegal e a utilização das diferentes formas de ligação do partido com as massas. O oportunismo “de esquerda” constituía um perigo porque levava ao afastamento dos partidos comunistas das massas.
O segundo congresso da Internacional Comunista destacou a importância da aliança operário-camponesa e o conjunto das massas oprimidas. O congresso orientou os partidos comunistas a se ligarem estreitamente com as massas trabalhadoras, dirigirem as organizações populares e se lançarem na luta ideológica, política e organizativa.
Um documento importantíssimo aprovado pelo segundo congresso foram as Condições de aceitação na Internacional Comunista, que passaram à história como As 21 condições leninistas. O objetivo da liderança comunista internacional ao estabelecer essas condições era criar uma barreira à penetração do oportunismo nos partidos comunistas e na Terceira Internacional.
Lênin considerava que “Sem combater o oportunismo, não se podia combater o imperialismo”. Considerava o oportunismo como a base de apoio do capitalismo, uma corrente contrarrevolucionária, antissocialista, anti-internacionalista.
A Internacional Comunista nos anos 1921-1924
Nos anos 1920-1921 começou a primeira crise econômica do pós-guerra. Com a ajuda dos dirigentes social-democratas a burguesia fez o que pôde para dividir, minar e reprimir o movimento operário revolucionário. Os dirigentes desses partidos criaram novas organizações, como a “Internacional 2,5”, intervieram contra greves e expulsaram comunistas dos sindicatos. Em tais condições era necessário que os partidos comunistas elaborassem ainda mais a sua linha tática. Foi com essa finalidade que se convocou o terceiro congresso da Internacional Comunista, em 1921, com a palavra de ordem “Na luta pelas massas!”. A tarefa dos comunistas era organizar, desde a base, a frente única dos trabalhadores na luta, para assegurar a realização das demandas anti-imperialistas e democráticas. Os partidos comunistas dirigiram as manifestações do 1º de Maio de 1922, em que as demandas econômicas se ligavam com as palavras de ordem políticas pela democracia e pelo reconhecimento da Rússia Soviética. Devido à traição dos social-democratas, a burguesia da Europa Ocidental pôde impedir a unidade da classe operária, arrancando dela os poucos direitos democráticos que tinha conquistado depois da guerra. Na Hungria, Polônia, Áustria, Bulgária aumentou o perigo do fascismo, enquanto na Itália foi instaurado o regime fascista em 1922.
Também o 4º congresso da Internacional Comunista, em 1922, acentuou que para combater a ameaça fascista era indispensável reforçar os laços dos partidos comunistas com as massas. Ao analisar a questão do movimento revolucionário nos países coloniais e dependentes, o congresso destacou a necessidade de criar uma frente unida com todas as forças anti-imperialistas, destacando que o proletariado devia estar na direção dessa frente, como a classe mais interessada do que qualquer outra, em levar até o fim a revolução democrática e anti-imperialista. Desempenharia esse papel por meio de seu partido, que deveria sempre manter sua independência organizativa e política nos marcos da frente unida anti-imperialista.
Em 1923, para esmagar o movimento revolucionário, a reação polonesa e a búlgara instauraram a ditadura fascista. A burguesia alemã reprimiu o movimento revolucionário com a ajuda dos sociais-democratas. Ao esmagar o movimento revolucionário dos anos 1920-1923, a burguesia fortaleceu sua dominação nos principais países capitalistas do mundo.
Este fortalecimento assinalou o começo da estabilização temporária e parcial do capitalismo e influenciou no avivamento de posições oportunistas de direita no seio de partidos comunistas, com a negação da possibilidade de uma nova maré revolucionária, ao passo que os “esquerdistas” negavam a queda temporária dessa maré.
Depois do 5º congresso da Internacional Comunista, houve dura luta em diversos partidos comunistas entre essas duas alas, que resultou na exclusão dos elementos oportunistas que tinham empalmado importantes postos nos órgãos de direção.
Os partidos comunistas ainda se encontravam na fase inicial de sua existência, não tinham acumulado suficiente força para enfrentar a burguesia e o imperialismo, nem amadurecido política, ideológica e organicamente. Vivia-se uma etapa inicial da evolução e do amadurecimento desses partidos para se tornarem partidos comunistas de novo tipo, de vanguarda, revolucionários e de massas.
A vitória da revolução soviética em 1917 assinalou uma viragem profunda na história das lutas emancipadoras dos povos, na luta da classe operária internacional e apresentou novas questões teóricas e práticas, metodológicas e organizativas, novos desafios à organização da luta da classe operária em todo o mundo. É nessa perspectiva que deve ser encarada a existência e o desenvolvimento da Terceira Internacional no contexto da época imediatamente posterior ao triunfo da Revolução socialista na Rússia.
Influência no Brasil
No Brasil, o movimento operário, embora incipiente, surgido com os primeiros sinais de industrialização do país entre o final do século 19 e o início do século 20, protagonizava as suas primeiras ações, sob influência do anarcossindicalismo, e foi cenário do surgimento dos primeiros jornais de agitação política-ideológica socialista e da criação de núcleos operários e socialistas.
Em julho de 1917 tem lugar a primeira greve geral no país, ampla e poderosa afirmação do movimento operário, seu batismo de fogo, que teve forte repercussão e exerceu impacto social e político. Esta greve foi um marco no nascente movimento operário brasileiro. Entre 1917 e o início da década de 1920 o país foi palco de greves e movimentações sociais, invariavelmente reprimidas e transformadas em choques violentos com forças policiais. Surgiram os primeiros núcleos comunistas, já sob o influxo dos acontecimentos revolucionários na Rússia. Entre as ações do movimento operário brasileiro à época, destacam-se as de solidariedade com a revolução soviética.
Ao contrário do que ocorrera na maioria dos países europeus, assim como na Argentina, no Chile e Uruguai, o PC do Brasil não nasceu da ruptura de um grande e influente partido social-democrata, mas de uma cisão no movimento anarquista. Foi dos embates políticos e ideológicos entre os setores avançados do proletariado brasileiro e sobretudo duma luta entre comunistas e anarquistas que resultou a formação dos primeiros agrupamentos comunistas, que mais tarde se uniriam para constituir o Partido Comunista do Brasil.
O historiador brasileiro Nelson Werneck Sodré, marxista estudioso da história do Brasil e dos comunistas, assinalou que o Partido Comunista “nasceu e cresceu como consequência necessária do processo de formação da classe operária brasileira e do desenvolvimento de suas lutas. Sua fundação respondeu a uma exigência do movimento operário que já mostrara, nas primeiras décadas do século 20, a carência de um partido político operário revolucionário”.
O comemorativo do 90º aniversário do Partido Comunista do Brasil (2012) assinala: “Quando o movimento operário brasileiro enfrentava uma crise de perspectiva, os bons ventos da vitoriosa revolução socialista na Rússia, de 1917 – que já sopravam pelo mundo –, chegaram ao Brasil. O triunfo dos trabalhadores russos mostraria aos operários brasileiros um caminho novo: o da necessária organização do proletariado em partido político independente, de classe, tendo como objetivos a conquista do poder político e a implantação do socialismo”.
O Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil realizou-se em 25, 26 e 27 de março de 1922. Os dois primeiros dias de trabalho ocorreram na cidade do Rio de Janeiro. Mas, devido a ameaças policiais, a sessão do último dia foi transferida para Niterói. Contou com a participação de nove delegados que representavam 73 comunistas. Já no início de sua existência, o Partido aderiu às 21 condições para ser membro da Internacional Comunista.
O século da luta pelo socialismo
O século 20 foi fortemente marcado pelo socialismo vitorioso na União Soviética e sob a influência desta tornou-se o século das revoluções anti-imperialistas, democráticas, populares e socialistas, das lutas pela libertação nacional e social dos povos, das lutas anticoloniais, democráticas, pela paz e a justiça, objetivos estes que se confundem com os grandes valores e ideais da Grande Revolução Socialista de Outubro.
Partiu da Internacional Comunista e dos partidos nela organizados a iniciativa de criar na década de 1930 as Frentes Populares, decisivas na luta dos povos contra o fascismo.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi a força principal na vitória sobre a maior e mais agressiva potência militar da burguesia imperialista – a Alemanha hitlerista. A vitória sobre o nazi-fascismo foi uma conquista dos povos, das forças da paz, da democracia, da solidariedade e do progresso social. Para esse triunfo, concorreu especialmente a ação dos comunistas, que se postaram à frente da luta contra o nazi-fascismo. A União Soviética, pátria do socialismo, com a luta heroica do seu povo, foi o fator político e militar decisivo.
Os povos da União Soviética pagaram o mais terrível preço em vidas humanas e prejuízos materiais, com a morte de 27 milhões dos seus cidadãos, incluindo 7,5 milhões de soldados. O país passou por inusitada devastação: 1.710 cidades e 70 mil povoados foram completamente destruídos; milhares de fábricas, empresas e cooperativas agrícolas danificadas, seis milhões de casas demolidas.
As vitórias do Exército Vermelho nas históricas batalhas de Moscou (outubro de 1941 a janeiro de 1942), Stalingrado (agosto de 1942 a fevereiro de 1943), Kursk (entre a primavera e o verão de 1943) e Berlim, na primavera de 1945, permanecerão indelevelmente marcadas na memória da humanidade, como o tributo dos povos soviéticos para a causa da libertação da humanidade.
A vitória foi, assim, a expressão e o resultado da fraternidade internacionalista entre os povos, na busca pela liberdade, a democracia, a independência e a justiça.
Sob a influência da revolução, desenvolveram-se o movimento operário nos países capitalistas e a luta anticolonial nos países dependentes.
A Revolução socialista e o socialismo soviético estiveram presentes como inspiração, influência indireta e apoio moral na grande Revolução chinesa, na Revolução cubana, na Resistência vietnamita. Até mesmo a adoção, pelos países capitalistas, do Estado de “bem-estar”, resultou, a par das lutas sindicais e políticas nos países capitalistas, da influência da Revolução de Outubro e do socialismo na URSS. E foi a Revolução soviética a base para a organização do campo socialista e do Movimento Comunista Internacional.
A luta contra o oportunismo de direita e de “esquerda”
A Revolução de 1917 teve grande impacto político e ideológico. Os princípios em que se inspirou e posteriormente desenvolveu constituem a linha vermelha, demarcatória, entre o pensamento socialista científico, revolucionário, comunista, classista e internacionalista, e o pensamento social-democrata, oportunista, que desde Edouard Bernstein, considera pragmaticamente que “o movimento é tudo e o objetivo final, nada”.
Comemorar o centenário dessa Revolução e enaltecer seus feitos não significa considerá-la como modelo e cair no anacronismo ou posição dogmática de transplantá-la para os dias atuais. O mundo vive sob condições totalmente diversas e a própria evolução das nações ensina que os processos revolucionários são singulares e irrepetíveis.
Convém refletir sobre o que Lênin chamava de “uma das condições fundamentais do êxito dos bolcheviques”, em uma de suas obras clássicas, “O esquerdismo, doença infantil do comunismo”, geralmente citada fora do contexto histórico em que foi escrita.
“Hoje, sem dúvida, quase todo mundo já compreende que os bolcheviques não se teriam mantido no poder, não digo dois anos e meio, mas nem sequer dois meses e meio, não fosse a disciplina rigorosíssima, verdadeiramente férrea, de nosso Partido, não fosse o total e incondicional apoio da massa da classe operária, isto é, tudo que ela tem de consciente, honrado, abnegado, influente e capaz de conduzir ou trazer consigo as camadas atrasadas”, escrevia em O esquerdismo, doença infantil do comunismo o líder da revolução, para quem “a ditadura do proletariado é a guerra mais severa e implacável da nova classe contra um inimigo mais poderoso, a burguesia, cuja resistência está decuplicada, em virtude de sua derrota (mesmo que em apenas um país)” (...)
Neste mesmo texto em que analisa as condições em que o bolchevismo triunfou, Lênin diz: “Somente a história do bolchevismo em todo o período de sua existência é capaz de explicar satisfatoriamente as razões pelas quais ele pôde forjar e manter, nas mais difíceis condições, a disciplina férrea, necessária à vitória do proletariado”.
E prossegue: “A primeira pergunta que surge é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como é ela comprovada? Como é fortalecida? Em primeiro lugar, pela consciência da vanguarda proletária e por sua fidelidade à revolução, por sua firmeza, seu espírito de sacrifício, seu heroísmo. Segundo, por sua capacidade de ligar-se, aproximar-se e, até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Finalmente, pela justeza da linha política seguida por essa vanguarda, pela justeza de sua estratégia, e de sua tática políticas, com a condição de que as mais amplas massas se convençam disso por experiência própria. Sem essas condições é impossível haver disciplina num partido revolucionário realmente capaz de ser o partido da classe avançada, fadada a derrubar a burguesia e a transformar toda a sociedade. Sem essas condições, os propósitos de implantar uma disciplina convertem-se, inevitavelmente, em ficção, em frases sem significado, em gestos grotescos. Mas, por outro lado, essas condições não podem surgir de repente. Vão se formando somente através de um trabalho prolongado, de uma dura experiência; sua formação é facilitada por uma acertada teoria revolucionária que, por sua vez, não é um dogma e só se forma de modo definitivo em estreita ligação com a experiência prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário”.
Lênin formulou o princípio de que é sempre necessário fazer “análise concreta de situação concreta”. Por isso, ao explicar as razões do triunfo de 1917, assinalou que o bolchevismo, surgido em 1903, fundamentava-se “na mais sólida base da teoria do marxismo”, que se desenvolveu na Rússia em condições peculiares: “O bolchevismo, surgido sobre essa granítica base teórica, teve uma história prática de quinze anos (1903/1917) sem paralelo no mundo, em virtude de sua riqueza de experiências. Nenhum país, no decurso desses quinze anos, passou, nem ao menos aproximadamente, por uma experiência revolucionária tão rica, uma rapidez e uma variedade semelhantes na sucessão das diversas formas do movimento, legal e ilegal, pacífico e tumultuoso, clandestino e declarado, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e terrorista. Em nenhum país esteve concentrada, em tão curto espaço de tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de luta, luta que, além disso, em consequência do atraso do país e da opressão do jugo czarista, amadurecia com singular rapidez e assimilava com particular sofreguidão e eficiência a ‘última palavra’ da experiência política americana e europeia”.
Para os comunistas, a Revolução triunfante em 1917 será sempre uma fonte de inspiração nos combates que se realizam hoje, sob novas condições, na resistência à feroz ofensiva do sistema capitalista contra os trabalhadores e os povos e para abrir caminho à nova etapa da luta pelo socialismo.
Objetivamente, a extinção da União Soviética, no início dos anos 1990, marcou uma viragem negativa na evolução do quadro mundial. Sendo resultado de uma contrarrevolução, cujos primeiros sinais se manifestaram a partir do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956), a derrota da Revolução soviética implicou inaudito retrocesso na situação política internacional, quadro em que se desenvolve uma brutal ofensiva da burguesia, do imperialismo e de toda a reação mundial, contra todas as conquistas democráticas, sociais, civilizacionais da humanidade.
Atualmente, os povos estão confrontados com as potências imperialistas, os Estados Unidos e seus aliados, que tentam impor sua dominação através do militarismo e da guerra. Nesse quadro, tornou-se uma noção corrente que o socialismo e a revolução sofreram um golpe fatal e doravante já não há por que insistir numa estratégia revolucionária. Com isso, ressurgem as propostas de adaptação do movimento revolucionário à ordem estabelecida.
Os comunistas, contrariamente a esse senso comum, consideramos que a luta pelo socialismo continua na ordem do dia, porque corresponde a uma necessidade objetiva da evolução da sociedade. E não nos iludimos quanto à possibilidade de esse salto histórico se processar espontaneamente, por via evolutiva ou por dádiva das classes dominantes. As forças que lutam pelo socialismo têm em conta as novas condições históricas, que a revolução não será fruto de aventuras nem o socialismo pode ser construído abruptamente. O exame atento da história e da realidade contemporânea mostra que o caminho revolucionário comporta muitas etapas e a construção do socialismo será obra de muitas gerações. É preciso também ter em conta que não há modelo para a luta revolucionária e a construção do socialismo. A adoção do modelo único foi um grave erro, uma posição anticientífica.
O socialismo é universal enquanto teoria geral e aspiração de libertação da classe operária em todo o mundo. É universal enquanto transformação de uma época de opressão numa era em que a humanidade será livre e realizará suas aspirações de justiça e progresso. Mas o socialismo será resultado de uma luta multifacética de cada povo, em circunstâncias históricas e políticas bem delimitadas, o que exigirá das forças revolucionárias e do Partido Comunista de cada país a elaboração de novos e originais programas, estratégias e táticas consoantes os princípios e o contexto histórico concreto.
A passagem do centenário do maior acontecimento da história da humanidade enseja à atual geração de lutadores pelo socialismo reflexões que resultem em ação prática. Não está ainda plenamente configurada a correlação de forças que levará a humanidade a um novo ciclo revolucionário. Mas tampouco essa correlação de forças forma-se por geração espontânea, cabendo às forças revolucionárias adotar linhas estratégicas, procedimentos táticos e métodos de ação tendo em vista enfrentar a necessidade de abordar, nas novas condições, a luta pelo socialismo.
Diante do capitalismo-imperialismo mundializado, da sua profunda e inarredável crise estrutural e sistêmica, atualmente em fase aguda, das políticas neoliberais, das políticas de guerra, da natureza reacionária do sistema político e econômico burguês, ganha relevo a questão: encontra-se na ordem do dia a tarefa de lutar por melhorias no capitalismo, de apenas combater as “deformações” da globalização, ou se trata, ao contrário, de elaborar estratégias, táticas e métodos revolucionários que conduzam os trabalhadores em todo o mundo à luta pelo socialismo como único caminho para superar revolucionariamente os impasses em que a humanidade está confrontada sob o atual sistema? O grande paradoxo da presente época é que o capitalismo atingiu um tal nível de desenvolvimento, um tamanho grau de expansão, que alcança todos os rincões do planeta, uma escala antes inimaginável de desenvolvimento de suas capacidades, mantendo simultaneamente sua essência de perseguir o lucro máximo, o que obtém através da exploração e opressão das massas trabalhadoras e da espoliação das nações dependentes. Esta é a contradição fundamental a partir da qual se desenvolverá a luta política das classes trabalhadoras. O capitalismo dos nossos dias beneficia apenas as grandes burguesias parasitárias dos países imperialistas e suas dependências. É, assim, inevitável a eclosão de lutas, em que os fatores de classe se entrelaçam com os nacionais. É nesse contexto que ressurge contemporaneamente a luta pelo socialismo.
Neste quadro, apresenta-se perante os comunistas e demais correntes da esquerda revolucionária consequente a questão de construir um sujeito político capaz de unir, mobilizar e organizar a classe trabalhadora e as massas populares em suas dimensões estratégica e tática.
Do ponto de vista dos comunistas, é imperioso persistir no fortalecimento político, ideológico, orgânico, eleitoral e de massas do partido comunista, em unidade com outros setores consequentes de esquerda. Em momentos de profunda crise do capitalismo e em que as saídas da burguesia monopolista-financeira e do imperialismo são cada vez mais antidemocráticas e belicistas, o partido comunista deve ter nítido o horizonte socialista, consolidar a sua identidade de classe e ideológica e reforçar os seus laços com as massas populares e trabalhadoras. Quaisquer que sejam os procedimentos táticos necessários à acumulação de forças e por mais flexíveis que os comunistas devam ser na concertação de alianças amplas para alcançar vitórias parciais, mais ainda deve afirmar-se o caráter revolucionário de sua estratégia e seu perfil político e ideológico. ´
Parte indissociável disto é o internacionalismo proletário, princípio essencial dos comunistas, que significa solidariedade para com os povos em luta pela soberania nacional, a justiça social e a revolução política e social, tarefa à qual os comunistas brasileiros se dedicam com afinco, participando em entidades e movimentos com nítido caráter anti-imperialista, reforçando os laços de cooperação e a unidade com os partidos comunistas e as organizações revolucionárias e populares, compartilhando experiências e concertando ações comuns no âmbito do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), que no marco das comemorações dos 100 anos da gloriosa Revolução Soviética, realizará seu 19º Encontro na Rússia, em novembro de 2017, e do Foro de São Paulo, importante e amplo espaço de articulação das forças progressistas e anti-imperialistas latino-americanas e caribenhas, que reúne mais de uma centena de partidos.
Para os comunistas brasileiros, a Revolução triunfante em 1917 será sempre uma fonte de inspiração nos combates que se realizam, sob novas condições, na resistência à feroz ofensiva do sistema capitalista contra os trabalhadores e os povos e para abrir caminho à luta pelo socialismo, nas novas condições do século 21.
*José Reinaldo do Carvalho é jornalista, membro do Comitê Central, Comissão Política Nacional e Secretariado do PCdoB, responsável de política e relações internacionais, editor do sítio Resistência.