A América Latina está em risco de voltar a ser o “quintal” dos Estados Unidos caso as forças conservadoras consolidem seu poder dentro do governo brasileiro. Após a destituição parlamentar da presidenta Dilma Rousseff, agora buscam prender a figura máxima do Partido dos Trabalhadores (PT).
A RT reproduz com exclusividade a entrevista que Ariel Noyola Rodríguez realizou com James Petras, sociólogo estadunidense e assíduo estudioso da política exterior dos Estados Unidos e da realidade latino-americana. Petras considera que Lula precisa convocar a sociedade brasileira para a mobilização, caso contrário, será preso. Uma vez dominado o Brasil, nada mais impedirá que os Estados Unidos tenham o controle absoluto da região.
Ariel Noyola Rodríguez (ANR): Qual é a sua leitura sobre a sentença judicial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Considera que é parte de uma estratégia que busca inviabilizar Lula como candidato à presidência do Brasil em 2018?
James Petras (JP): Exatamente, a direita brasileira está tentando impor a todo o custo um governo neoliberal com o objetivo de reverter as medidas progressistas conseguidas no Brasil durante os últimos anos. O processo judicial contra Lula está muito contaminado. Não há nenhuma prova contundente que ponha em evidência que o ex-presidente brasileiro esteja efetivamente envolvido em atos de corrupção. São acusações sem sustentação. Dizem que ele recebeu um luxuoso apartamento, no entanto não existe nenhum contrato assinado.
Por isso creio que as acusações contra Lula são instrumentos políticos para que Michel Temer, o golpista que agora ocupa a presidência, siga desmantelando todas as conquistas alcançadas pelos governos do PT. O que Temer está fazendo é reduzir o gasto público, terminar com os programas sociais, diminuir os salários dos trabalhadores, privatizar as empresas estatais e eliminar os subsídios. Em suma, o atual governo brasileiro quer acabar com todo o rastro do Estado de bem estar.
Um primeiro passo dessa ofensiva foi a destituição de Dilma no ano passado. E agora querem prender Lula. Toda essa estratégia, repito, vem acompanhada de uma política econômica que busca colocar as maiorias na marginalidade. No plano internacional, essa ofensiva significa a subordinação do Brasil aos mandos de uma potência imperial, e não me refiro somente aos Estados Unidos, mas também à União Europeia.
Considero que a prisão de Lula poderia mudar a correlação de forças em todo o continente latino-americano. Uma vez que os Estados Unidos consigam controlar o Brasil de maneira definitiva, como já aconteceu com a Argentina sob a presidência de Mauricio Macri, então será muito mais fácil levar adiante a dominação de todo o continente.
ANR: Os governos do PT, em alguma medida, fortaleceram a soberania nacional e regional através do impulso das empresas brasileiras, o lançamento de um programa de segurança e defesa próprio e, inclusive, reviveram a ideia de um desenvolvimento nuclear com autonomia. Nesse sentido, você considera que os Estados Unidos participaram dessa ofensiva contra os governos do PT?
JP: É fundamental compreender que Washington não esteve fora dos círculos de poder na América Latina durante todo este tempo. Temos que reconhecer que o presidente Lula e outros dirigentes de corte progressista mantiveram uma política que, em boa medida, partilhou o exercício do poder com as empresas multinacionais, os investidores de Wall Street e as cúpulas militares. Os mandatários progressistas nunca apostaram por uma ruptura radical com o velho regime, não desafiaram abertamente os Estados Unidos.
Vários presidentes latino-americanos pensaram que podiam tecer algumas alianças com Washington a fim de ganhar influência e, desta maneira, fazer avançar suas agendas sociais sem colidir com os norte-americanos. Utilizaram essas alianças com a Casa Branca como uma tática desde o final do século passado, em plena crise do neoliberalismo. Afinal de contas eles pensaram que era melhor compartilhar o poder no lugar de lançar uma ofensiva mais radical mas que poderia por em risco sua permanência no governo.
No entanto, se observarmos desde a perspectiva da Casa Branca, a situação foi muito diferente. Essa tática foi utilizada pelos Estados Unidos para se reorganizar, acumular forças e, chegado o momento indicado, lançar um contra-ataque. Neste sentido, há que aceitar que os governos progressistas da América Latina cometeram um erro muito grave, em termos tanto táticos como estratégicos: desmobilizar as massas populares.
Os mandatários dos governos progressistas acreditaram que teriam a capacidade de manter sob controle a ingerência dos Estados Unidos na região latino-americana unicamente ao se sentar para negociar, fazendo uso da via diplomática. Lamentavelmente, uma vez desmobilizadas, as massas populares já não tiveram a força suficiente para fazer frente a esta nova ofensiva dos Estados Unidos.
Os governos progressistas poderiam ter aproveitado a posição de força que gozavam no começo para tomar todo o poder em seus respectivos países e por um fim ao intervencionismo. Mas isso não aconteceu e agora estamos sendo testemunhas das consequências: o governo dos Estados Unidos outra vez está ganhando presença na América Latina, inclusive minando alianças regionais importantes como o Mercado Comum do Sul (Mercosul), composto por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Não estamos falando simplesmente de um ataque contra a soberania de um só país, trata-se de uma grande ofensiva que enfraquece a soberania de toda a América Latina, é a integração regional que está em jogo. Nesse momento os EUA querem esmagar o Brasil e depois seguirá com a Venezuela; o que tenta é ter todo o continente sob controle. Washington busca garantir para suas empresas o fornecimento de recursos naturais estratégicos e aumentar sua dominação sobre os mercados. O apetite pelo petróleo é a razão que está por trás da perseguição ao governo de Nicolás Maduro.
Os EUA travam uma guerra de conquista contra a região. Acredito que Washington quer montar uma versão latino-americana da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para vencer qualquer tipo de resistência que ponha em questão sua hegemonia. Uma “OTAN latino-americana” encabeçada pelos Estados Unidos é um projeto que logo seria reproduzido em outras partes do mundo, no Oriente Médio e na Ásia por exemplo, para minar a influência de China, Rússia e Irã e outros países que não têm se submetido aos ditames da política exterior norte-americana.
O México é o grande laboratório dos EUA para dominar toda a América Latina. No México a polícia federal e os militares que estão em guerra contra o narcotráfico atuam sempre em coordenação com o governo dos Estados Unidos. Para Washington, é decisivo contar com o apoio de politicos corruptos e empresários. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) é um claro exemplo de integração subordinada. E esse modelo é o que os EUA pretendem estender para toda a região.
ANR: Que futuro político você prevê para o Brasil caso Lula seja preso? A sociedade brasileira parece desencantada com boa parte da classe política. Se as eleições carecem de legitimidade, você considera que exista alguma outra forma de canalizar todo esse descontentamento social?
JP: Veja, a luta da sociedade brasileira para recuperar a capacidade de dirigir seu próprio destino não passa unicamente pela via eleitoral. Neste momento a direita controla o Congresso, o poder judiciário está submisso e as leis são manipuladas de forma arbitrária. Acho que a única via para a transformação é impulsionar uma ruptura radical com o velho regime. É fundamental uma mobilização constante e prolongada. Até agora Lula tem se apoiado em seus advogados e nos parlamentares de seu partido, sem resultados favoráveis.
É evidente que esta batalha não será vencida através de processos judiciais, pois não há imparcialidade. Se a via eleitoral é cancelada, então só resta convocar uma greve geral, paralisar os escritórios do governo e o sistema de transportes. Ou Lula sai às ruas e convoca a mobilização popular, ou terminará na cadeia. Não há outro caminho.
É certo que existem muitos obstáculos. No Brasil a guerra midiática é tremenda. Mas o poder dos meios de comunicação tem limites. Vimos que os grandes meios de comunicação estavam contra o comandante Hugo Chávez, e os venezuelanos o apoiaram; e o mesmo aconteceu com o ex-presidente argentino Néstor Kirchner. Inclusive é preciso recordar que vários meios de informação como O Globo estavam contra a eleição de Lula em 2002 e a sociedade brasileira terminou por impor sua vontade.
Os meios de comunicação só conseguem ter um impacto significativo quando a sociedade está inerte e os políticos se apoiam fundamentalmente na institucionalidade. Mas no momento em que o povo sente que não tem outra alternativa, quando sua situação econômica está em franca deterioração, a influência dos meios de comunicação já não é mais determinante para ditar o rumo do país.
ANR: Uma verdadeira honra conversar contigo James, obrigado por me conceder esta entrevista.