(i) a divisa principal, tipicamente pertencente à principal potência imperialista, os Estados Unidos, a qual era considerada "tão boa quanto o ouro" pelos possuidores da riqueza do mundo; (ii) outras divisas metropolitanas nas quais os possuidores da riqueza do mundo também mantinham sua riqueza, mas as quais, precisamente por não serem consideradas "tão boas quanto o ouro", tinham de manter um certo valor estável em relação à divisa principal através do prosseguimento de políticas macroeconómicas apropriadas; e (iii) divisas do terceiro mundo as quais, independentemente das políticas macroeconómicas que fossem prosseguidas, geralmente esperava-se que se depreciassem ao longo do tempo no seu valor relativo face aos dois conjuntos de divisas acima, tanto em termos nominais como reais (isto é, mesmo quando as taxas diferenciais de inflação entre aqueles países e as economias metropolitanas fossem consideradas) e nas quais, portanto, detentores de riqueza não gostariam de manter a sua riqueza. Os possuidores locais de riqueza em tais países sem dúvida assim o faziam, mas isto era devido ou à inércia ou à coerção (isto é, à existência de controles de câmbio, os quais colocam restrições à transferência da sua riqueza para fora destes países).
Tais divisas portanto tendiam realmente a depreciar-se ao longo do tempo em relação à divisa principal, o que por sua vez justificava a expectativa de que as mesmas iriam depreciar-se secularmente e portanto estabelecia uma tendência rumo a uma viciosa espiral descendente dos seus valores relativos. A economia capitalista mundial operava assim de uma maneira em que a tendência era para os possuidores de riqueza, incluindo os do terceiro mundo, a transferissem para divisas metropolitanas e localizações metropolitanas se pudessem, isto é, a menor que fossem impedidos de fazê-lo (razão pela qual controles de câmbio eram considerados essenciais para economias do terceiro mundo).
Para ilustrar este ponto, o valor da rupia pouco antes da desvalorização de 1966 na Índia era de 5 rupias por dólar e com aquela desvalorização em particular tornou-se cera de 7,5 rupias. Como a Índia prosseguia uma política de taxa de câmbio fixa apenas com desvalorizações ocasionais, este valor atingir apenas cerca de 13 rupias na véspera da liberalização económica quando foi desvalorizado para 20 rupias, antes de ser permitido flutuar, até atingir cerca de 65 rupias por dólar. Nenhuma divisa de país avançado é cambiada hoje contra o dólar a treze vezes a que era cambiada há meio século, o que sublinha a diferença entre as situações do terceiro mundo e as divisas do primeiro mundo.
Uma implicação desta tendência rumo à depreciação secular das divisas do terceiro mundo foi que o seu trabalho esteve continuamente a ser depreciado em relação ao trabalho das economias do primeiro mundo. Portanto, ironicamente a transferência de riqueza pelos ricos do terceiro mundo dos seus próprios países para lugares "mais seguros" nos centros metropolitanos teve o efeito de reduzir o valor do trabalho nos seus próprios países em relação àqueles das metrópoles, o que significa um agravamento secular dos preços relativos dos seus produtos. Esta é uma razão pela qual mesmo nos dias de hoje vários governos do terceiro mundo, incluindo a Índia, têm pelo menos algumas restrições residuais sobre a transferência para fora da riqueza dos ricos locais: a rupia por exemplo não é uma divisa plenamente convertível mesmo actualmente.
Contudo, todo este quadro está em mudança. Uma consequência da prolongada crise económica mundial tem sido o facto de que as taxas de juro nos países capitalistas avançados foram derrubadas para níveis quase zero numa tentativa de ressuscitar aquelas economias; e isto significou um fluxo de capital daquelas economias para certas economias do terceiro mundo, incluindo a Índia, onde as taxas de juro são muito mais elevadas. Tal fluxo assumiu a forma tanto de acções como de empréstimos. Algumas destas tomadas de empréstimos de países do terceiro mundo são contratadas em divisa estrangeira e algumas na divisa local. Da mesma forma, algumas delas foram para governos e outras para corporações do sector privado e público. O que tudo isto significa, entretanto, é que possuidores metropolitanos de riqueza, ao contrário do passado, agora começaram a manter alguma da sua riqueza na forma de divisas do terceiro mundo ou de activos denominados nestas divisas.
Isto constitui uma importante mudança estrutural no interior do imperialismo porque implica em que possuidores de riqueza metropolitanos não podem ser indiferentes à depreciação de tais divisas do terceiro mundo. Já não são apenas os possuidores locais de riqueza que perdem em termos do valor do dólar da sua riqueza quando a divisa local deprecia, mas também os possuidores metropolitanos de riqueza. E uma vez que, mesmo no caso de uma divisa (como a rupia) não ser plenamente convertível, sob as receitas neoliberais permite-se que os possuidores de riqueza metropolitanos retirem os seus fundos quando quiserem, qualquer depreciação da divisa local desencadeia uma avalanche de fugas de capitais e também um dilúvio de insolvências internas (pois várias firmas locais tomaram empréstimos em divisas estrangeiras para financiar a tomada de controle de activos em divisa local).
Isto basicamente implica procurar [que a actuação sobre] a taxa de depreciação cambial seja afastada dos governos locais. As divisas destes países do terceiro mundo, dos quais a Índia é um exemplo destacado, assim como as divisas de economias metropolitanos não-líderes como as da Zona Euro e a do Japão, têm ser mantidas num valor relativo estável face ao US dólar. O facto de que, durante quase toda a última década, o valor da rupia se ter pouco depreciado face ao US dólar, ao contrário do passado, é uma indicação desta mudança de cenário.
Esta mudança tem duas importantes implicações, uma óbvia e outra não tão óbvia. A implicação óbvia é que como o instrumento habitual que os governos empregam quando a economia é confrontada com um problema de balança de pagamentos, nomeadamente uma depreciação da taxa de câmbio, é retirado das suas mãos, eles agora têm de confiar muito mais em outros instrumentos, tais como compressão da procura interna e deflação salarial (isto é, um corte em salários monetários) para alcançar o mesmo resultado. Mas, embora tanto a taxa de depreciação cambial como a deflação salarial tenham o efeito de esmagar os trabalhadores, a primeira actua indirectamente enquanto a última actua directamente.
Isto implica várias coisas (deixem-me, para maior simplicidade, ignorar aqui qualquer consideração da compressão da procura geral através de outros meios) : (i) uma depreciação da taxa de câmbio de 10 por cento não significa necessariamente uma queda de 10 por cento em salários reais dentro de qualquer dado período de tempo, ao passo que uma deflação salarial de 10 por cento assim o faz; (ii) por esta mesma razão, uma depreciação da taxa de câmbio de 10 por cento provoca menos resistência imediata dos trabalhadores quando comparada a uma deflação salarial de 10 por cento; por causa disto a imposição de uma deflação salarial é invariavelmente acompanhada por ataques aos sindicatos a fim de quebrar esta resistência.
Pode-se aqui mencionar uma ilustração histórica famosa. Durante a Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha foi expelida do Padrão Ouro (Gold Standard), mas a ele retornou em 1925 com uma paridade anterior à da guerra, sob a pressão dos poderosos interesses financeiros britânicos que desejavam tal paridade. Mas o tipo de apoio colonial que estivera disponível à Grã-Bretanha nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial já não estavam mais disponíveis após a guerra (o Japão por exemplo estava a retirar â Grã-Bretanha fatias significativas do mercado indiano), de modo que a libra esterlina estava sobre-avaliada à paridade anterior à guerra – e a Grã-Bretanha começou a enfrentar problemas de balança de pagamentos. Em consequência, a Grã-Bretanha tentou impor uma deflação salarial aos seus trabalhadores, a qual tornaria seus bens mais baratos no exterior e também reduziria a absorção interna, melhorando assim sua balança de pagamentos. Isto contudo deu origem à famosa Greve Geral de 1926 na Grã-Bretanha, meses após o seu retorno ao Padrão Ouro. Portanto, se bem que uma depreciação da taxa de câmbio e uma deflação salarial tenham o efeito de esmagar os trabalhadores, esta última é uma medida directa que tem um carácter directamente político.
A implicação menos óbvia do facto de possuidores metropolitanos de riqueza agora possuírem riqueza em divisas do terceiro mundo, o que descarta depreciações da taxa de câmbio, é que as suas decisões doravante têm uma influência sobre direitos sindicais no terceiro mundo e portanto sobre a democracia no terceiro mundo. Se possuidores metropolitanos de riqueza começarem a transferir a sua riqueza para fora de um país, então o país em causa tem de impor uma deflação salarial através do ataque aos sindicatos (além de seduzir o capital metropolitano a permanecer através da oferta de activos internos a preço vil, o que constitui um caso de "desnacionalização" de activos nacionais). Ainda por cima, se os EUA elevarem a sua taxa de juro, então isto também ameaça precipitar uma deflação salarial em países como a Índia a fim de estancar fugas de capitais, com ataques a sindicatos, a direitos democráticos dos trabalhadores e genericamente às estruturas democráticas, torna-se um acompanhamento necessário (além da "desnacionalização" já mencionada).
Esta nova situação difere da anterior em dois aspectos importantes: primeiro, na ausência de qualquer riqueza metropolitana significativa possuída em activos na divisa local, isto é, quando só os possuidores de riqueza do terceiro mundo mantinham a sua riqueza em activos da divisa local, eles estavam em certa medida sujeitos a algum grau de controle pelo Estado do terceiro mundo. Mas o Estado do terceiro mundo dentro de um regime neoliberal tem pouco controle, mesmo na ausência de convertibilidade da divisa, sobre possuidores de riqueza metropolitanos. Segundo, a depreciação da taxa de câmbio como instrumento era utilizável anteriormente o que removia num certo grau um ataque directo aos trabalhadores e portanto um assalto directo a sindicatos e a direitos políticos dos trabalhadores. Isto agora torna-se impossível.
Em suma, em países como a Índia as mudanças que ocorrem dentro da estrutura do imperialismo servem para fortalecer o autoritarismo que já é evidente. A exigência da introdução da "flexibilidade no mercado de trabalho", um eufemismo para um ataque aos sindicatos, certamente será acelerada nos dias que estão pela frente e o governoHindutva , dada a sua inclinação sangrenta e a sua absoluta falta de compreensão das armadilhas do neoliberalismo, é seguro que se torne um instrumento propenso ao cumprimento desta exigência.