Agora que o exército do Iraque já desalojou a rebelião das forças da Peshmerga de Masoud Barzani em Kirkuk, está consumado o fim de um Curdistão independente na Síria. Ao mesmo tempo, as forças da coalizão pró-Assad continuam a pressionar as milícias do YPG curdo apoiadas pelos EUA na Síria.
E então, hoje (20/10) cedo, Zerohedge publicou grande matéria na qual informa que as milícias das Forças Democráticas Sírias reuniram-se em segredo com comandantes russos para definir detalhes da devolução de um grande campo de petróleo ao governo sírio. Zerohedge cita material de al-Masdar:
"Material que circula em relatórios militares sírios informa que foi firmado um acordo entre a Rússia e as forças apoiadas pelos EUA chamadas 'Forças Sírias Democráticas', pelo qual o governo sírio retoma o controle sobre o campo de gás.
Se a notícia for confirmada, nesse caso o acordo a que chegaram Moscou e Washington para a transferência de itens de energia sequestradas por milícias curdas, de volta ao controle do governo de Damasco, pode ter dimensões mais amplas (i.e. transferências futuras) – embora não haja prova de que se trate efetivamente disso.
A inesperada devolução do campo de gás Conoco, pelos curdos, ao governo da Síria também faz surgir questões sobre se prossegue a disputa entre o Exército Árabe Sírio e milícias curdas, pelo controle do campo de petróleo de Al-Omar, muito maior, controlado pelo ISIS."
Como se esperava, tão logo a rebelião curda no Iraque fosse controlada os curdos do YPG aceitariam a realidade. Esse movimento de ceder o campo de gás de Conoco aconteceu provavelmente por efeito de uma oferta feita pelo governo sírio, de negociar a autonomia curda depois de superado o quadro de enfrentamento militar.
Canais secretos de comunicação entre o governo sírio, diplomatas russos e representantes curdos, ao que parece, construíram acordo aceitável para todos, pelas costas dos comandantes norte-americanos na região leste do Rio Eufrates.
Com esses dois eventos ocorridos no prazo de apenas dois dias, os EUA ficam em posição muito precária na Síria. Seus aliados curdos estão negociando e firmando acordos com Assad. A Turquia varre completamente a Al-Qaeda em Idlib. Curdos iraquianos já foram expulsos, perdendo todo o território que obtiveram durante o curto reinado de terror do ISIS.
Todo o plano para desestabilizar e retalhar a Síria já colapsou. E John McCain, Hillary Clinton e a Casa de Saud que agradeçam a Putin. O único que se recusa a ver a realidade como tal é o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, que continua a tentar provocar conflito mais amplo atacando dentro do território sírio.
Como EUA reagirá ao desastre
Assim sendo, a resposta que o governo Trump dê a esse desastre será em todos os quadros elucidativa.
Será que Trump e o Departamento de Estado dos EUA aumentarão a aposta e tentarão promover a independência curda, como pretexto para enviar mais tropas?
E como Trump fará tal coisa, se foi eleito para pôr fim ao projeto de 'mudar regimes' pelo mundo? Pôr soldados no Iraque e na Síria, para proteger alguma independência curda será exatamente voltar a trabalhar para 'derrubar regime' (na Síria e no Iraque).
Em todos os casos, os EUA terão de lidar com a evidência de que o Irã é o grande vencedor em tudo isso – o que é fato. Mas ainda é difícil antever que o farão. Porque, se reconhecerem a vitória do Irã, Trump e os seus estarão reconhecendo a derrota do projeto de os EUA permanecerem na Síria depois do ISIS já não estar lá.
E não se ouvem 'manifestações' nos EUA na direção de destruirmos os ganhos do exército iraquiano e apoiarmos o Referendum de Independência Curda. Na verdade, esse silêncio é ensurdecedor.
A doida que Trump pôs como embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, continua imbatível no papel de perfeita idiota. Agora, disse que
"Quando um país chega a interferir em eleições em outro país, é ato de guerra. E é mesmo, porque você está cuidando para que a democracia tome rumo diferente da vontade do povo, se você interfere. E não é só nos EUA (...) Eles [os russos] estão fazendo o mesmo em toda parte. É a nova arma preferida deles."
Haley enunciou essa estupidez sem nem vestígio de ironia, sobre a 'intervenção russa' nas eleições dos EUA ano passado. Claro. Todos sabemos que os EUA derrubaram o governo da Ucrânia em 2014, e da Líbia, e tentaram derrubar também o governo da Síria.
É capacidade para mentir, e ausência imoral de responsabilidade e autoconsciência que, antes, só se vira em Hillary Clinton.
Implica dizer que, mais cedo ou mais tarde, acontecerá o oposto do que essa gente deseja. Tão logo o ISIS esteja acabado, o que acontecerá provavelmente nas próximas duas, três semanas, os EUA farão o que sempre fazem: declaram vitória e escafedem-se de lá.
O fracasso na Síria é duro golpe contra o excepcionalismo dos EUA e o império dos neoconservadores. Netanyahu será deixado exposto, enquanto começa a fase seguinte, a saber, as negociações políticas para o governo da Síria do pós-guerra, e as reais negociações para construir o equilíbrio de poder na região.
E todos temos de agradecer por isso ao pragmatismo dos dois lados: da Rússia de Putin e da liderança dos curdos.
Da perspectiva dos investimentos
Eventos como esses se conectam diretamente ao grande quadro geopolítico, porque destacam a vitória dos russos para conquistar e reforçar posições de longo prazo nas áreas que são as principais fornecedoras de gás natural para a Europa. Na Síria, Putin encurralou com muita habilidade os EUA e os sauditas.
Provavelmente, os EUA revidaremos com mais sanções econômicas, as quais porém já não terão praticamente efeito algum, a menos que visem diretamente a União Europeia. Mas mais sanções só farão complicar cada vez mais a situação dos políticos europeus ainda aliados dos EUA. Toda a agitação que se vê na Europa é consequência direta de a União Europeia ainda acompanhar os agentes da política exterior dos EUA, em vez de pensar nos interesses dos próprios europeus.
Qualquer tipo de nova agressão econômica dos EUA contra a Europa resultará primeiro em agitação política que logo se converterá em governos de golpe, não eleitos, instalados em Espanha e Itália, para começar; em seguida virá a rebelião econômica, com países tratando de se separar da União Europeia, para poderem firmar acordos livremente e proveitosamente, com Rússia e China, para comércio e fornecimento de energia.