Na 5ª-feira o Ministério de Relações Exteriores da Rússia divulgou longa declaração em que critica a decisão dos EUA sobreJerusalém e afirma que:
"Acreditamos que qualquer solução justa e duradoura para o tão prolongado conflito entre palestinos e israelenses terá de ser baseada na lei internacional, incluindo as resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU que oferecem meios para resolver todos os aspectos do status final dos territórios palestinos, inclusive da altamente delicada questão de Jerusalém, mediante conversações diretas entre palestinos e israelenses. A nova posição dos EUA sobre Jerusalém pode complicar ainda mais as relações palestino-israelenses e a situação na região (...) A Rússia, vê Jerusalém Leste como capital do futuro estado palestino, e Jerusalém Oeste como capital do Estado de Israel."
Rússia posicionou-se de modo adequado ao que pensa e sente a Rua Árabe. Mas o que está levando Putin ao Cairo não é a questão de Jerusalém. O documento do Kremlin proclama e insiste na necessidade de "prover estabilidade e segurança no Oriente Médio e Norte da África". O que significa Líbia, Sinai e Síria e até certo ponto o Iêmen –, talvez nessa ordem.
O ponto é que se reabriu o 'arquivo líbio'. O Estado Islâmico está-se realocando na Líbia, depois de sofrer derrota esmagadora no Iraque e na Síria. Rússia e Egito sentem a necessidade imperiosa de se mobilizarem rapidamente para fazer frente aos grupos extremistas na Líbia. Os dois países apoiam o comandante Khalifa Haftar do Exército Nacional Líbio, que está abrigado em Benghazi, e o qual os dois presidentes veem (acertadamente) como um escudo contra o extremismo violento na Líbia. O vácuo de poder na Líbia e a insegurança crescente no Egito ocidental ameaça a estabilidade do Egito e o prestígio do presidente Sisi está em jogo. Por outro lado, o envolvimento do Egito na Líbia afeta o equilíbrio do poder no Oriente Médio. Muito interessante: as monarquias do Golfo também estão envolvidas na crise líbia.
Trump entra em cena. O primeiro-ministro líbio Fayez al-Sarraj visitou a Casa Branca dia 1º de dezembro e Trump discutiu com ele "oportunidades para futuras parcerias", enfatizando o "continuado comprometimento da América na missão de derrotar o ISIS e outros terroristas jihadistas na Líbia" e "trabalhar junto para promover a estabilidade e a unidade da Líbia". Numa trilha paralela, o presidente Emanuel Macron da França também recebeu Sarraj em Paris. (Sarraj tem reputação consagrada de o 'Ashraf Ghani' do Magreb – testa de ferro, político imposto pelas potências ocidentais. Manter a Rússia fora da Líbia é questão chave da estratégia ocidental (como também no Afeganistão).
Mas Rússia e Egito têm interesses específicos, também. A Líbia foi aliada tradicional dos soviéticos e tem posição estratégica no Mediterrâneo, de frente para o trecho sul da OTAN. Quanto ao Egito, a instabilidade na Líbia respinga por toda a península do Sinai – e já está acontecendo. Sisi pode ter a ambição de criar uma espécie de protetorado egípcio na Cyrenaica contra grupos extremistas. Não há dúvidas de que, com 1.200 km de fronteira com a Líbia, são legítimas as preocupações de segurança do Egito.
O Egito também é importador líquido de energia. Haftar controla o chamado 'crescente do petróleo' na Líbia e a gigante petroleira russa Rosneft já está de volta à Líbia. Claramente, a plataforma de energia oferece cooperação de três mãos potencialmente lucrativa para Rússia, Haftar e o Egito – embora secundária nas dimensões militar e de segurança.
Prima facie, Moscou está fazendo concessões à ONU em assuntos chaves e está também estreitando relações com o governo de Sarraj em Trípoli. O que sugere que Moscou pode estar-se posicionando como negociador entre os parceiros líbios rivais – principalmente Sarraj e Haftar – e para eventualmente manobrar para recuperar as perdas financeiras que sofreu em 2011 depois da 'mudança de regime', que se estima que tenham sido superiores a $10 bilhões em contratos de ferrovias, projetos de construção, acordos de energia e vendas de armas.
Mas o ocidente que tome cuidado, para que Putin não encurrale as 'potências' ocidentais em mais um xeque-mate e aplique-lhes outra Síria, dessa vez na Líbia. A situação líbia tem traços específicos, mas a rivalidade entre as grandes potências está acelerando. Washington pode parecer mais bem posicionada na Líbia, porque os aliados dos EUA lá estão na OTAN, para apoiá-los. Mas quando Putin sobe ao centro do palco, abrem-se outra vez as apostas. Para um papel efetivo dos russos na esfera militar e de segurança para estabilizar a Líbia, Moscou precisa de um parceiro regional. Putin tem excelente relação com Sisi. Washington estará monitorando atentamente as conversas de ambos, no Cairo, na 2ª-feira.