O Natal é um relato fictício, ainda que nada inocente. Segundo a Enciclopédia Catolica, "o Natal não estava incluído entre as primeiras festividades da Igreja".
O sacerdote Orígenes apontou que "não vemos nas escrituras que ninguém manteve uma festa ou realizou um grande banquete no dia do nascimento" [1]. O dia do Natal foi estabelecido por um decreto do Papa Julio I no ano 350 a pedido das necessidades políticas do imperador Constantino [2], quem assimilou o cristianismo como religião oficial do Império romano para consolidar sua unificação. Neste sentido, Constantino e os bispos deliberadamente introduziram a história do Natal no dia do solstício de inverno (o dia mais curto do ano), data que coincide com a festa celebrada por todos os povos pagãos que adoraram os deuses do sol [3], trocando presentes. Deste modo, o cristianismo foi se incorporando gradualmente nos povos pagãos, servindo a necessidade do Império Romano.
Um ponto de inflexão
A revolucionária polaca Rosa Luxemburgo apontava que havia um ponto de inflexão entre o cristianismo primitivo e o cristianismo desenvolvido desde o século IV [4]. E neste marco onde o Natal desempenha um rol fundamental. O cristianismo primitivo, também chamado de cristianismo comunista, funcionava como o partido político dos campesinos pobres, vítimas dos grandes senhores romanos que se apoderavam das terras e dos cereais. Para sobreviver fugiam para a cidade, porém como o trabalho era realizado pelos escravos, ficaram reduzidos ao exército de mendigos que viviam de esmolas. A impossibilidade de encontrar uma saída frente a brutalidade dos soldados romanos [5], empurrou estes campesinos a abraçar a religião que dizia que os ricos deveriam repartir o pão com os pobres. Esse comunismo cristão era impotente para suprimir as desigualdades entre pobres e ricos, pois se baseava na propriedade comim dos bens de consumo e não nos meios de produção, como a terra e os animais de fazenda, deixando intacto inclusive o regime escravagista.
Assim, na medida em que se desenvolviam as comunidades cristãs começou a generalizar uma burocracia eclesiástica corrompida, separada dos campesinos pobres, para administrar o dinheiro e os negócios. A princípios do século IV, Constantino se atentou à influência popular do cristianismo, enquanto o Império era atravessado por lutas facionais. Assim Constantino assimilou o cristianismo como religião de Estado para estabelecer homogeneidade do Império, concedendo grandes recompensas aos bispos como funcionários do Estado.
Porém, as discussões do cristianismo ainda subsistiam sustentadas por São Basilio e São João Crisóstomo [6]. Para acabar definitivamente com este passado, Constantino pactuou um acordo com os bispos e convocou o primeiro Concílio de Niceia [7] no ano de 325 onde adquiriu primeira relevância o estabelecimento institucional do Natal e a Páscoa com a finalidade de impor um novo dogma de culto estatal, apoiado sobre a veneração do nascimento, a morte e ressurreição de Jesús.
Em consequência, o estabelecimento do Natal forma parte do ponto de inflexão observado no século IV, quando a Igreja se incorpora definitivamente como uma instituição das classes dominantes, rol que desempenha até a atualidade, mantendo as grandes massas ignoradas e apoiando quanta cruzada reacionária exija o poder de mudança.
Tudo vai melhor com Santa Claus
O procedimento do solístico de inverno também foi utilizado na evangelização da América Latina. No México os sacerdotes agostinianos introduziram o nascimento de Jesus na festa de advento de Huitzilopochtli, deus do sol e da guerra. Assim substituiram a deus pré-hispânico pelo deus cristão para dominar os povos originários mediante a ideias como complemento da coerção e do assassinato.
As classes dominantes se valeram da popularidade das festas natalinas para incorporar tradições funcionais à seus interesses. Nesse sentido, provavelmente a figura de Papai Noel seja seu melhor expoente. Papai Noel, também conhecido como São Nicolau ou Santa Claus, remete ao bispo Nicolás de Bari, morto no ano de 345, que costumava a fazer presentes aos meninos pobres [8]. Esta figura foi reinventada nos EUA em 1863 por Thomás Nast, embora tenha adquirido sua fisionomia atual em 1931 a partir do influxo publicitário da Coca Cola. Desse modo, a multinacional norte-americana vestiu com suas tradicionais cores vermelha e branca o Papai Noel e estendeu seus negócios, e o selo da marca, ao mundo inteiro. Hoje em dia, a figura do Papai Noel dá corpo ao chamado "espírito natalino", esta mística inexplicável capaz de transformar até o mais ruim e perverso dos capitalistas em um "bom homem", aspecto difundido por uma infinidade de filmes norte-americanos.
Notas
[1] Citação de Natal Day, The Catholic Enciclopedia, 1911.
[2] www.es.wikipedia.org/wiki/Navidad
[3] Quando o Imperador Julio César introduziu seu calendário em 45 a.C., o 25 de dezembro estava localizado entre 21 e 22 de dezembro de nosso calendário gregoriano.
[4] Rosa Luxemburgo. O socialismo e as igrejas. www.mia.org.ar
[5] Os escravos constituíam a única classe que podia proporcionar uma alternativa, porém estes eram dispersos e extremamente enfraquecidos depois da grande derrota do exército de Espártaco no ano 71 a.C.
[6] Rosa Luxemburgo. O socialismo e as igrejas. https://www.marxists.org/espanol/luxem/05Elsocialismoylasiglesias_0.pdf
[7] Constantino termina com as diferenças entre “cismáticos” e “hereges” e institucionaliza o cristianismo tal como o conhecemos na atualidade.
[8] www.navidadlatina.com.ar