Natal. Não gosto de ti porque todos falam de ti. Quando todos falam do mesmo, alguém vê uma oportunidade de negócio e vende o produto. Esvazia-se o sentido para tornar a coisa mais leve e envolve-se em papel lustroso. Ninguém gosta de coisas pesadas, com demasiado conteúdo, são aborrecidas e não têm uma função imediata. Vai que alguém compra. Sucesso! E vai que alguém compra outro, 2, 3, 4, para ter mais Natal. E porque é barato, demasiado barato, aproveita e dá Natal aos pobrezinhos, aos doentes do hospital, aos presidiários, aos soldados. Para que seja para todos Natal. Até para os que não querem.
Aliás, alguém sabe onde começou essa história do velho gordo que sai de roupão vermelho à noite, com um saco recheado de prendas para as crianças? Como nunca ninguém se lembrou de lhe investigar o passado e saber onde ele esteve a 1 de maio, por exemplo? Todas essas prendas que dizem Made in China, Singapura, Vietname... O homem tem olhos azuis, estatura nórdica. Fosse asiático e levantaria-me menos suspeitas. Qual a origem e o preço de tudo aquilo que ele dá?
E quem arrasta toda essa parafernália e faz a distribuição? Que animais são esses? Como nenhuma associação se lembra de averiguar como é que os bichos passam todas essas intempéries, esses câmbios meteorológicos, desde os desertos secos, quentes, brutalmente frios à noite, florestas densas e... pior, cidades densas, impestadas de smog, pelas malhas fabris que produzirão o tal Natal. E o que fica para os que fazem o milagre da noite, quero dizer, para os que fabricam em linhas de montagem e colocam em caixas hermeticamente fechadas luzes sem reminiscência alguma de luz.
Raios me partam, raios te partam, Natal, não sei nada sobre ti. Havia a história do outro que nasceu no rés-do-chão de uma pensão. Era uma cria que, na falta de um apropriado berço e porque se constava sobre o perigo de trazer uma boa nova (que era somente palavras e o aborrecimento de não trazer presentes para todos!) o substituíram por um peru na travessa e um pinheiro decorado de presentes destituídos de passados ou futuros. Na melhor das hipóteses, tornar-se-ão obsoletos no dia a seguir para que possa vir logo-logo outro Natal. Porque o que ninguém gosta mesmo é de coisas duradouras. Portanto, feliz Natal, mas onde estão todos no 25 de Abril?