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Diário Liberdade
Terça, 26 Dezembro 2017 13:21 Última modificação em Sexta, 29 Dezembro 2017 17:28

Tradição da Coreia do Sul como pivô geopolítico mete mais medo nos EUA que a bomba atômica de Kim

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País: Coreia do Sul / Resenhas / Fonte: The Duran

[Adam Garrie, Tradução do Coletivo Vila Vudu] O presidente Moon da Coreia do Sul acaba de se reunir com Xi Jinping, presidente da China. O encontro reafirmou que a Coreia do Sul é mais um tradicional aliado dos EUA na Ásia que quer mesmo se engajar na Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE, da China. Mas a implicação ultrapassa as questões da economia da Coreia do Sul. O movimento pode levar a mais uma abertura para a paz na região – que os EUA só fazem tentar impedir ou retardar o mais possível.

Durante toda a Guerra Fria, a doutrina da destruição mútua assegurada [ing. mutually assured destruction], que atende pelo acrônimo muito adequado de MAD ["louco(a)"], assegurou que, por mais altas que fossem as tensões, nenhuma das potências nucleares jamais atacaria diretamente a outra.

Embora a Guerra Fria esteja acabada, a ideia de que seria loucura dois países se matarem mutuamente, contando os mortos aos milhões, ainda vale e mantém-se forte. Por essa razão, o presidente Putin da Rússia disse mais uma vez que o programa de armas da Coreia do Norte é movido por razão bem clara. As autoridades em Pyongyang não querem ver seu país e seu povo destruídos como Iraque e Líbia, simplesmente porque os países árabes não contavam com o fator ‘MAD’ de contensão.

Mas com a embaixadora de Trump à ONU Nikki Haley e seu diretor da CIA Mike Pompeo seguindo o ímpeto literalmente alucinado do próprio Trump, e ameaçando pelo menos uma vez por semana destruir a Coreia do Norte, há desenvolvimento muito real, que está deixando muita gente preocupada por trás das cortinas, em Washington.

A Coreia do Sul está claramente se movimentando na direção de China e Rússia, as superpotências geograficamente mais próximas. Na verdade, num sentido literal, a única coisa que separa a Coreia do Sul de Rússia e China é a Coreia do Norte. Apesar disso, por décadas, a mentalidade de soma zero ("o vencedor leva tudo") da Guerra Fria que dominou as relações geopolíticas no passado século20, levou a Coreia do Sul a ser separada dos dois gigantes seus vizinhos.

Hoje, isso já mudou muito. Mais que isso, o âmbito muito significativo e a intensidade das relações de Seul com ambas as capitais, Pequim e Moscou aceleraram-se rapidamente no governo moderado do presidente Moon Jae-in.

Moon desenvolveu relacionamento pessoalmente caloroso e visivelmente produtivo com Vladimir Putin desde que assumiu a presidência em maio desse ano. Moon apoiou, sem hesitar, a iniciativa de Putin de cooperação econômica tripartite entre Rússia e os dois estados coreanos, quando a iniciativa foi exposta pela primeira vez no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok.

Coreia do Sul e Rússia continuam a trabalhar em projetos mais imediatos de energia, incluindo o fornecimento de gás natural liquefeito russo à Coreia do Sul. Há outras conversações em curso sobre acordos de livre comércio mais amplos entre Moscou e Seul, que podem estar concluídas em 2018.

O relacionamento da Coreia do Sul com a China continua a expandir-se por linhas semelhantes a essas. Foi o que disse a visita que acaba de se completar, de Moon Jae-in a Pequim, onde manteve conversações substanciais com o presidente chinês Xi Jinping.

A seguir, um trecho de matéria sobre aquela visita, publicada originalmente pela agência chinesa oficial de notícias, Xinhua:

"Xi deu boas-vindas a Moon em sua visita de estado a China, por ocasião do 25º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países.
China e República da Coreia são vizinhos amistosos e parceiros de cooperação estratégica, disse Xi.
Disse que os dois países fizeram avanços notáveis nas trocas e na cooperação em vários campos, com benefícios extraordinários para os dois lados.
Houve idas e vindas nas relações China-República da Coreia, que ajudaram os dois lados a conhecer e a compreender como criar futuro comum melhor, baseado em respeito mútuo pelos interesses essenciais dos dois lados, disse Xi.
Disse que a China atribui grande importância às relações com a República da Coreia e está pronta para trabalhar com a República da Coreia para manter a intenção original de estabelecer relações diplomáticas e considerar na integralidade o bem-estar dos dois povos.
Os dois países devem respeitar o princípio básico de respeitar os interesses centrais e mais graves preocupações um do outro, e o princípio de tratar-se mutuamente como vizinhos, com sinceridade – disse.
Xi também sugeriu que os dois lados comprometam-se com o princípio de mútuo benefício e cooperação ganha-ganha, para assegurar que o desenvolvimento de relações bilaterais mantenham na trilha certa.
O 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCC) trouxe prospectos mais amplos de cooperação da China com seus países vizinhos, incluindo a República da Coreia – disse Xi.
Conclamou os dois lados a reforçar a comunicação política, cimentar as bases da confiança mútua e fazer bom uso do mecanismo de troca entre os corpos legislativos e os partidos políticos dos dois países.
A China saúda a participação da República da Coreia na construção do Cinturão e Estrada, disse Xi, na esperança de promover o alinhamento da Iniciativa Cinturão e Estrada com a estratégia de desenvolvimento da República da Coreia.
Pediu que se aumentem as trocas em áreas como juventude, educação, ciência e tecnologia, mídia, esportes, saúde e questões locais, para o desenvolvimento estável e de longo prazo de laços bilaterais.
A visita de Moon coincidiu com a cerimônia chinesa anual em memória das vítimas do Massacre de Nanjing, realizada na 4ª-feira. Moon apresentou cumprimentos de solidariedade às vítimas.
Foi a 5ª viagem de Moon à China, e a primeira como presidente da República da Coreia. Manifestou sua admiração pelas conquistas do desenvolvimento da China.
Referindo-se aos dois países como importantes parceiros comerciais, Moon disse que o desenvolvimento de países regionais está intimamente ligado às Metas do Segundo Centenário da China.
A República da Coreia espera unir esforços com a China para cimentar a confiança e a amizade política entre os dois povos, estimular a cooperação em várias áreas e a coordenação em questões globais e regionais, disse Moon.
A República da Coreia espera participar na Iniciativa Cinturão e Estrada e promover a construção de uma comunidade de futuro partilhado para toda a humanidade, disse o presidente sul-coreano.
Os dois líderes também trocaram ideias sobre a situação na Península Coreana.
'Devemos manter sem esmorecer a meta de uma península livre de armas nucleares e jamais permitir que se instalem a guerra ou o caos na península' – disse Xi.
A China crê que o único modo de resolver a questão da Península Coreana será sempre mediante o diálogo e a consulta entre as partes – acrescentou o presidente chinês.
Xi disse também que a China e a República da Coreia têm importantes interesses em comum na manutenção da paz e da estabilidade na Península Coreana. A China continuará a fortalecer a comunicação e a coordenação com a República da Coreia, para manter a estabilidade e prevenir guerras na Península Coreana, e promover a paz e os contatos.
Xi disse ainda que a China apoia o aprimoramento constante de relações entre os dois países da Península Coreana, mediante diálogo e contatos, que ajudarão a dissipar as tensões e levarão, afinal, a superar as dificuldades.
Moon disse que a República da Coreia está firmemente comprometida com resolver a questão nuclear da Península da Coreia por meios pacíficos, e quer trabalhar com a China para salvaguardar a paz e a estabilidade na região.
Xi reafirmou a posição da China sobre a instalação do sistema THAAD Terminal High Altitude Area Defense (THAAD) na República da Coreia e disse esperar que a República da Coreia lide adequadamente com a questão.
Depois das conversações, os dois líderes assistiram à assinatura de documentos de cooperação em áreas como economia e comércio, indústrias ecológicas e verdes, meio ambiente, saúde, agricultura, energia e Jogos Olímpicos de Inverno".

A matéria de Xinhua indica claramente que os dois países são sinceros no movimento para buscar relações calorosas para o século 21, depois de não ter mantido relações oficiais durante a Guerra Fria (relações oficiais só foram restabelecidas em 1992). Mais crucial, a mídia chinesa parece estar otimista quanto à participação da Coreia do Sul na Iniciativa Cinturão e Estrada.

Em vários sentidos, a Iniciativa Cinturão e Estrada permanece um dos pontos mais críticos que pode abalar o sucesso de uma possível desescalada nas tensões entre as duas Coreias. É como se a Coreia do Sul percebesse isso, tanto do seu próprio ponto de vista econômico exclusivo, como também em relação às preocupações de segurança primordiais para a região e o mundo em geral.

Enquanto os EUA dispõem-se a matar de fome a RPDC, para obrigá-la a curvar-se, tática que o presidente Putin da Rússia já avisou que absolutamente não funcionará, porque os coreanos "comerão grama" se preciso for, mas nunca se renderão às provocações do 'ocidente', China e Rússia veem com clareza que só a criação de oportunidades que mutuamente favoreçam os dois lados podem resolver crises geopolíticas.

A China implementou um modelo "ganha-ganha" de gestão de crises nessas suas primeiras iniciativas modernas de promover a paz em disputa que envolve terceiros. O plano de paz da China para o Estado Rakhine de Myanmar foi anunciado sem alarde, mas já está sendo implementado.

A chave para o sucesso do programa foi estimular a cooperação entre autoridades nos dois lados, em Myanmar e em Bangladesh, com promessas de maiores investimentos econômicos e oportunidades de comércio como integrantes da Iniciativa Cinturão e Estrada. Com certeza, enquanto os EUA gritam ameaças, o modelo "ganha-ganha" dos chineses, garantiu a confiança e o entusiasmo dos dois lados, de Naypyidaw e de Dhaka – dois países atualmente que a Índia quer afastar da ICE. O método chinês superou sem alarde e derrotou as ameaças dos EUA e as arapucas políticas da Índia.

Para a Coreia do Sul, um modelo similar de "ganha-ganha" também está sendo tentado, apesar de as circunstâncias serem muito diferentes.

Dia 30 de outubro, Pequim e Seul concluíram um acordo ainda não divulgado relacionado às graves preocupações da China quanto à presença de mísseis do sistema US THAAD em território da Coreia do Sul. Rússia e China tentaram negociar a remoção da Coreia do Sul, dos US THAAD, com a presença dos mísseis dos EUA interpretada como grave ponto de provocação contra Pyongyang, ao mesmo tempo em que também representa uma ameaça contra China e Rússia.

A China mantém sua oposição à presença do sistema THAAD e, embora os mísseis continuem na Coreia do Sul, o fato de que os dois países, China e Coreia do Sul tenham chegado a um acordo sobre a questão significa que, nesse sentido, a China confia na boa vontade do presidente da Coreia do Sul mais do que confia na dos EUA, no que tenha a ver com tais questões.

Essa boa vontade resultou na reunião positiva em Pequim, quando os dois países definiram ampliar os laços comerciais de curto e de longo prazo, que as conectam.

Claramente não é o que os EUA desejam, com os EUA procurando construir outro modelo de comércio, que é fortemente dependente dos EUA para a própria segurança e, consequentemente, para a propositura de políticas, em troca de acordos econômicos.

O modelo chinês, por outro lado, não vem com tantos condicionantes. A China deixou muito claro, seja em palavras seja em ações, que nada exige em termos de política doméstica e de governança em 'troca' de acordos de cooperação comercial e investimento.

O fato de que o modelo chinês seja hoje atraente para a Coreia do Sul, nação antes tão firmemente presa nas garras dos EUA, dos quais nunca foi mais que estado satélite, demonstra o fato de que, ao ritmo em que os aliados dos EUA amadurecem, passam a buscar diversificar os respectivos portfólios econômicos e geopolíticos, não raras vezes à custa dos antes inalteráveis laços com os EUA.

Não implica dizer que a Coreia do Sul deixa de ser aliada e parceira dos EUA, o que ela ainda é. Mas no modelo chinês há espaço para novos e tradicionais aliados, lado a lado, e novos parceiros na Iniciativa Cinturão e Estrada.

A ideia de que tudo em geopolítica é competição cabeça a cabeça é relíquia da Guerra Fria que, por ironia e muito preocupantemente, continua a modelar o pensamento dos EUA ainda mais do que na Guerra Fria, quando os EUA cortejavam estados comunistas como a Romênia, e estados não alinhados com tendências à esquerda que iam de Índia ao Egito. Claro, até a reaproximação de Nixon em direção à República Popular da China e sua détente com a URSS, provaram que até no auge da Guerra Fria os EUA costumavam ser menos dogmáticos e extremados do que viria a ser a partir do início dos anos 1990s.

Em tal paradigma, como o formulado pelos EUA de 2017, o único perdedor é a nação que insista em competir, em vez de buscar extrair o melhor de cada situação. Nesse sentido, os EUA é claramente o lado perdedor, e o outro lado, China, Rússia e Coreia do Sul, são os estados vencedores. Com o tempo, também a Coreia do Norte pode vir a ser estado vencedor, com Rússia e China sempre insistindo em coordenar um processo de paz, em relação ao qual os EUA só fazem disparar sinais cada vez mais ambíguos e confusos.

No que tenha a ver com um eventual processo de paz, a cooperação da Coreia do Sul é implicitamente importante. Se Rússia, China e Coreia do Sul vierem a formar uma cadeia de comércio e cooperação entre elas, a única peça faltante será a Coreia do Norte.

Apesar da posição da Coreia do Norte em relação ao Sul, autoridades em Pyongyang declararam que não visam a hostilizar o Sul, desde que Seul dê sinais de que negocia como estado soberano, que representa outra coisa, não apenas um reles instrumento da agressiva política exterior dos EUA na região.

Ao cooperar com China e Rússia, a Coreia do Sul pode tornar essa mensagem cada vez mais clara e, assim, conquistar cada vez mais a confiança de Pyongyang.

O mesmo está acontecendo em várias outras zonas geopolíticas de conflito. A conclusão lógica desse cenário é que o único obstáculo que impede que se faça a paz e construa-se cooperação produtiva é a presença dos EUA no Leste da Ásia.

A Coreia do Sul está mapeando o próprio curso, motivo pelo qual os EUA tentam criar e provocar tensões na península coreana, para impedir que se construa qualquer tipo de paz, como resultado do já inegável movimento de pivô geopolítico de Seul.

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