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Diário Liberdade
Segunda, 13 Agosto 2018 06:00 Última modificação em Sexta, 24 Agosto 2018 17:39

Socialismo Democrático Não É Social Democracia Destaque

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/ Batalha de ideias / Fonte: Jacobin

[MICHAEL A. MCCARTHY; Tradução do Diário Liberdade] Sociais-democracias como Noruega mostram que sociedades mais humanas, equitativas e democráticas são possíveis. Mas os socialistas democratas querem ir para além destas.

O conceito de “socialismo democrático” é um terreno contestado, e assim não há melhor altura do que agora para avançar com ideias para clarificar os nossos objectivos de longo prazo e as estratégias a curto prazo. Tal como Mathieu Desan e eu recentemente argumentamos na Jacobin, ter uma visão a longo prazo que transcenda o capitalismo e aprofunde a democracia irá ajudar a alcançar a igualdade de oportunidades e a solidariedade social — os princípios centrais que devem guiar qualquer sociedade boa.

Onde é que cabe as sociais-democracias nórdicas nesta visão para o socialismo democrático? É uma pergunta importante, levantada por Matt Bruenig em uma resposta ao nosso artigo. Ele concorda que a União Soviética não era uma democracia, porque o estado não respondia perante o povo. Mas diz que esta crítica não se aplica aos países nórdicos pois estas são democracias parlamentárias. No entanto, traçar uma linha divisória entre a nossa visão de socialismo democrático e as existentes sociais-democracias como a da Noruega é errado.

O questão resume-se a uma simples pergunta: países como Noruega representam o limite do que pensamos que uma economia e sociedade governada democraticamente se possa parecer? Se sim, é, ao fim e ao cabo, a social democracia e o socialismo democrático a mesma coisa?

O meu argumento não é de que os países nórdicos não sejam democráticos como a União Soviética, mas mesmos os países democráticos — onde há democracia política — o socialismo democrático iria, apesar de tudo, significar uma mais profunda democratização e propriedade pública da economia do que aquela que existe actualmente.

Socialismo Democrático Não É Social Democracia

Os países nórdicos — Finlândia, Noruega e Suécia — são sociais-democracias. Têm democracias constitucionais representativas, segurança social forte, negociações colectivas entre o trabalho e o capital que é balançado pelo estado e alguma propriedade da economia por parte do estado. Estas instituições seriam bastante mais preferíveis às que existem no nosso deserto neoliberal.

No entanto mesmo que ao trabalho lhe é dado uma voz mais forte tanto no local de trabalho e na governação da economia, o controlo capitalista persiste na grande maioria dos locais de trabalho.

Nas sociais-democracias, a propriedade pública dos principais meios de produção está limitado em comparação com o que poderia ser. Consideremos o caso mais forte, Noruega. Bruenig sublinha a sua propriedade pública assinalando que o estado detém setenta e quatro empresas. Isto não é um assunto de somenos: as empresas controladas pelo estado (EE) na Noruega representam 60 porcento do PIB. A maioria é alcançada através da Equinor, empresa estatal de petróleo, que representa mais ou menos 60 porcento da participação accionista do estado (o estado detém mais ou menos 67 porcento das acções). No total, as EE, incluindo a empresa petrolífera, empregam cerca de 280,000 trabalhadores.

Mas os números absolutos são sempre enganadores fora do seu contexto. Há cerca de 2.8 milhões de trabalhadores empregados na Noruega. Apenas 10 porcento da força de trabalho está empregada nestas empresas públicas. O sector público, em geral, emprega cerca de 30 porcento da força de trabalho, a maior proporção no mundo capitalista.

Ainda que isto seja definitivamente muito em comparação com outras democracias capitalistas, o estado norueguês ainda deixa uma maioria significativa de trabalhadores a trabalhar em firmas capitalistas para que possam sobreviver. Este é o caso e ainda é mais evidente em outras socais-democracias.

O socialismo democrático, por outro lado, deve envolver a posse pública sobre a vasta maioria dos bens produtivos da sociedade; a eliminar o facto de os trabalhadores se verem forçados a entrar no mercado de trabalho para trabalhar para aqueles que detêm de forma privada esses bens de produção; [criar] instituições democráticas mais fortes não só dentro do estado mas também dentro dos locais de trabalho e comunidades. A nossa caracterização do socialismo democrático representa um forte aprofundar da democracia na economia.

Esta distinção é crucial, mas Bruenig parece querer disfarçá-la. Ao fazê-lo, ignora o que está realmente em jogo neste debate: por que pensa que a relativamente limitada posse estatal e a democracia económica em países socais-democratas é preferível ou mais possível que algo mais extenso[?]

Isto não é matéria de mais objectivos políticos a curto-prazo; muitas das instituições da social democracia devem estar hoje no centro das exigências dos socialistas. Isto diz respeito à nossa visão socialista de longo prazo.

Os limites da Social Democracia

No centro dos limites da social democracia está um problema que persiste em todas as sociedades que dependem de empresas capitalistas para o emprego: que formas de poder são mais importantes? Mesmo com uma robusta democracia política, o poder, nas sociedades com economias essencialmente capitalistas, não é exercido primordialmente através do parlamento. As empresas, com a sua simples capacidade de alocar os seus investimentos e recursos, tomam decisões privadas com enormes implicações públicas. E este poder debilita as instituições que representam a democracia.

Mesmo na melhor democracia formal — eleições perfeitamente livres e justas — as empresas vão mesmo assim ter uma influência desproporcional sobre os oficiais eleitos do estado que estão baixo a pressão de apoiar as políticas que protegem a obtenção de lucro. Mas como pôde isto acontecer se estes são eleitos e sujeitos a escrutínio? Por que, mesmo em sociais-democracias, onde os donos de empresas capitalistas são uma pequeníssima minoria do eleitorado, os burocratas do estado defendem o lucro?

Porque a subsistência da maioria das pessoas está dependente, em grande medida, das empresas, tanto os votantes como os políticos tendem a favorecer políticas com as quais os negócios possam estar contentes. Mas no caso de que uma agenda socialista avance, as empresas têm o poder de desinvestir.

Abrandar a economia reduz as receitas do estado através de impostos, elimina empregos e geralmente acaba com os políticos a perder eleições, uma viragem de caminho em direcção à austeridade ou removidos à força através de um golpe de estado. A economia capitalista actua como um coice de castigo automático sobre os dirigentes de estado democraticamente eleitos quando tentam estabelecer instituições socialistas para o seu eleitorado.

É precisamente por isto que o fundo Meidner dos trabalhadores, um projecto que teria transferido a detenção das empresas do capital para o público — algo que Bruenig e eu estamos bastante a favor e gostaríamos de ver em prática de alguma forma — acabou por falhar na sua total entrada em vigor. Apesar de apoiada democraticamente, ameaçou a própria existência do capitalismo e assim foi debilitada pelo poder capitalista. Mesmo na melhor das sociais-democracias, a aproximação entre o capitalismo e a democracia é instável.

Tem a Noruega instituições que são capazes de contrapor os ataques do capital? Se guiada por princípios socialistas, parece que o fundo soberano da Noruega pode oferecer uma linha de defesa contra este tipo de poder das empresas. Fundado em 1990 como veículo para investir os lucros excedentários da empresa estatal de petróleo, em 2017 tinha crescido massivamente até aos 8,488 mil milhões de coroas [kroner]. Em caso de ataque capitalista, este património pode ser canalizado para defender a perda de emprego ou do desinvestimento das empresas que usam o seu poder privado para atacar os políticas públicas socialistas.

Mas o fundo nunca foi usado desta forma e seriam necessárias grandes mudanças para que fossem usadas para enfraquecer o poder nacional das empresas. Ao contrário do muito mais pequeno fundo folketrygdfondet, o seu fundo soberano não é investido principalmente na economia interna. É investido no mercado externo para compensar o risco de uma crise económica local, detendo em média 1.4 porcento de todas as empresas listadas publicamente do mundo.

Em seu crédito, tem tomado um papel activo no desinvestimento de alguns produtos perniciosos (tabaco, armas nucleares e de fragmentação e carvão) e usa frequentemente a sua voz de accionista para tentar mudar as práticas das maiores empresas do mundo. Mas o fundo é ao fim e ao cabo guiado pelo incentivo ao lucro e limitado pela competição capitalista global. O preço monetário de tomar estas posições de princípio tem sido bastante pequeno. Se usado como bastião contra o desinvestimento capitalista, teria que tomar riscos mais significativos e investir, potencialmente, em empreendimentos que trariam prejuízos.

O fundo traz consigo benefícios reais para o povo norueguês e oferece também oportunidades reais para contrariar a lógica capitalista de investimento. Mas que possa tornar uma transição para o socialismo democrático mais viável não é prova que a Noruega seja seja já socialista democrata.

Mais Democrática, Mais Propriedade Pública

A social democracia contém algo como um paradoxo. A sua criação depende de gigantescas greves e de uma crescente organização sindical que dá origem a organizações políticas viáveis, reformas na segurança social e instituições de co-decisão na economia. Estes são os objectivos a que devemos ambicionar.

Mas historicamente, assim que as socais-democracias se consolidam, os principais representantes das várias forças sociais que impulsionaram estas reformas, oficiais do estado e representantes sindicais, têm que conter a agitação da classe trabalhadora e a solidariedade que tornou este sistema possível de forma a satisfazer o capital.

Quando a crise capitalista debilita o crescimento, estas alianças desconfortáveis tendem a quebrar-se e as sociais-democracias geralmente retraem-se para os seus próprios caminhos de liberalização de direita, uma característica que partilham com vários tipos diferentes de economias capitalistas, tais como a Dinamarca, Alemanha, Holanda e os EUA. A mera sorte de descobrir petróleo na Noruega no início dos anos 1970, a razão principal por que o estado detenha tão grande porção do PIB e a razão pela qual o país tenha um fundo soberano tão significativo, não é razão suficiente para ignorar estas profundas limitações numa mais ampla democracia e de propriedade pública.

Se o socialismo democrático é o que chamamos de guia ideal para uma sociedade democrática, então o que está em jogo ao insistir que as sociais-democracias nórdicas são de facto socialistas democratas? Uma resposta é que ao o fazer pode-se contrapor os argumentos conservadores de má-fé que associam qualquer aumento económico em intervenções sociais com sistemas autoritários falhados. Mas nesse caso, por que não fazer o que é certamente mais fácil e defender isto em territórios explicitamente sociais-democratas? Por que te dás ao trabalho de te chamar socialista?

Não te equivoques: um sistema de segurança social estatal de estilo nórdico seria enormemente preferível ao nosso alternativo neoliberal e devemos trabalhar em direcção à construção de algumas das suas mais importantes instituições aqui nos EUA. Mas ao nos declararmos socialistas democratas, assinalamos as nossas aspirações a uma mais profunda democratização da sociedade do que permite a social democracia.

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