Documentos obtidos pelo The Intercept, por meio da Lei de Liberdade da Informação, mostram que os Estados Unidos estão gastando mais dinheiro em novas missões para enviar tropas de elite a serem treinadas com outras tropas de elite de países aliados.
De acordo com o Programa de Intercâmbio de Treinamento Conjunto (Joint Combined Exchange Training – JCET), desenvolvido para treinar agentes especiais dos Estados Unidos em diversos tipos de missões, de “defesa interna estrangeira” a “guerras não convencionais”, as tropas americanas realizaram ao menos uma missão a cada dois dias em 2014, último ano registrado pelos documentos revelados.
Ao custo de mais de US$ 56 milhões, os Estados Unidos enviaram seus agentes mais experientes — Seals da Marinha, Boinas Verdes do Exército e outros — para 176 JCETs, um aumento de 13% em relação aos números de 2013. O número de países envolvidos cresceu ainda mais, de 63 para 87, ou seja, 38% a mais do que o ano anterior.
O JCET é um programa crucial para a estratégia global em torno da tropa mais secreta e menos transparente dos Estados Unidos. Desde o 11 de setembro, as Forças de Operações Especiais (Special Operations Forces – SOF) foram expandidas de todas as formas imagináveis, desde seu orçamento, passando pelo número de agentes, até a quantidade de missões em países estrangeiros. Diariamente, 10 mil agentes especiais são enviados ou transferidos para realizar missões que variam desde “criação de parcerias e coleta de informações nos bastidores até operações de ataque dinâmicas de alta importância”, contou o ex-chefe do Comando de Operações Especiais ao Comitê de Serviços Armados do Senado dos Estados Unidos, General Joseph Votel.
Em 2014, mais de 4,8 mil tropas de elite participaram de JCETs. No ano anterior, foram 3,8 mil. “A finalidade dos JCETs é promover o treinamento de SOFs dos Estados Unidos em disciplinas importantes para missões, através do treinamento oferecido pelas forças militares de países aliados”, contou o porta-voz do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos, Ken McGraw, ao The Intercept. “JCET permitem que SOFs usem e desenvolvam seu conhecimento de idiomas e cultura, além de aprimorar suas competências no treinamento de tropas nativas.”
Em março, o General Raymond A. Thomas III, sucessor de Votel na liderança do Socom, contou ao Comitê de Serviços Armados do Senado que “trabalhar com nossos parceiros internacionais permite que compartilhemos a responsabilidade de forma mais eficiente. Precisamos nos integrar em lugares onde os problemas ocorrem, bem como em locais importantes para a materialização de nossos interesses onde não existem ameaças evidentes”.
Os documentos revelados recentemente mostram que, além das oportunidades de treinamento para as tropas de elite dos Estados Unidos, o JCET também oferece “benefícios involuntários”, como aprimorar contatos entre exércitos, aperfeiçoar a interoperabilidade com forças militares estrangeiras, e “obter acesso regional sem deixar vestígios”. Os arquivos também se referem aos JCETs como missões “discretas”.
Uma investigação de 2015 do The Intercept mostrou como os JCETs são regularmente realizados com forças militares estrangeiras acusadas pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos de violações graves de direitos humanos. Uma parceria mais recente entre o The Intercept e 100Reporters demonstrou que o JCET é parte de uma rede de treinamento internacional caracterizada pela ausência de uma estratégia coerente e de supervisão eficaz.
Em 2013, um estudo realizado pela Rand Corp. sobre os JCET conduzidos em áreas do Comando África, Comando Pacífico e Comando do Sul apontou uma taxa de eficiência “relativamente baixa” nas missões nessas regiões. Perguntado a respeito das conclusões do estudo, McGraw, do Socom, teve pouco a declarar. “Eu não analisei e não tenho tempo para analisar o estudo da Rand”, contou ao The Intercept, confirmando também que não sabia de ninguém no comando que havia lido a análise da Rand. “Não vamos comentar o estudo.”
Tradução de Inacio Vieira