Regimes de troca
“Se não houvesse troca, não haveria comunidade.” (Aristóteles, Política, 1133b) Os indivíduos sempre trocaram coisas entre si, sempre pediram e ficaram a dever coisas uns aos outros. Se alguém receber alguma coisa do seu vizinho, ao aceitá-la, fica em dívida. Em abono desse vizinho, pagará essa dívida com uma “palavrinha” (o tal “obrigado”) e com outro presente, devolvendo o estado de dívida à outra parte. O objetivo final não é o pagamento total das dívidas, mas sim fortalecer as relações sociais através de um sistema de crédito - dívida e obrigação - baseado na confiança e nos valores da sociabilidade em geral.
Este estado permanente de desequilíbrio (crédito-débito-crédito…) é o mesmo que faz funcionar o universo, criando a complexidade e o movimento. Um organismo homeostaticamente equilibrado estaria parado. A dívida, nessa perspetiva, é uma forma de transformar o desequilíbrio originário da sociedade em produtividade e desenvolvimento.
Mas como se organizavam essas trocas entre “vizinhos”? Como evoluíram até se tornarem trocas impessoais? De que forma refletiram – e fizeram refletir – a evolução social e política da sociedade? E como contribuíram para estruturar a oikonomia enquanto organização material da vida do homem?
Um autor historicamente bem colocado para nos fornecer importantes pistas para uma compreensão destas questões, tendo no decurso da sua vida presenciado e refletido sobre a emergência do mercado, é Aristóteles. Considerado o primeiro, e praticamente único, autor da Antiguidade a desenvolver os fundamentos de uma análise económica, “Aristóteles descobre a economia” (Polanyi, 1957), apesar de apresentar o seu pensamento económico num livro sobre política (Política) e noutro sobre ética (Ética a Nicómaco).
Mesmo posteriormente, durante toda a Idade Média, os breves textos aristotélicos dedicados à economia, à troca e ao dinheiro converteram-se num canon sobre estes assuntos. Ainda de acordo com Polanyi (1957), a influência que este filósofo exerceu sobre a economia medieval foi tão importante como a que posteriormente Adam Smith e David Ricardo exerceriam sobre a economia mundial do século XIX.
Especificamente no caso da dívida, o pensamento de Aristóteles também viria a influenciar toda a tradição medieval de condenação à prática da usura, designadamente através de S. Tomás de Aquino (Le Goff, 1987), que se referia sempre a Aristóteles como "o Filósofo”.
Com a chegada das doutrinas modernas, a influência do aristotelismo económico, salvo importantes exceções, viria a ser depreciada e esquecida até praticamente desaparecer em virtude do seu carater rudimentar e inadequado. Evidentemente que, em termos gerais, a teoria económica moderna não poderia ter a expectativa de beneficiar do Livro I da Política ou do Livro V da Ética a Nicómaco, uma vez que esta teoria económica visava, em última análise, elucidar os mecanismos de mercado, identificando até a própria economia com a sua forma de mercado, teoria que "o Filósofo” não sobrescrevia.
Pese embora esta desvalorização, Polanyi (continua a) considera(r) que vale a pena conhecer o pensamento de Aristóteles, como o de alguém que penetrou profundamente na organização material da vida do homem, e que o fez com um “radicalismo que nenhum autor posterior igualou” (Polany, 1957, p. 66). Mas, para o compreendermos verdadeiramente esse “radicalismo”, é necessário recuar no tempo para se perceber de que forma Aristóteles pensou acerca daquilo a que chamamos “economia”.
Nesse “recuo”, Polanyi identificou a razão do equívoco na crítica dos economistas modernos à teoria de Aristóteles, o qual reside no facto daqueles não terem compreendido que nas suas observações a respeito da economia, Aristóteles estava a destacar a sua vinculação ao conjunto da sociedade. Isto é, uma das grandes dificuldades para a moderna racionalidade económica em compreender Aristóteles, ou para reconhecer o seu pensamento como económico, encontra-se no facto de não considerar que no pensamento deste filósofo a economia está interligada com o resto da sociedade. Esta ‘economia’ não é um processo de satisfação de necessidades, mas uma componente da cultura, ligada ao processo de vida material da sociedade, ao contrário da economia do século XIX, que veio a constituir-se como uma ciência autónoma, que tinha como referente uma economia totalmente “desincrustada” das outras instituições sociais.
A ferramenta concetual que nos pode ajudar a compreender o funcionamento da ‘economia’ na sociedade antiga e, com isso, produzir uma outra apreensão da relação entre a economia dos antigos e o capitalismo moderno, é a análise institucional de Polanyi[1], que se baseia no estudo das instituições, ou do fundamento institucional, da economia. No âmbito desta análise devemos desfazer-nos da ideia habitual de que a economia é uma atividade que os seres humanos sempre reconheceram como tal. Pelo contrário, os factos económicos, na sua origem estavam incrustados em situações que não eram em si mesmas de natureza económica. O conceito de economia foi evoluindo com o tempo e com a história. Nesse sentido, o que Polanyi procura são os instrumentos concetuais capazes de atravessar o labirinto de relações sociais nas quais a economia simplesmente estava inserida, partindo da ideia de que nas economias pré-capitalistas o processo económico encontrava-se disperso por diversas instituições, não sendo possível desvincular os fatores económicos dos fatores sociais, éticos e políticos. De facto, para Aristóteles, a economia estava incluída, e até subordinada, às instituições éticas e sobretudo políticas. De resto, para este filósofo, o homem sendo um animal económico, um ser da casa (oikos) “é, por natureza, um “animal político” (“zoon politikon”) (Aristóteles, 1998, 1253a).
Polanyi considera que é importante não perder de vista esta visão aristotélica da economia como um processo social, apesar de todo o empenho dos economistas modernos para considerá-la como natural e isolada da sociedade, bem como dos seus esforços para naturalizar a própria ideia de mercado, considerando-o como ahistórico e omnipresente. E por essa via Polanyi reconhece a pertinência, e a atualidade, de Aristóteles como um pensador que oferece, não tanto um contributo formal às teorias económicas do mercado, mas uma compreensão da oikonomia num quadro de referências muito abrangente, e que inclusivamente a distingue daquilo que considera não ser sequer economia (como a “crematística”). Na obra de Polanyi, Aristóteles foi, de facto, um pensador que produziu uma enorme influência. Segundo Polanyi, “a célebre distinção que Aristóteles apresenta no capítulo introdutório da Política entre a administração doméstica propriamente dita e a atividade de fazer dinheiro foi provavelmente a indicação mais profética que alguma vez nos deu o domínio das ciências sociais e continua a ser a melhor análise do problema de que dispomos.” (Polanyi, 2012, p. 189-190)
Certamente que à “melhor análise do problema” não terá sido indiferente o facto de Aristóteles ter vivido numa circunstância histórica única, que lhe permitiu testemunhar a primeira aparição do mercado na história da civilização. Aristóteles foi uma testemunha presencial do nascimento de um novo sistema económico-social complexo, ainda em estado puro, na fase embrionária da sua emergência.
No entanto, a origem da própria instituição do mercado “é, em si mesmo, um assunto obscuro e subjetivo. É difícil traçar o seu começo histórico com precisão e ainda mais difícil seguir o rasto da evolução das formas iniciais de comércio para o comércio de mercado.”[2] (Polanyi, 1957, p. 83)
Mas, nessas formas iniciais de troca direta, Polanyi, que põe em relação autores muito distantes no tempo, considera que “nada parece ser menos apelativo para o filósofo da gemeinschaft (“comunidade”, em alemão no original) do que a propensão smithiana alegadamente inerente ao indivíduo” (Polanyi, 1957, p. 88). No livro I da Política, numa passagem central para esta questão, Aristóteles considera que a troca resulta não de algo semelhante à referida “propensão smithiana”, mas das necessidades relacionadas com o crescimento da família[3], que originalmente partilhava as mesmas coisas. “É manifesto que a troca não tem, obviamente, qualquer função na primeira forma de comunidade, i. e., a família, mas apenas quando a comunidade cresce. No primeiro caso, os membros partilham as mesmas coisas; depois, quando vivem separados, continuam a partilhar muitos bens mas trocam outros consoante as necessidades, como ainda hoje fazem os povos bárbaros que recorrem ao sistema de troca, limitando‑se a trocar produtos úteis; por exemplo, recebem e trocam vinho por trigo e outras coisas desta espécie.” (Aristóteles, 1257a) Nesse mesmo sentido, acrescentou ainda que “esta técnica de troca não é nem contrária à natureza nem tão pouco a qualquer tipo de crematística, mas serve para preencher lacunas na autossuficiência natural. Sendo assim, foi a partir dela que surgiu, logicamente, a técnica de adquirir.” (Aristóteles, 1998, 1257a)
Deste modo, o comércio por troca direta nasceu da instituição da partilha de bens necessários à vida. O objetivo dessa troca direta era garantir aos “senhores da casa”[4] (“oikonomikon”) o fornecimento suficiente para aprovisionar todas as necessidades[5]. Cada um deles facultava os seus excedentes a um outro oikonomikon desprovido desse bem necessário, mas apenas à medida das necessidades, que assim constituíam o limite natural dessas transações. O processo de intercâmbio tenderia para uma divisão mútua, uma vez que, no seu decurso, acabaria por beneficiar todas as partes.
Certamente que nesse processo não se pode esperar que alguém dê os seus produtos sem receber nada em troca. “De facto os indigentes que não possuem nada em troca têm que trabalhar devido à sua dívida (daí a grande importância social da instituição da servidão por dívidas)”. (Polany, 1957, p. 90) E daí também, refira-se, o interesse social no cancelamento dessas dívidas (Graeber, 2011). E a este propósito o próprio Aristóteles menciona na Constituição dos Atenienses (Politeia) as leis de Sólon, que “procedeu à abolição das dívidas” (Aristóteles, 2003, 10, p. 35).
Retomando o aspeto anterior, sublinhe-se a ideia segundo a qual tudo o que fosse necessário para continuar e manter a comunidade, incluindo obviamente a sua autossuficiência (autarcia) seria “natural” e intrinsecamente bom. Esta ideia implica ignorar, e mesmo condenar, qualquer função do comércio para além de contribuir para essa autossuficiência. Implica, portanto, não considerar que o comércio possa ser uma função do mercado. Assim, naquelas condições primitivas de troca, a obrigação no intercâmbio entre oikonomikons, limitava-se às necessidades detetadas e as transações deveriam realizar-se com base em valores equivalentes. A troca “tem a sua origem no facto natural de os homens possuírem mais ou possuírem menos do que é suficiente” (Aristóteles, 1998, 1257a), sendo estes, portanto, “compelidos a fazerem trocas na medida necessária da satisfação das suas carências” (Aristóteles, 1998, 1257a).
A teoria de Aristóteles acerca das trocas comerciais não é senão uma expressão da sua teoria mais geral sobre a comunidade humana. “Comunidade, autossuficiência e justiça são os elementos centrais do quadro de referências do pensamento de Aristóteles nos assuntos da economia.” (Polanyi, 1975, p. 80) Daí encontrarmos os seus textos de economia em livros sobre política e ética.
Mas para que exista comércio, para que uma coisa possa entrar numa relação de troca com outra, existe um problema que deve ser resolvido previamente: o da determinação do valor dessas mesmas coisas, condição para o seu intercâmbio. “Tudo o que pode ser trocado tem de ser de algum modo comparável” (Aristóteles, 2004, 1133a), ou seja, é preciso determinar qual o padrão de comensurabilidade[6] que permita a troca entre coisas diferentes mas em valores equivalentes.
Com a questão da determinação do valor, Aristóteles pretendia responder a dois problemas distintos: um de natureza económica, o de viabilizar a própria troca, e (sobretudo) outro de natureza ético-política, o de garantir a justiça na troca, isto é, de assegurar a troca de equivalentes, para que nenhum dos lados envolvidos nessa relação de troca perdesse, ou sequer ganhasse. No fundo, trata-se de saber como ajustar os atos de troca na estrutura da (autossuficiência da) comunidade, salvaguardando sempre o princípio da troca “natural”.
Sendo a troca um dos elementos estruturantes da comunidade, Aristóteles compreende que o problema da determinação do valor é um elemento indispensável para compreender a natureza dessas relações de troca que os cidadãos estabelecem entre si[7]. E por essa razão, a análise sobre o padrão de comensurabilidade para o intercâmbio reveste-se do maior interesse político. A troca é reciprocidade, constituindo a base da associação da própria comunidade, porque“se não houvesse troca, não haveria comunidade, e se não houvesse igualdade, não haveria troca, tal como se não houvesse comensurabilidade não haveria igualdade” (Aristóteles, 2004, 1133b).
Por volta do século IV a.C. já existia uma razoável circulação de dinheiro, justamente “inventado em vista da troca” (Aristóteles, 2004, 1133a), pelo que é natural que Aristóteles reconheça a moeda como medida para essas trocas. No entanto, a moeda não representa mais do que um “mediador”, não podendo assim constituir o tal padrão decomensurabilidade que procurava. Essa medida-padrão será encontrada na “necessidade”. “Se as pessoas não tivessem nenhuma necessidade, ou, então, não a tivessem de modo semelhante, das duas uma: ou não haveria troca de serviços ou seria uma troca com um sentido diferente. O dinheiro tornou-se como que o representante da necessidade”. (Aristóteles, 2004, 1133a)
Mas, neste caso, mais relevante do que reconhecer neste ou naquele elemento a medida-padrão, é a preocupação que Aristóteles revela pela justiça na troca. A instituição da troca de equivalentes surgiu para garantir a justiça no processo de troca “natural” entre os oikonomikons. A troca era encarada como parte do comportamento de reciprocidade, fundamental para a coesão da polis, uma vez que “é também devido a esta retribuição proporcional que o Estado mantém a sua existência conjunta.” (Aristóteles, 2004, 1133a)
Na Ética a Nicómaco, a referência ao “santuário das Graças”, fornece uma clara ilustração do significado e da importância de reciprocidade para os gregos. O benefício deste santuário, erigido pelos cidadãos, era o de garantir que houvesse “retribuição pelos favores recebidos, (pois), é isso mesmo que é peculiar e próprio do dar Graças: que se deve retribuir com um serviço em troca do favor que alguém nos prestou, e até numa outra ocasião tomar a iniciativa de fazer um favor a alguém.” (Aristóteles, 2004, 1133a)
Obtida a resposta à questão sobre o padrão de comensurabilidade que viabiliza a troca - a “necessidade” -, torna-se necessário analisar um outro problema fundamental decorrente deste: o de saber se, dispondo de um padrão, essas trocas que efetivamente se realizam são, de facto, justas. O problema que agora se coloca a Aristóteles é o da natureza, ou “finalidade”, da troca.
A finalidade que perpassa a esfera dessa troca tanto pode assumir a forma “doméstica” (oikonomia), que visa a satisfação das necessidades familiares (oikos) ou da comunidade política (polis), como pode assumir a forma “mercantil” - a “crematística”-, cujo fim, muito distinto do anterior, é o da acumulação de riqueza.
Aristóteles opõe a economia à crematística. Existe uma diferença fundamental entre a primeira, realizada no âmbito de uma troca “natural”, “necessária e recomendável”, e a segunda, uma troca “não natural” e até “censurável devido a (…) ser praticada por uns a expensas de outros.” (Aristóteles, 1998, 1258 b)
No entanto, é preciso ter em atenção que a crematística é dupla: uma parte pertence ao comércio e a outra é da esfera doméstica, pertencendo à economia. De facto, sendo a crematística uma forma especulativa e convencional (“não natural”) de obtenção de riqueza, Aristóteles consente nessa artificialidade quando esta se destina à aquisição de bens necessários para a satisfação de necessidades humanas e que a natureza não proveu num determinado lugar. Por isso, Aristóteles não condena a “forma doméstica da crematística que persegue um fim distinto da acumulação de dinheiro” (Aristóteles, 1998, 1257b). Portanto, o comércio é “natural” quando serve a sobrevivência da comunidade, em benefício da autossuficiência.
Como forma de dirimir a confusão entre economia e crematística, ainda no Livro I da Política, Aristóteles aborda um outro importante problema, o da distinção entre “uso próprio” e “uso não próprio” das coisas, ou, se quisermos, numa versão mais atualizada, a distinção entre valor de uso e valor de troca.
Polanyi considerou que a distinção entre o princípio do uso e o princípio do lucro seria a chave de Aristóteles para compreender a nova civilização, dois mil anos antes do seu advento. Refere inclusivamente que, a partir desta questão, Aristóteles previra as consequências humanas da atividade orientada para a aquisição de dinheiro, com enorme exatidão nas suas grandes linhas a partir da economia de mercado rudimentar a que tinha acesso (Polanyi, 2012 p. 191).
Segundo Aristóteles, cada coisa possui dois valores, ou dois “modos de uso”: um “uso próprio”, ou “adequado” e um uso “não próprio”, ou “não adequado”. Assim, “por exemplo, uma sandália tem dois modos de uso: como calçado e como objeto de troca. Ambos são modos de utilização da sandália; aquele que troca uma sandália por dinheiro ou alimento (…) não faz o uso próprio da coisa; é que esta não existe para ser trocada.” (Aristóteles, 1998, 1257a).
Portanto, usar a sandália como calçado remete para o seu valor de uso, vendê-la remete para o seu valor de troca. Neste caso, a relação comercial do sapateiro que vendeu a sandália foi a seguinte: Mercadoria (sandália) – Dinheiro (recebe em troca uma quantidade de moeda) – Mercadoria (com o dinheiro obtido poderá comprar outro produto para satisfazer uma necessidade, por exemplo trigo). Em sínteses, transpondo para o esquema de Marx, obtém-se: M-D-M.
Este pequeno comércio não pertence, por natureza, à crematística, umas vez que as trocas se referem apenas ao necessário para compradores ou vendedores. Nesta forma de relação comercial, onde predomina o valor de uso, é importante notar que os extremos são qualitativamente diferentes: troca-se a sandália por trigo, ou seja, realiza-se uma venda para que se possa comprar algo diferente do que se vendeu. De acordo com uma observação de Marx[8], há uma finalidade, situada fora desta operação, a saber, a satisfação de determinadas necessidades isto é, o uso, ou, se quisermos, o consumo, onde se realiza o valor de uso.
A troca veio a ganhar importância apenas com o aumento da complexidade do comércio, no qual “o uso da moeda foi adotado sob a pressão dessa necessidade”, (Aristóteles, 1998, 1257a), isto é, ainda como facilitador das trocas. Até aqui, de uma forma geral, a troca continua no âmbito da economia (oikonomia).
Entretanto, com o passar do tempo, aquilo que era “uma simples troca, tornou-se mais sofisticado, quando a experiência ensinou a fonte e os métodos de troca a partir dos quais se obteria o maior lucro” (Aristóteles, 1998, 1257b). O dinheiro que “foi inventado devido às necessidades de troca” (Aristóteles, 1998, 1257a), e portanto considerado apenas como “medida para todas as coisas” (Aristóteles, 2004, 1133a), poderia, a partir de agora, servir também para o enriquecimento por meio do lucro. E é justamente “quando denuncia o princípio da produção com vista ao lucro “como não natural no homem”, que Aristóteles identificava, de facto, o ponto fundamental - ou seja, o divórcio entre a motivação económica e todas as relações sociais concretas que, pela sua própria natureza, impõem a sua limitação.” (Polanyi, 2012, p. 191)
De facto, com a invenção da moeda, o comércio de troca conheceu necessariamente um grande desenvolvimento, e o dinheiro, contrariando o seu uso originário e “natural”, constitui-se em instrumento de crematística, não já a arte da aquisição, mas a de multiplicar o dinheiro. E para “multiplicar o dinheiro” existe até mais do que uma forma, designadamente, comprar as coisas para voltar a vendê-las (Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro aumentado) ou emprestar, e, após o prazo definido, receber o dinheiro devolvido com juros (Dinheiro – Dinheiro aumentado). Ou de forma mais esquemática, respetivamente: D-M-D’ e D-D’[9]. De facto, o “capital comercial” e o “capital usurário” “aparecem ambos historicamente antes da moderna forma básica do capital” (Marx, 1990, p. 191).
Nos circuitos D-M-D’ e D-D’, a única diferença entre eles encontra-se no facto de, no primeiro caso, existir um intermediário (a mercadoria), enquanto em D-D’ não há qualquer mediador, apenas uma pessoa que empresta dinheiro a outra, cobrando juros.
No circuito anterior (M-D-M), o dinheiro é apenas medida ou simples meio de troca, ou de pagamento, de mercadorias. Já nos circuitos D-M-D’ ou D-D’, o dinheiro tem como finalidade a valorização: o dinheiro vale como medida ou meio de troca mas, principalmente, vale como fim em si mesmo, a troca serve somente para a realização, e acumulação, de dinheiro. Neste caso, os dois extremos do circuito são os mesmos: dinheiro. Por serem da mesma natureza, os extremos diferenciam-se apenas quantitativamente, isto é, nesta operação há um acréscimo de dinheiro, sem mudar a sua qualidade. “Como valores de uso, as mercadorias são, antes de tudo, de diversa qualidade; como valores de troca, apenas podem ser de diversa quantidade, não contendo, portanto, átomo algum do valor de uso.” (Marx, 1990, p. 48)
A circulação do dinheiro, que teve origem na simples, e cada vez mais longínqua, troca “natural” para prover bens essenciais em falta, entra agora numa nova fase: a multiplicação sem circulação de um produto específico. O último e mais complexo circuito do valor de troca é o circuito Dinheiro-Dinheiro aumentado. E por isso, “com muito mais razão se detesta a prática de cobrar juros, porque nela o ganho resulta do dinheiro propriamente dito e não da finalidade para a qual o dinheiro foi instituído. Ora o dinheiro foi instituído para troca, enquanto o juro multiplica a quantidade do próprio dinheiro, (…) é dinheiro nascido do dinheiro. Assim, de entre todos os modos de adquirir bens, este é o mais contrário à natureza[10]” (Aristóteles, 1998, 1258b).
Esta qualidade da usura, a de ser o modo de adquirir bens “mais contrário à natureza”, advém-lhe do facto de desprezar dois princípios fundamentais. Por um lado, desrespeita o carater “natural” da troca entre os “senhores da casa”, na qual o dinheiro tem como função servir como meio de pagamento, não podendo multiplicar-se[11]; e, por outro lado, desrespeita a reciprocidade, desprezando a justa equivalência na troca, na medida em que a usura gera um excedente ilegítimo, “dinheiro nascido do dinheiro” (e daí a origem da palavra “juros” (tokos) relacionada com os conceitos de “gerado”, “filho”, “criança”). Os juros resultantes da prática da usura são a própria expressão da não equivalência da troca, de uma injustiça[12], portanto. E essa injustiça repercute-se negativamente na coesão da comunidade, pois o juro desloca dinheiro de uns para os outros, gerando riqueza monetária para uns em detrimento de outros (daí a instituição da servidão por dívidas e o interesse social no seu cancelamento).
A grande distopia do Mercado
Apesar de Aristóteles, no seu contexto histórico, não poder estimar a verdadeira dimensão das transações monetárias originadas nos juros, para que, dessa forma, pudesse inferir o quanto a prática da usura iria influenciar e transformar a estrutura da polis, ainda assim, a usura é para Aristóteles, o estádio mais avançado – e mais deturpado - da crematística, é o término de um caminho que começou com a simples troca entre bens necessários. O “Filósofo” pressentia claramente a ameaça social da crematística, na qual “parece não existir limite nem de riqueza nem de propriedade” (Aristóteles, 1998, 1257a).
Aristóteles analisou as práticas sociais nas quais a moeda fosse de uso imprescindível, pretendendo descobrir como resolver o problema dos homens usarem o dinheiro nos processos de intercâmbio comercial sem ser dominados por ele. “Só um senso comum genial seria capaz de sustentar, como Aristóteles fez, que o lucro era uma motivação peculiar da produção para o mercado e que o fator monetário introduzia um novo elemento na situação, sem que isso, enquanto os mercados e o dinheiro se mantivessem como aspetos subsidiários de uma administração doméstica que permanecesse autossuficiente, impedisse que o princípio continuasse a ser a produção com vista ao uso.” (Polanyi, 2012 p. 190)
Daí as preocupações de Aristóteles com o padrão de comensurabilidade, a sua condenação da crematística, que contrariava perigosamente a finalidade intrínseca do carater convencional da moeda - o de operacionalizar a prática mercantil facilitando as transações indispensáveis à família e à polis -, bem como a sua reprovação dos juros, resultantes da usura, como prática típica da crematística comercial. A multiplicação da moeda produz uma inversão nos objetivos, essencialmente políticos, da troca reciproca, fundamento da vida social. E esse é o grande receio de Aristóteles, que antevê a ameaça ao modo de vida predominante naquela estrutura política, que pode mesmo conduzir à ruína dos cidadãos.
Aristóteles compreendeu que a crematística começava a colocar em risco aqueles que eram os elementos de referência no seu pensamento sobre as questões económicas (comunidade, autossuficiência e justiça). De acordo com a interpretação de Polanyi, tanto na oikos, como na polis existia uma espécie de philia específica da koinonía(comunidade), sem a qual o grupo não poderia subsistir. Aquela philia expressava-se numa conduta de reciprocidade, enquanto disposição tendente à partilha. (Polanyi, 1957, p. 79) E por essa razão, tudo o que era necessário para a continuidade e manutenção da comunidade e que garantisse a justiça era “natural”, necessário e intrinsecamente bom para a continuidade do coletivo social.
Hoje, séculos e séculos depois, aquilo que consideramos natural” é muito diferente. Em plena sociedade de mercado, o que reconhecemos como absolutamente normal é, por exemplo, o pagamento da dívida. A avaliar pela prática discursiva, tendemos mesmo a considerar que se trata de uma questão de justiça natural, porventura tão natural como era a escravatura para Aristóteles. Daí o “contrassenso” em falar-se em justiça natural[13].
Em matéria de economia, podemos valorizar ou não os ensinamentos do “gigante do pensamento”, como chamou Marx a Aristóteles (1990, p. 98) mas, em qualquer dos casos, desses “ensinamentos” retiraremos sempre a constatação de que existem - porque assim existiram - outras formas de pensar a relação da economia com a política, de conceber a finalidade do dinheiro, de considerar a relação entre o indivíduo e a comunidade, ou mesmo de compreender a importância, ou possivelmente a necessidade, da anulação das dívidas, e assim por diante. Por isso, o atual modelo económico (mas também político, ético e social), assente na “economia de mercado” não constitui uma “ordem natural das coisas”, por mais que os primeiros economistas modernos “ansiassem por descobrir uma lei da sociedade tão universal como a lei da gravitação da natureza” (Polany, 2012, p. 273).
Não sendo natural, e muito menos única, é ainda questionável que a utopia (distopia) da “sociedade de mercado” seja sequer realizável sem um enorme grau de devastação. “Permitir que seja exclusivamente o mecanismo do mercado a governar o destino dos seres humanos e o seu meio natural (…) teria por resultado a destruição da sociedade. (…) Despojados da proteção das instituições culturais, os seres humanos pereceriam, vítimas dos efeitos da sua exposição à sociedade; morreriam devido à desagregação social extrema causada pelo vício, o crime e a fome. A natureza ver-se-ia reduzida aos seus elementos, o meio circundante e as paisagens seriam vítimas da contaminação, os cursos de água seriam devastados pela poluição, a segurança militar estaria comprometida, a capacidade de produção de alimentos e matérias-primas sucumbiria à destruição.” (Polany, 2012, p. 216)
Este efeito devastador que, salvo interferências de outras forças contrárias, conduz à destruição da sociedade e da natureza é, em larga medida, resultado da conversão em mercadorias de certos elementos que, em si mesmo, não são mercadorias: a terra, o trabalho e o dinheiro.
A mercadoria desempenha neste processo um papel fundamental. “É apoiando-se no conceito de mercadoria que o mecanismo de mercado se insere nos diversos elementos da vida industrial. As mercadorias são aqui empiricamente definidas como objetos produzidos com vista à venda no mercado”. (Polany, 2012, p. 214) Uma economia de mercado - autorregulada - requer que todos os bens funcionem enquanto mercadorias, algo produzido para a venda, pois só assim podem estar sujeitos ao mecanismo da oferta e procura, com intermediação do preço, o que exige, para os atos de intercâmbio, que todas as unidades económicas intercambiáveis tenham necessariamente que ser quantificadas.
Mas a conversão de elementos básicos da vida social – a terra, o homem e a moeda – em mercadorias é, de acordo com Polanyi, uma falsa conversão, no sentido em que mesmo tratados como tal, não são mercadorias, não são produzidos para venda. São, na verdade, mercadorias fictícias: “o trabalho, a terra e a moeda não são, evidentemente, mercadorias: o postulado segundo o qual qualquer coisa que seja comprada e vendida tem de ter sido produzida a fim de ser vendida é rotundamente falso no que se lhes refere. Por outras palavras, segundo a definição empírica de mercadoria, não são mercadorias. O trabalho é somente outro nome de uma atividade humana que acompanha a própria vida, a qual, por seu turno, não é produzida para venda, mas por razões inteiramente diferentes, acrescendo que a atividade em causa não pode ser desligada do resto da vida, para ser armazenada ou mobilizada; a terra é somente outro nome que damos à natureza, que não é produzida pelo homem; a moeda efetivamente existente, enfim, é tão-só um símbolo do poder de compra, o qual, em regra, não é produzido, mas resulta de uma criação da banca ou das finanças do Estado. Nenhum dos três elementos - trabalho, terra, moeda - é, portanto, produzido para venda: a sua descrição como mercadorias é inteiramente fictícia.” (Polany, 2012, p. 215)
A inserção do mecanismo de mercado nos diversos elementos da vida viria, então, a produzir a grande transformação. Sendo verdade que nenhuma sociedade pode existir sem uma ou outra forma de economia, que assegure e organize a produção e a distribuição bens, isso não significa que o processo económico tenha uma existência independente do tecido social, ecológico e tecnológico, como veio a acontecer com forma económica de mercado.
De facto, na forma-mercado, o seu funcionamento é completamente distinto das outras três formas anteriores[14] de integração da atividade económica, nas quais a economia era simplesmente uma das funções da ordem social. Sob as condições “da tribo, do feudalismo ou do mercantilismo”, não existia um sistema económico separado, em nenhuma delas se pode observar a existência de uma atividade económica desligada do resto das atividades que estruturam a sociedade com um significado próprio e regulada por instituições e leis específicas. Só numa economia de mercado é que “em vez de existir uma economia incrustada (“embedded”) nas relações sociais, são as relações sociais que são incrustadas no sistema económico.” (Polany, 2012, p. 194”).
A sociedade do século XIX[15], que estabeleceu a atividade económica com instituições e comportamentos diferenciados e isolados do resto das instituições e comportamentos sociais e políticos, constituiu uma inovação.
Política e sociedade ficaram institucionalmente separadas do mercado, mas a sua configuração e dinâmica encontram-se determinadas por ele, a instituição do mercado ocupa o centro da organização social. E a partir desse lugar privilegiado atua sobre o resto das instituições, de modo a que acaba por configurá-las de acordo com as condições do seu funcionamento.
Mas, a economia de mercado não nasce espontaneamente, pelo contrário, requer estruturas de apoio (legislação, instituições, códigos, teorias, conhecimentos, atores…) sem as quais não seria possível a sua constituição. A destruição das bases tradicionais da sociedade para a criação de um mercado autorregulado, exigiu a participação do poder político do Estado para a aplicação dos seus postulados, para criar e manter a “utopia” do liberalismo. A autorregulação não pode dar-se sem ser acompanhada da ação do Estado no ajuste de uma série de mecanismos institucionais e de comportamento humano, designadamente na garantia do direito à propriedade, para referir apenas um exemplo de um dos pré-requisitos fundamentais.
Esta ideia contrapõe-se ao pressuposto de que a organização social é o resultado natural de interações entre indivíduos, que dão lugar ao desenvolvimento, também ele espontâneo, de estruturas sociais ordenadas num processo evolutivo no qual o expoente final e mais evoluído seria a própria economia de mercado. O que existiu foi um processo histórico de construção de instituições com um determinado conteúdo, por mais que o credo liberal “ansiasse descobrir uma lei da sociedade tão universal como a lei da gravitação da natureza” (Polany, 2012, p. 273).
Para esse “credo”, a sociedade deveria ser ela própria como que uma parte da natureza. E se a natureza se encontrava regida por leis imutáveis, o mesmo tinha que se verificar na sociedade. “A natureza biológica do homem parecia o fundamento de uma sociedade que deixara de ser uma ordem política. (…) A lei da população de Malthus e a lei dos rendimentos decrescentes formulada por Ricardo tornavam a fertilidade do homem e do solo os elementos constituintes de um novo domínio da existência até então não reconhecido. Emergira a sociedade económica enquanto realidade distinta do Estado político.” (Polany, 2012, p. 275)
Assim, se havia pobres (e havia muitos) e se a sua situação não melhorava, ninguém tinha culpa e a política nada podia fazer, a sua existência fazia parte de uma ordem natural, e como toda a ordem natural é não só irreformável como bem ordenada. “A solução seria que deixassem de existir a fixação de salários, a assistência prestada a desempregados válidos, e também salários mínimos ou outras medidas que assegurassem o «direito à vida». O trabalho teria de ser tratado como aquilo que era - ou seja, uma mercadoria cujo preço será estabelecido pelo mercado. As leis do comércio eram as leis da natureza e, por conseguinte, as leis de Deus. (Polany, 2012, p. 276-7) (Itálico nosso)
O homo economicus longe de ser o núcleo fundamental e originário da natureza foi o resultado de uma violenta institucionalização, que não só o integrou no mercado, mas também impôs que permanecesse nele, através de um contínuo e sustentado esforço político de disciplinamento e vigilância, para uma legitimação desse processo. As diferentes formas de integração não só deram lugar à produção e consumo de bens, como também à construção do próprio sujeito, como veremos de forma mais desenvolvida no capítulo 4.
Surge assim o caráter artificial e a base política da economia de mercado, isto é, a sua criação através de processos políticos centrados no exercício do poder, frequentemente de forma violenta, conforme teremos oportunidade de voltar a referir no capítulo 3.
“A descoberta da economia foi como que uma revelação assombrosa acelerando fortemente a transformação da sociedade e a instauração de um sistema de mercado” (Polany, 2012, p. 280), o instrumento para racionalizar os efeitos brutais da Revolução Industrial, como se fossem consequências necessárias de um processo natural, desempenhando um papel fundamental no levantamento de barreiras morais e de resistências sociais.
Sem menosprezar o impacto da movimentação monetária na Grécia do século IV a.C., a economia no tempo de Aristóteles ainda estava muito longe desta “grande transformação” numa estrutura de mercado, que só viria a acontecer muitos séculos depois, como acabámos de ver. Mas, já por esta altura Aristóteles estava ciente, e preocupado, com o espaço que o fenómeno da economia, ou melhor, daquilo a que chamava “crematística” começava a ocupar no mundo grego, influenciando valores éticos, políticos e culturais em geral na comunidade, mesmo que a sua polis, por essa altura, já fosse uma parte constituinte do império de Alexandre Magno, de quem, aliás, foi tutor. A intensificação das trocas, com recurso à moeda, representava um ambiente propício à deturpação das finalidades da oikonomia e aos desvios ético-políticos, tendo por isso merecido a atenção de Aristóteles. Enquanto o dinheiro servir apenas como medida de troca, os efeitos desagregadores da sua ação sobre a polis ficarão limitados. O problema é que, como Aristóteles bem compreendia, não existe qualquer garantia de que o dinheiro fique subordinado à finalidade.
Embora não pudesse conhecer exatamente em que medida, Aristóteles, na “indicação mais profética que alguma vez nos deu o domínio das ciências sociais”, pressentia que os propósitos originais da troca poderiam ser descaracterizados ao ponto do dinheiro transformar a polis numa distopia desagregadora. Seria a partir do século XIX, com o avanço nocivo e destrutivo do capitalismo, que “a sociedade humana poderia ter sido aniquilada se não interviessem os contramovimentos defensivos que refrearam a ação do mecanismo autodestrutivo.”[16]
Graeber analisou a perda de vínculos sociais pela intrusão de uma outra força, a do poder central e impessoal do Estado que, através da usura ou da cobrança de impostos, fez emergir a dívida, que viria a atingir uma parte significativa da sociedade antiga; Polanyi, por sua vez, analisou o problema da devastação da sociedade humana pelas forças intrusivas do mercado, recorrendo, designadamente, a um conceito vindo do mundo antigo de Aristóteles, o conceito de crematística, a troca orientada para o lucro, ambas extraordinariamente relevante para o problema da dívida.
Ainda que não diretamente relacionado com a questão da dívida, o conceito polanyiano de “mercadorias fictícias” é especialmente relevante numa união monetária, como a da União Europeia, um exemplo contemporâneo do poder da distopia do projeto (neo)liberal no que diz respeito sobretudo à mercadoria-homem e à mercadoria-dinheiro. A uniformidade de mercado na zona euro criou uma moeda (mercadoria) fora de um Estado previamente existente e desligada das finanças estatais, que atua por ação das forças de mercado e que é gerida por instituições supranacionais sem qualquer controlo democrático, acreditando-se que os seus efeitos produziriam uma maior convergência socioeconómica e política. Mas, um dos efeitos mais visíveis da moeda-mercadoria da união monetária acaba por ser aquele que exerce sobre outra “mercadoria”, o trabalho: o elemento fundamental dos ajustamentos recessivos de todas as “tróicas”.
Hoje, com um sistema económico orientado para o lucro - um verdadeiro sistema crematístico mundial - e com a existência de poderes centrais, independentes do poder político representativo, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu ou mesmo as agências de rating, entre outros, estão reunidas as condições institucionais, salvo “contramovimentos defensivos”, para o controlo da sociedade humana pelo mercado e com ele para a contínua acumulação de dívida para quase todos e de rendimentos apenas para alguns.
Aristóteles pressentia a distopia arrasadora. Estava certo.