O governo de Alexis Tsipras canta vitória após este acordo. É verdade que a abertura da discussão sobre a dívida representa o reconhecimento de uma antiga exigência do executivo grego. O hóspede do Maximou, o Matignon grego, pode orgulhar-se de ter imposto a sua escolha ao Eurogrupo ao fazer votar, antes do fim da avaliação, um plano de austeridade no seu parlamento com uma reforma das pensões e dos impostos. Essa estratégia deu resultado junto dos ministros das Finanças e acabou por ter luz verde do Eurogrupo. Por fim, Alexis Tsipras conseguiu impor a ideia de um mecanismo preventivo automático em caso de derrapagem do objetivo orçamental para 2018, em vez das medidas concretas que o Eurogrupo queria ver aprovadas.
O mecanismo corretivo para 2018: uma vitória dos credores
Mas estes três sucessos devem ser relativizados. Desde logo porque os credores seguiram uma das suas estratégias habituais: pedir sempre mais para obter um pouco mais, dando a impressão aos gregos de terem conseguido uma vitória. Esta estratégia foi inaugurada em julho de 2015, quando o Eurogrupo exigiu um fundo de privatização sediado no Luxemburgo. Os gregos acabaram por conseguir o repatriamento desse fundo para Atenas, mas a ideia – nova – do fundo acabou por vingar. O mesmo acontece com estas medidas de contingência destinadas a assegurar o objetivo do excedente no saldo primário orçamental, retirado o serviço da dívida, de 3.5% do PIB.
Atenas sabia que, com o FMI, seria mais delicado negociar os objetivos e esperava discuti-los com o Eurogrupo. Deste ponto de vista, a aposta foi inteiramente falhada. O mecanismo prevê de facto um plano suplementar de austeridade que não necessitará do aval do parlamento grego. E se o governo helénico conseguiu seguir a sua estratégica do “mal menor” para as outras medidas, tentando (nem sempre com sucesso) proteger os mais frágeis, a soma final é muito pesada. É mesmo um novo plano de austeridade que Alexis Tsipras teve de aceitar.
Estas medidas só apareceram no último mês. O governo grego acabou por substituí-las por um mecanismo de ajustamento automático das despesas públicas, não detalhado mas vinculativo. A diferença é mínima, e de resto o comunicado do Eurogrupo de 9 de maio continua muito ambíguo sobre este ponto, mencionando “um pacote de medidas”. Na realidade, o governo grego recuou neste ponto. Este inverno, o governo não escondia a sua ambição de colocar em causa o objetivo de 2018. É justamente uma das razões que justificaram o pedido grego para afastar o FMI no futuro. Atenas sabia que, com o FMI, seria mais delicado negociar os objetivos e esperava discuti-los com o Eurogrupo. Deste ponto de vista, a aposta foi inteiramente falhada. O mecanismo prevê de facto um plano suplementar de austeridade que não necessitará do aval do parlamento grego. E se o governo helénico conseguiu seguir a sua estratégica do “mal menor” para as outras medidas, tentando (nem sempre com sucesso) proteger os mais frágeis, a soma final é muito pesada. É mesmo um novo plano de austeridade que Alexis Tsipras teve de aceitar.
Persiste a lógica dos antigos programas
Na verdade, é mesmo a lógica dos programas precedentes que continua em vigor, e isso é o mais preocupante. O comunicado do Eurogrupo de 9 de maio, prelúdio ao acordo de 24 de maio, “santifica” de facto o objetivo do saldo orçamental primário de 3.5% do PIB para 2018 e cria mesmo, como vimos agora, uma “jaula” para garantir a sua realização. As medidas ligadas ao “novo perfil” da dívida pública acabam adiadas para lá de 2018 e condicionadas ao “sucesso” do programa até ao seu final. Continuamos então na linha que presidiu aos três memorandos: as “reformas”, que na realidade são medidas orçamentais fundadas em objetivos contabilizáveis, permitirão recriar as condições de crescimento na Grécia. A história da crise desde 2010 continua a mostrar que se trata de um erro, mas nada foi feito. Vamos então uma vez mais enfraquecer a procura interna grega, reduzindo as pensões, reduzindo os postos de trabalho na administração pública (uma entrada por cada cinco saídas para a reforma), aumentando a carga fiscal das famílias e empresas, acreditando que a realização dos objetivos orçamentais irá atrair investidores e dinamizar o crescimento. O governo grego aceitou esta lógica de “neutralidade ricardiana” que diz mais respeito no sonho que à realidade.
A fraca credibilidade das esperanças da Comissão
Ao inflingir um plano de austeridade de 3% do PIB junto com outro antes de 2018 de mais 2.5% do PIB, o risco é de desencorajar quem quer que seja a investir no país. A Comissão Europeia promete um crescimento de 2.7$ em 2017 para a Grécia. São números pouco credíveis, na medida em que todas as previsões dos credores se revelaram imprecisas. Lembremos, por exemplo, que o programa de 2010 previa, por exemplo, um crescimento de 2.1% para 2013 e 2014. Na realidade, a economia grega contraiu 3.2% em 2013 e progrediu 0.7% em 2014. Tendo em conta o tamanho dos novos “sacrifícios” pedidos ao país, tal crescimento é pouco provável. Como o efeito da reforma das pensões se fará sentir no próximo ano e que todos os investidores vão certamente esperar pela pancada do mecanismo corretivo para atingir o objetivo de 2018. Arriscamo-nos então a voltar a encontrar uma Grécia ainda de joelhos daqui a dois anos.
Rumo ao novo perfil da dívida
Ora, na lógica adotada pelo Eurogrupo e o governo grego, e apesar da “mudança de perfil” da dívida, o país será obrigado a manter por muito tempo um excedente orçamental primário elevado para poder dispor dos recursos necessários para o pagamento da dívida, mesmo que restruturada. Por outras palavras, a Grécia ficará contida numa lógica austeritária e deflacionista por muito tempo. E aqui está um grande problema que nos leva à questão da dívida. O Eurogrupo e o Mecanismo Europeu de Estabilidade reafirmaram a 9 de maio que está afastado um “haircut”, ou seja, uma redução do stock nominal da dívida grega. O que propõe o Eurogrupo é um alívio das condições de reembolso. Deste ponto de vista, não é verdade dizer, como fez Alexis Tsipras no parlamento a 8 de maio, que foi levantada pela “primeira vez” a restruturação da dívida. Os prazos de pagamento, os períodos de carência e os juros foram já renegociadas pela dívida detida pelos europeus em 2012.
Um novo perfil associado a uma política deflacionista
Este ajustamento, também chamado “mudança de perfil”, reduz o valor “atualizado” da dívida. Uma dívida reembolsada durante mais tempo e com menos juros terá, tendo em conta a inflação, um valor mais reduzido. Os Estados europeus aceitam assim uma perda implícita e aliviam o peso dos reembolsos para os gregos. Mas a eficácia desta mudança de perfil está longe de assegurada justamente porque é acompanhada de uma política constante de austeridade que tem um efeito deflacionista. Há três anos que a inflação está em terreno negativo na Grécia. Então, os efeitos das perdas ligadas à atualização a dívida são menores e o custo para o devedor permanece elevado. Eis a razão por que esta “mudança de perfil” é uma vitória oca do governo grego: sem uma verdadeira política de relançamento da atividade e da inflação, sem abandono de uma austeridade necrotizante, o peso da dívida para a Grécia continuará imenso. Será uma espada de Damocles que desencorajará os investidores sérios e desejosos de intervir a longo prazo.
Qual o peso dos futuros reembolsos?
É necessário observar de perto as condições desta “mudança de perfil”. São referidas muitas opções técnicas, mas o essencial não está aí: qual a proporção das receitas gregas que será destinada ao reembolso da dívida e durante quanto tempo? Lembremos a lógica que está a ser seguida: o orçamento grego terá de apresentar excedentes primários para constituir reservas durante o “período de carência”. Isto reduz a inflação e portanto o efeito de atualização do valor da dívida. Então, uma vez atingido o período de carência, será ainda necessário criar excedentes para cumprir os compromissos. Como recordou o comunicado do Eurogrupo, o objetivo é fazer regressar rapidamente a Grécia aos mercados, onde se endividará a taxas elevadas para reembolsar a maior parte da dívida europeia. O custo da dívida irá permanecer dos mais pesados. A Comissão Europeia referiu o limite de 15% do PIB para as necessidades do financiamento do país em cada ano. Se esse limite for aplicado, será considerável e representa hoje 26 mil milhões de euros. As receitas do Estado grego ascenderam a 55 mil milhões em 2015… Partindo desta base, a “mudança de perfil” significa um fardo muito pesado para o orçamento grego quando acabar o período de carência. No final, segundo o Mecanismo Europeu de Estabilidade, a Grécia deverá assegurar um excedente orçamental prímário de 3.5% até 2040!!! Em termos gerais, a “escravidão da dívida”, para retomar a expressão do economista Costas Lapavitsas, continuará a ser uma realidade na Grécia durante décadas: as riquezas criadas serão capturadas pelos credores, o que irá reduzir as riquezas criadas… No entanto, a legitimidade desta dívida permanece provlemática.
Persevere diabolicum est…
Por trás dos gritos de vitória do governo grego, a realidade arrisca-se a ser mais difícil. Sem uma real redução nominal do stock da dívida, associada a um verdadeiro plano de reconstrução europeu para relançar a atividade e a inflação, a Grécia não irá sair do atoleiro. Lembremos que a restruturação de 2012 cortou 100 mil milhões da dívida grega, mas a política de austeridade associada a este plano levou ao aumento do peso da dívida por causa da queda do PIB. Lembremos também que as medidas de “mudança de perfil” de 2012 não solucionaram o problema da dívida grega. Ao ignorar estes ensinamentos, o Eurogrupo continua a recusar mudar a sua lógica e permanece amarrado à mesma que, até agora, falhou. E o governo grego não tem alternativa a não ser seguir esse caminho.
Publicado em La Tribune e no portal do CADTM. Tradução de Luís Branco para o esquerda.net